Reportagens

O povoado onde todos vivem de portas e janelas fechadas

Para tentar minimizar efeitos da poluição de siderúrgicas, moradores de Piquiá vivem trancados em casa. Bairro parece cidade fantasma.

Fabíola Ortiz ·
18 de julho de 2014 · 10 anos atrás
Principal rua de Piquiá de Baixo. Sem calçada ou asfalto, moradores vivem em condições precárias e improvisadas. Eles se acostumaram a fechar portas e janelas para evitar a poluição. Foto: Fabíola Ortiz/O Eco
Principal rua de Piquiá de Baixo. Sem calçada ou asfalto, moradores vivem em condições precárias e improvisadas. Eles se acostumaram a fechar portas e janelas para evitar a poluição. Foto: Fabíola Ortiz/O Eco


Enviada especial à Açailândia, Maranhão
– Os moradores de Piquiá de Baixo, vilarejo localizado na zona rural de Açailândia, no interior do Maranhão, parecem acostumados a viver trancados. A impressão de quem chega pela primeira vez ao local é de que se trata de um povoado fantasma. Nos dias de semana é raro ver pessoas caminhando pelas ruas. Portas e janelas ficam fechadas o tempo todo. Dificilmente se avista alguém na janela ou a descansar na rede da varanda.

As ruas sem pavimentação e saneamento vivem esburacadas e enlameadas pela água suja que escorre dos canos das casas, muitas delas de madeira podre ou de alvenaria improvisada. O bairro é cercado por cinco siderúrgicas, fica à margem da ferrovia por onde passa o ferro extraído na mina de Carajás, no Pará, e é cortado pela Rodovia BR-222.

“Aqui é um lugar esquecido. Ninguém investe em nada. Sempre vi a luta de meu pai por melhorias e, como nasci e me criei aqui, entendo as aflições do nosso povo. São pessoas muito carentes”, diz Josikelly Alves de Oliveira dos Santos, de 31 anos. Ela é uma das filhas de Angelita, moradora citada na primeira reportagem desta série especial sobre Piquiá de Baixo. A família de Angelita é conhecida na região por ser a única que teve condições de cursar ensino superior. Josi, como é conhecida, estudou junto com seus irmãos na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), em Imperatriz.

Desde 2008, ela atua como agente de saúde da Unidade Básica de Piquiá e se divide com mais um colega para dar conta de todas as famílias do povoado. Só ela é responsável por orientar mais de 150 famílias sobre como cuidar da higiene e prevenir os malefícios causados pela poluição, especialmente a do ar. “Visitamos as famílias e damos orientações. As crianças aqui gripam muito fácil, é uma gripe que não passa. Elas tomam medicação continuamente”, explica Josi.

Problemas de saúde

Entre as queixas mais recorrentes da população acostumada a respirar pó de ferro estão problemas respiratórios, como falta de ar, cansaço, falta de fôlego e coração acelerado. Na tentativa de minimizar um pouco os efeitos da contaminação na comunidade, os agentes de saúde orientam que seus moradores evitem tomar banho no rio e em brejos e não andem descalços no chão. O cuidado com a higiene pessoal também é estimulado, como lavar a mão muitas vezes ao dia, tomar pelo menos quatro banhos, forrar os telhados, limpar diariamente a casa e manter janelas e portas trancadas.

A falta de saneamento e de recolhimento de lixo são evidentes. O esgoto escorre pelos quintais e ruas do bairro. Foto: Fabíola Ortiz/O Eco
A falta de saneamento e de recolhimento de lixo são evidentes. O esgoto escorre pelos quintais e ruas do bairro. Foto: Fabíola Ortiz/O Eco

Josi lista problemas respiratórios, doenças de pele e hipertensão como comuns na comunidade. “Em 2009, quase todas as casas tinham um caso de pneumonia, além de coceira e hanseníase”. Desde 2008, ela afirma ter contabilizado dez casos de AVC. “Temos muitos hipertensos”, explica, para emendar: “Não se sabe comprovadamente qual a relação (com a poluição), mas posso dizer que há muitos casos para uma comunidade pequena”.

“É comum para quem mora aqui ter o pulmão manchado”, conta Josi. Além de cuidar da saúde do vilarejo, a agente de saúde enfrenta um drama familiar. Seu marido, Jucelino dos Santos, de 31 anos, sofre de “insuficiência respiratória aguda por motivo de poluição ambiental”, segundo laudo médico a que ((o))eco teve acesso, emitido em junho de 2012, após um raio-x no tórax ter identificado inúmeras manchas em seu pulmão.

“O pulmão dele é manchado, sendo que nunca fumou. Enquanto a gente não saiu daqui, ele não melhorou. O médico disse que não tinha mais condições de ficarmos. Ele não dormia a noite, tinha que acordar cinco vezes para fazer inalação de ar”

Segundo as previsões médicas, Jucelino não chegaria aos 40 anos de idade se continuasse a viver em Piquiá de Baixo. Há 5 anos convivendo com a doença, o marido de Josi faz uso contínuo de diferentes remédios, expectorantes e xaropes.

“O pulmão dele é manchado, sendo que nunca fumou. Enquanto a gente não saiu daqui, ele não melhorou. O médico disse que não tinha mais condições de ficarmos. Ele não dormia a noite, tinha que acordar cinco vezes para fazer inalação de ar”, lembra.

Jucelino não pode fazer nenhum tipo de esforço físico. Seu caso é um dos mais graves hoje da comunidade. Por um tempo, teve que internar-se em São Luís para tratamento.

Indícios de graves problemas de saúde

Um parecer feito a pedido da Defensoria Pública, em junho de 2011, pelo Centro de Referência em Doenças Infecciosas e Parasitárias do Núcleo de Estudos em Medicina Tropical da Pré-Amazônia, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), indica graves problemas respiratórios entre os moradores da comunidade.

O documento informa que “manifestações ligadas ao aparelho respiratório (tosse, falta de ar e chiado no peito) foram queixas encontradas em todas as faixas etárias, inclusive com boa intensidade em menores de 9 anos de idade”.

Uma grossa camada de pó metálico se acumula no teto das casas. Para impedir que a poluição entre nas casas e respirar o chamado pó de ferro, moradores forram os tetos das casas com lonas. Foto: Fabíola Ortiz/O Eco
Uma grossa camada de pó metálico se acumula no teto das casas. Para impedir que a poluição entre nas casas e respirar o chamado pó de ferro, moradores forram os tetos das casas com lonas. Foto: Fabíola Ortiz/O Eco

O relatório destaca ainda que a dor de cabeça é um sintoma encontrado na população geral e também em crianças. “Manifestações de que alguma coisa irrita a pele e as vias aéreas superiores e os olhos foi constatado na maioria dos examinados”. Sintomas de cefaleia foram encontrados em mais de 60% dos pacientes, assim como manifestações de alergia, “acometendo as vias aéreas superiores  e olhos (coriza e lacrimejamento)” foram encontradas em  61,2% dos pacientes”, segundo o núcleo de estudos da Universidade Federal do Maranhão.

E assim, Piquiá sofre com uma população doente e de graves problemas pulmonares.

 

Esta é a terceira reportagem da série especial Piquiá de Baixo, sobre a vida dos impactados ambientais da produção de ferro gusa no Maranhão.

 

 

Leia também

Piquiá, um povoado coberto por pó de ferro na Amazônia

Você já respirou pó de ferro? Conheça o ar sujo de Piquiá

 

 

  • Fabíola Ortiz

    Jornalista e historiadora. Nascida no Rio, cobre temas de desenvolvimento sustentável. Radicada na Alemanha.

Leia também

Reportagens
16 de julho de 2014

Você já respirou pó de ferro? Conheça o ar sujo de Piquiá

Moradores de povoado no interior do Maranhão vivem cercados de siderúrgicas, respiram poeira metálica e sofrem com graves problemas de saúde

Reportagens
14 de julho de 2014

Piquiá, um povoado coberto por pó de ferro na Amazônia

Série especial do eco apresenta o drama dos que vivem cercados pela produção de ferro gusa em Piquiá de Baixo, no interior do Maranhão.

Colunas
17 de abril de 2024

Declaração de Barcelona define novos rumos para a Década do Oceano

O encerramento do evento oficializou a primeira conferência da Década do Oceano de Cidades Costeiras que ocorrerá em 2025 na cidade de Qingdao, na China.

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.