Reportagens

Caçadores presos em pousada no Pantanal

Polícia Militar Ambiental do Mato Grosso do Sul flagra caçada em uma das mais belas fazendas da região. Responsáveis receberam multas de R$ 12,5 mil. 

Fábio Pellegrini ·
26 de janeiro de 2011 · 13 anos atrás
As carcaças de jacarés e as armas apreendidas (crédito: Divulgação PMA-MS)
As carcaças de jacarés e as armas apreendidas (crédito: Divulgação PMA-MS)

Campo Grande (MS) - A Polícia Militar Ambiental de Mato Grosso do Sul (PMA-MS) prendeu na tarde de sábado (22) um grupo de pessoas que caçava animais silvestres em uma das mais belas propriedades rurais do Pantanal Sul, a fazenda Santa Emília, que outrora fora sede da Pousada Araraúna, voltada ao ecoturismo, e sediou há alguns anos a base de pesquisas de campo da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp).

Outros animais também foram abatidos. Na foto, cervo e queixada. (crédito: PMA-MS)
Outros animais também foram abatidos. Na foto, cervo e queixada. (crédito: PMA-MS)
Carcaças de jacaré foram encontradas em pick-up (foto: PMA-MS)
Carcaças de jacaré foram encontradas em pick-up (foto: PMA-MS)

Os policiais vinham investigando denúncias referentes à prática de caça na região e, com mandado de busca e apreensão em mãos, flagraram cinco homens que haviam abatido, naquele dia, cinco jacarés, e apreenderam várias armas, munições, facões e redes de pesca. No entorno da sede da fazenda, os militares encontraram outras três carcaças de jacarés, uma de capivara, outra de queixada e ossadas não identificadas, indicando que a prática de caça era costumeira por ali. A apreensão foi registrada em vídeo pelos próprios policiais e é chocante.

O proprietário da fazenda, o pecuarista Ugo Furlan, 69 anos, negou, em entrevista ao site Campo Grande Newsque a prática seja comum no local. Segundo ele, foi a primeira vez que isso aconteceu. Furlan disse que houve uma festa no local, com parentes e amigos, parte deles do estado de São Paulo, e que o responsável pela caça dos jacarés foi o irmão de um funcionário. De acordo com ele, havia entre 25 e 30 pessoas na fazenda. “Para minha surpresa, quando acordei, vi os jacarés na carroceria da caminhonete”. Segundo, ele, diante do que já havia ocorrido, a decisão foi de comer os animais.

Foi então que a Polícia Militar Ambiental chegou e prendeu Furlan e mais quatro pessoas, que foram soltos após pagar fiança na Delegacia de Polícia Civil de Aquidauana. Pelo crime ambiental de caça ilegal, os acusados poderão ser condenados a seis meses a um ano de detenção; pelo porte ilegal de arma, de dois a quatro anos de reclusão; pela posse ilegal de arma, de um a três anos de detenção e, pela formação de quadrilha, pena de um a três anos de reclusão. Além disso, cada autuado recebeu multa administrativa de R$ 2.500,00 reais pela caça dos animais silvestres. Juntas as punições somam12.500,00 reais.

Além disso, o proprietário da fazenda não possuía licenciamento ambiental para funcionamento da pousada e foi multado em mais R$ 50.000,00. Ele também responderá por este crime de funcionar atividade potencialmente poluidora sem autorização ambiental. A pena prevista é de três meses a um ano de detenção.

Apesar de negar a organização das caçadas, o pecuarista defende mudanças na legislação ambiental. Ele afirma que na região onde fica sua fazenda há milhares de jacarés: “Eles chegam a mudar a cor do barranco, quando estão todos juntos”.

Furlan disse ainda que é comum que fazendeiros matem os animais clandestinamente, crime ambiental muito praticado na década de 1980, ocasião em que o Pantanal foi cenário de verdadeiras batalhas entre coureiros e a Polícia Florestal (denominação da época).

Quanto à multa por falta de licenciamento ambiental para atividade turística, Furlan alegou que não é justa, haja vista que só desenvolve a pecuária na área, comprada há um ano.

Fazenda Santa Emília abrigava uma das mais bem estruturadas pousadas do Pantanal (foto: Wagner Guimarães)
Fazenda Santa Emília abrigava uma das mais bem estruturadas pousadas do Pantanal (foto: Wagner Guimarães)

Turismo ilegal

Caçadas e safáris no Pantanal não são novidade. No ano passado a Polícia Federal, através de solicitação do Ministério Público Estadual, motivada por denúncia da PMA, realizou a prisão de um grupo acusado de comercializar pacotes turísticos ilegais, de caça de onças no Pantanal.

Mas o que chama a atenção da ocorrência é o fato da propriedade já ter sido uma base de pesquisas científicas e pousada de ecoturismo, além da atividade pecuária. O local sediou o Projeto Arara Azul, da bióloga Neiva Guedes, dentre outros de suma importância para o desenvolvimento sustentável do Pantanal. Entre 2000 e 2008 a fazenda era propriedade da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp).

A Fazenda Santa Emília fica no município de Aquidauana, com 2.618 hectares, na sub-região do Pantanal do Rio Negro,uma das mais preservadas devido ao difícil acesso, a cerca de 250 km de distância de Campo Grande, capital sul-mato-grossense. Tem uma das melhores infra-estruturas do Pantanal Sul, incluindo uma pista de pouso de aeronaves com pavimentação asfáltica.

O ex-proprietário, professor Pedro Chaves dos Santos, ex-reitor da Uniderp, lamentou o fato ao jornalista blogueiro Marco Eusébio: “Como a propriedade servia para atender estudos de preservação ambiental da universidade, quando vendemos a Uniderp para a Anhanguera não tinha mais sentido ficar com a pousada e resolvi vender a fazenda a terceiros”, afirmou o professor. “A pousada era aberta à comunidade internacional e recebeu pesquisadores da Alemanha, dos Estados Unidos e de outros países, inclusive sediou estudos do projeto Arara Azul”, relembrou.

Trabalho de inteligência

Vídeo da PMA mostra parte do arsenal apreendido

O chefe do Núcleo de Educação Ambiental e de Comunicação da PMA, capitão Ednilson Queiroz, confirma que as denúncias já vinham ocorrendo há meses, inclusive contendo fotografias de cervos, catetos, queixadas e outros animais abatidos e sendo “carneados”. Então o comando determinou a realização de um trabalho de inteligência (investigação) para conseguir efetuar o flagrante.

Queiroz explica que, para tal, foi necessária montar uma operação que envolveu policiais de vários municípios: “O Pantanal tem suas barreiras naturais que dificultam a fiscalização. Muitas vezes estamos realizando operações fluviais ou terrestres, enquanto os caçadores chegam por avião. Então, é muito difícil, mas temos trabalhado incessantemente”, conta ele, que é Doutor em Ecologia e Conservação pela UFMS.

“O que temos percebido é que a população pantaneira não tem aceitado esse tipo de crime ambiental e tem denunciado esses delitos. Felizmente, são casos esporádicos”, explica. A PMA tem um efetivo de aproximadamente 380 policiais, entre homens e mulheres, para atuar ao longo dos 357 mil km2 de Mato Grosso do Sul.

A bióloga Neiva Guedes, idealizadora do Projeto Arara Azul, conta que trabalha no Pantanal há mais de 20 anos e que conhece muitas fazendas em quase todas as sub-regiões do Pantanal de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: “Esse tipo de caça, por esporte, só tenho visto com gente de fora do Pantanal. Pessoas que não tem ligação com a região e nem com a conservação. Acho a atitude dos caçadores covarde, pois trabalhei na região e na fazenda, por mais de cinco anos, enquanto foi propriedade da universidade. Parabenizo a ação da Policia Militar Ambiental e gostaria que os dirigentes e políticos modificassem a leis para que crimes como esse não fiquem impunes e os caçadores não fiquem em liberdade”.

*Fabio Pellegrini é jornalista em Campo Grande e colabora com ((o))eco como free-lancer

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