Reportagens

No rastro dos mamíferos que sobrevivem no Cerrado

Pesquisadores estão em Goiás, em uma região de pecuária, tentando entender como os animais sobrevivem em um meio que o homem já tomou.

Adriano Gambarini ·
22 de abril de 2013 · 13 anos atrás
Raposa-do-campo (Lycalopex vetulus), fotografada em 2011, durante campanha de observação de comportamento parental. Fotos: Adriano Gambarini.

O Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado é no mínimo audacioso. Ao contrário de muitos projetos de estudo de ecologia e comportamento de fauna silvestre, onde os pesquisadores podem se dar uma relativa tranquilidade por trabalharem em áreas conservadas e protegidas como Parques Nacionais e Estaduais, tal programa trabalha em terras dominadas por pecuária extensiva.

A região do Limoeiro, sudeste de Goiás, é tradicionalmente constituída por fazendas e dominada por campos abertos de braquiária. Apenas aqui e ali se vê pequenos fragmentos da mata nativa, bordeando córregos, teimosos em manter um mínimo de condições para os animais ainda residentes neste típico cerrado goiano.

Desde 2002, Frederico Gemesio Lemos, professor da Universidade Federal de Goiás, pesquisa insistentemente a pequena e simpática raposa-do-campo (Lycalopex vetulus). Ao contrário do que se possa esperar, esta graciosa raposa, muitas vezes confundida com o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), come preferencialmente cupim e tem uma distribuição aparentemente endêmica no Cerrado brasileiro. É aí onde mora a primeira lacuna de informações sobre a espécie: trata-se de um dos menos conhecidos e pouco estudados carnívoros brasileiros.

Foi neste universo de perguntas e possibilidades que Fred, juntamente com Fernanda Cavalcanti, bióloga com experiência em lobos-guará da Serra da Canastra, montaram o Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado, em 2009. Além das usuais perguntas sobre ecologia espacial para conhecer sua área de vida, reprodução, dispersão, comportamento, dieta e saúde, a proposta do casal de biólogos e equipe é entender como esta espécie tem conseguido se manter no atual cenário de antropização do ambiente. Ou seja, como tem sido a relação entre a raposa-do-campo e o homem.

A questão é descobrir como o animal está conseguindo sobreviver numa região com tão poucos recursos naturais, e onde a pressão econômica, desmatamento, implementação de empreendimentos e intolerância são cada vez maiores.

Mas o trabalho não se limita apenas à raposa, mas também ao Lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) e Cachorro-do-mato (Cerdocyon thous). Para efetivar esta campanha, que visa a captura, colocação de rádio-colar e retirada de amostras de sangue para estudos genéticos e de doenças, um grupo de pelo menos 10 pesquisadores de doutorado, mestrado e graduação se revezarão nos próximos 60 dias, com apoio de instituições como o Zoológico de São Paulo, CENAP/ICMbio, Fiocruz, Consórcio Capim Branco de Energia, Smithsonian Institute, Cleveland Metropark Zoo, Neotropical Grassland Conservancy e Idea Wild.

Nos próximos dias pretendo compartilhar com os leitores um pouco da rotina da pesquisa em campo, de como é a dinâmica de um grupo multidisciplinar para entender e conservar o que ainda resta da fauna brasileira. Esse blog anseia por documentar os sucessos deste esforço.

Primeira equipe dos primeiros quinze dias de trabalho de campo
Equipe trabalha no nivelamento dos diversos protocolos para coleta de material biológico.
Frederico Souza, da parte técnica da equipe, esteriliza com maçarico as armadilhas que serão usadas para captura.
Pele de raposa-do-campo encontrada atropelada. Um dos tantos problemas sofridos pela espécie.
Lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), capturado pela equipe do Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado em 2011. Foto: Frederico Gemesio Lemos.

 

 

  • Adriano Gambarini

    Fotógrafo profissional desde 1991. Vencedor do Prêmio Comunique-se, é geólogo de formação, com especialização em história natural e espeleologia, autor de 20 livros e diretor de dezenas de documentários.

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