
Sempre é difícil entender as declarações espontâneas da presidente Dilma Rousseff. Entretanto, o que ela diz publicamente tem enormes repercussões no Brasil e na América do Sul e, quando ela fala por ocasião de Assembleia Geral da ONU, suas palavras ecoam no mundo. Nesse caso, ao pretender justificar o curioso e lamentável fato de o Brasil não ter assinado a “Declaração de Nova York”, na qual 150 países comprometeram-se a zerar totalmente o desmatamento até 2030, ela afirmou que o governo brasileiro não foi convidado a participar da elaboração do documento. Até lá, tudo bem. Levado em conta o tamanho das florestas brasileiras, isso é inaceitável. Mas, ela disse também “que a carta fere a legislação brasileira”.
Segundo a presidente, “A lei brasileira permite que façamos manejo florestal, muitas pessoas vivem do manejo florestal, que é o desmatamento legal sem danos ao meio ambiente. Nas beiras, principalmente pelas populações tradicionais, você pode ter o manejo florestal”. Ela não citou, por certo, os textos legais ou os elementos técnicos que sustentam essas afirmações que são, pelo menos, revolucionárias.
Confusão
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“No manejo florestal se cortam árvores, mas se mantém a floresta. No desmatamento, se elimina a floresta.”
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A presidente Dilma está certa ao dizer que a legislação nacional permite o manejo florestal. Porém, ela esqueceu que a legislação também permite o desmatamento com fins agropecuários se este é feito dentro dos limites da lei e sem danos ao meio ambiente. Cabe duvidar que o texto da “Declaração de Nova York” se oponha a isso, pois quase todos os países signatários tem uma legislação similar, entre eles nações também tropicais e que a assinaram sem problemas, como o fizeram os países amazônicos. Exceto o Brasil.
O ponto de destaque na sua conversa com os jornalistas foi a sua engenhosa descrição de manejo florestal, que segundo ela é “o desmatamento legal sem danos ao meio ambiente”. Todas as escolas e faculdades de engenharia florestal do Brasil devem revisar seus programas de estudo. Devem esquecer o obsoleto conceito de que manejo florestal é a produção sustentável de bens florestais (madeira, frutos, resinas) e a manutenção de serviços ambientais (fixação de CO2, regulação de fluxos hídricos, conservação da biodiversidade). A partir de agora, se supõe, manejo florestal equivale a desmatar… com muito cuidado. Assim mesmo, com base nas explicações presidenciais, o manejo florestal deve ser dirigido essencialmente ao desmatamento e deve ser feito pelas populações tradicionais.
É verdade que no manejo florestal se cortam árvores, mas se mantém a floresta. No desmatamento, se elimina a floresta. O manejo florestal é sustentável pela própria definição. O desmatamento ainda que legal e “sem danos ao meio ambiente” (isso é um eufemismo) não é sustentável. Os dois conceitos são radicalmente diferentes e não podem ser misturados nem confundidos.
A presidente não tem obrigação de conhecer a diferença entre manejo florestal e desmatamento, mas ela poderia ter sido mais bem assessorada para evitar esta tremenda gafe que, claro, não podia passar despercebida ante jornalistas ambientais e ante os assistentes à Assembleia das Nações Unidas, com a questão das florestas bem alta na sua agenda. Esta anedota confirma que todo político deve se preparar bem antes de enfrentar coletivas de imprensa e, prudentemente, passar a palavra ao devido assessor quando se trata de assuntos especializados. Erros todos cometem, mas erros presidenciais podem fazer muito dano.
O que é realmente importa é que o Brasil não decepcione nem ofereça um mau exemplo e que, sem demora, se junte aos demais países amazônicos e aos de todo o planeta assinando a “Declaração de New York” para cessar o desmatamento a partir de 2030.
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