Análises

Estados Unidos e China: passos importantes para o clima

Impactos Políticos e para o Clima dos Anúncios de Estados Unidos e China sobre seus Futuros Compromissos sobre Mudanças Climáticas.

Carlos Rittl ·
17 de novembro de 2014 · 9 anos atrás

A última semana foi marcada por anúncios importantes de Estados Unidos e China, feitos em declaração conjunta dos seus Presidentes no dia 12 de novembro, a cerca de seus compromissos futuros pretendidos para redução de emissões de gases de efeito estufa. O Presidente Obama anunciou a intenção de seu país em reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa entre 26 e 28% em 2025, em relação às suas emissões de 2005. E o Presidente Xi Jinping, por sua vez, expressou a intenção de que a China atinja o pico das suas emissões totais por volta de 2030, de fazer esforços para que tal máximo de emissões seja atingido até mesmo antes, e de aumentar a participação de fontes não-fósseis em sua matriz de energia para 20%, por volta daquele ano.

Os anúncios tiveram ampla repercussão em todo o mundo. As reações imediatas variaram de um certo desdém a “Estados Unidos e China salvam o clima”. Nem tanto ao céu e nem tanto ao mar. Em se tratando das duas maiores economias do planeta e de dois países que sozinhos são responsáveis por mais de um terço das emissões anuais globais de gases de efeito estufa, é fundamental uma avaliação cuidadosa do que foi dito por Obama e Jinping e seu significado. E há duas métricas necessárias para um julgamento justo neste caso: a do clima e a da política.

Do ponto de vista de clima, comecemos pela China. Para um país em desenvolvimento, definir um ano limite para o pico de suas emissões de gases de efeito estufa é um passo muito significativo. E afirmar que este ano de pico pode ocorrer até mesmo antes do projetado (2030), é ainda mais relevante. A meta anunciada pela China após a aprovação do Acordo de Copenhagen, na 15a Conferência das Partes, em 2009, era de intensidade de carbono: reduzir a intensidade de emissões por unidade de PIB entre 40 e 45% em relação aos índices de 2005, o que não permite uma análise precisa, dada a falta de limites absolutos claros paras as emissões de qualquer país. E projeções recentes de cenário tendencial para as emissões chinesas indicavam que, sem esforços efetivos para sua redução, estas só atingiriam seu pico por volta de 2040 ou mesmo depois deste ano. A nova intenção do Governo chinês pode representar, portanto, um grande desvio de rota nas emissões do país, o que é positivo e representa um grande avanço. Mas para a China, hoje maior emissor mundial, 2030 como ano de pico de emissões anuais é suficiente? Não. Estudos indicam que para que tenhamos possibilidades significativas de manter o aquecimento global inferior a 2°C, limite sugerido pela ciência e assumido pelos países-membro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC) em 2010, na COP16, em Cancun, as emissões chinesas deveriam atingir seu pico no máximo em 2025. E também é necessário, sem dúvida, detalhar-se a trajetória das emissões chinesas, e qual será o limite de suas emissões a partir de 2020.

E quanto aos Estados Unidos? A intenção de reduzir suas emissões entre 26 e 28% em relação às emissões anuais de 2005 significa aumentar a velocidade com que suas emissões anuais caem para o atingimento de sua meta de redução de emissões presentes. O compromisso dos Estados Unidos junto à UNFCCC (no âmbito do Acordo de Copenhagen para 2020), hoje, é de uma redução de 17% das emissões em relação aos índices anuais de 2005. No entanto, quando os Estados Unidos assumiram aquela meta, informaram também que legislação pendente de aprovação nos Estados Unidos, se aprovada, levaria o país a um compromisso adicional, de emissões em 2025 30% menores em relação às emissões de 2005. Portanto, os números informados pelo Presidente Obama na semana passada são inferiores ao que os Estados Unidos haviam registrado junto à Convenção, em janeiro de 2010, como suas metas para 2020. E ainda estão muito longe de assegurar uma trajetória de emissões decrescentes e em linha com o limite de 2°C. Um compromisso efetivo para um país com o peso dos Estados Unidos, maior emissor histórico, deveria levar a cortes de 25 a 40% em 2020 em relação às suas emissões anuais em 1990, segundo recomendação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas para países desenvolvidos.

Cartas na mesa

“(…) sob a métrica do clima, Estados Unidos e China ainda devem maior clareza nos limites de suas emissões ao longo do tempo. E muito maior ambição.”

Se outros países assumissem compromissos similares aos anúncios feitos por aqueles dois países, não teríamos a mínima chance de permanecer dentro do limite de 2°C de aquecimento global. Assim, sob a métrica do clima, Estados Unidos e China ainda devem maior clareza nos limites de suas emissões ao longo do tempo. E muito maior ambição.

Se para o clima Estados Unidos e China ainda ficam devendo, sob a ótica política, os anúncios da semana passada são da máxima relevância. O momento em que ocorrem é muito importante para avaliar o peso do que falaram Xi Jinping e Barack Obama. Em 24 de outubro deste ano, o Conselho da União Europeia, bloco importantíssimo no tabuleiro das negociações de clima, divulgou algumas metas para 2030: reduzir em 40% as emissões do seu conjunto de países em 2020 em relação às emissões do bloco em 1990, e atingir pelo menos 27% de participação de fontes renováveis em sua matriz energética. Poucas semanas depois, estes dois outros gigantes do cenário climático global, Estados Unidos e China, indicaram seus potenciais compromissos futuros. São três peças-chave do tabuleiro multilateral do clima que se movem em menos de um mês. As demais peças precisam estar atentas e reagir a estes movimentos.

Decisão da 19a Conferência das Partes de Varsóvia recomenda aos países-membro das UNFCCC que informem à Convenção as suas futuras (para o período pós-2020) metas pretendidas, como parte do conjunto de compromissos que virão a assumir (ora chamados de “contribuições nacionalmente determinadas”), no primeiro trimestre do próximo ano. Estados Unidos, China, assim como também a União Europeia colocaram as suas primeiras cartas na mesa, mesmo que ainda não formalmente no âmbito da negociação em curso. Mas não se espera que qualquer país comece a apresentar números que representem o máximo de sua ambição pretendida fora do processo de negociação, em declarações bilaterais ou mesmo antes do prazo final. Mas com duas Conferências das Partes pela frente, 5 meses até o prazo sugerido para os anúncios das metas de redução de emissões pretendidas de todos os países para o pós-2020 e mais de um ano de negociação, os anúncios de agora abrem espaço para aumento da ambição climática e maior clareza sobre as futuras metas. E incentivam outros grandes atores a se mexerem e a começarem a, também, indicar os números que irão colocar na mesa.

Os anúncios conjuntos entre China e Estados Unidos ocorreram poucos dias antes da reunião do G20, realizada durante este último final de semana em Brisbane, na Austrália. Qualquer solução para a crise climática depende do engajamento firme dos países deste grupo, que não só congrega as 20 maiores economias do mundo, responsáveis por 85% do PIB mundial, mas também países responsáveis por cerca de 3/4 das emissões globais de gases de efeito estufa. O Governo Australiano, anfitrião da reunião, tem se destacado por políticas e medidas cada vez menos adequadas à emergência climáticas e não queria trazer o tema para a agenda do evento. Mas o comunicado final do G20 aborda, ainda que de forma pouco objetiva e sem novidades, o tema mudanças climáticas e a necessidade de seu enfrentamento. Ainda que o comunicado final da reunião do G20 em Brisbane não indique nenhuma ambição ou compromisso adicional do seu conjunto de países, o tema foi lembrado, e a mera menção ao assunto indica o impacto do movimento de China e Estados Unidos. Se os dois membros mais fortes deste clube de nações, que é o G20, se mexem em qualquer agenda, aqueles que ainda não o fizeram, entre eles o Brasil (que pretende anunciar suas metas pretendidas somente ao final do primeiro semestre de 2015), não poderão ficar alheios a estes movimentos por muito tempo.

A declaração conjunta foi feita, também, a menos de um mês da próxima Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, a COP20, a ser realizada em Lima, em dezembro. Esta Conferência deverá definir a estrutura e os elementos do novo acordo de clima que será negociado até a COP21, em Paris, no próximo ano. Tal acordo incluirá os compromissos a serem assumidos por todos os países em termos de redução ou limites de suas emissões no período pós-2020.

Avanços e recuos

“Construir consenso entre 194 nações é tarefa das mais difíceis. Agregar a devida ambição climática a decisões por consenso entre quase 200 governos com interesses muito diferentes é um grande desafio.”

As negociações internacionais de clima são frequentemente marcadas por passos lentos e um abismo entre a ambição necessária para a redução global de emissões, conforme recomendação da ciência para limitarmos o aquecimento global em níveis considerados seguros (2°C), e as decisões dos negociadores, em nome de seus governos. Construir consenso entre 194 nações é tarefa das mais difíceis. Agregar a devida ambição climática a decisões por consenso entre quase 200 governos com interesses muito diferentes é um grande desafio. Países desenvolvidos e países em desenvolvimento, em especial as grandes economias, colocam-se, em geral, em lados opostos da mesa de negociação, cobrando, uns dos outros, mais ação e compromissos. China e Estados Unidos são dois dos países de maior estatura na Convenção de Clima da ONU, tanto pelo tamanho de suas economias, como pelo peso de suas emissões. Sua colaboração sobre mudanças climáticas, iniciada formalmente no ano passado, quebra um pouco daquela dicotomia “país rico e grande poluidor x país pobre com direito de poluir”. Embora tenha, sem dúvida, objetivos que vão além daqueles relacionados a clima (comércio, por exemplo), é uma aproximação importantíssima. É necessário que mais compromissos e ambição venham para a mesa. Mas estas cartas preliminares, postas na mesa por Estados Unidos e China, geram um momento de impulso à nova rodada de negociações que se inicia em Lima, no próximo dia 1o de dezembro.

Quanto ao Brasil, em 2009, surpreendemos a muitos quando nosso Governo anunciou suas metas voluntárias de redução de emissões, em momento que não tinha compromisso junto à Convenção de Clima de fazê-lo, na COP15, em Copenhagen, em 2009. Espera-se de nosso governo que volte a ser protagonista neste processo, colocando na mesa negociação um compromisso robusto para redução de suas emissões no período pós-2020. A partir do anúncio oficial das futuras metas, o que se espera aconteça nos primeiros meses de 2015, só haverá uma única métrica adequada para avaliar se o compromisso de um determinado país é suficiente ou não – a do clima, dos 2°C. Análise do Observatório do Clima (http://www.oc.org.br/) sobre qual deve ser a contribuição adequada para o Brasil quanto ao objetivo de limitar o aquecimento global àqueles 2°C, nos leva a um limite de emissões significativamente inferior a 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalentes em 2030, e muito inferior às emissões líquidas atuais (1,2 bilhões de toneladas de CO2equivalentes).

Mudanças climáticas são um desafio ao desenvolvimento de todas as nações. O Brasil já demonstrou ser capaz de reduzir emissões, a partir da redução do desmatamento. Mas, apesar de reduções significativas nas emissões anuais nos últimos 8 anos, ainda estamos longe de termos nossa economia preparada para uma trajetória de baixo carbono. O desmatamento voltou a subir, a participação e os investimentos em fontes fósseis na nossa matriz de energia crescem sistematicamente. E estamos ficando cada vez mais para trás nos investimentos que geram novos empregos, desenvolvimento tecnológico e emissões progressivamente menores em todos os setores de nossa economia. Nosso Governo precisa trazer definitivamente, e de forma estratégica, as mudanças climáticas para seu pensamento e planejamento de longo prazo. Estamos muito longe disso. Mas com todas as condições de fazê-lo. Será essencial para o clima. E amplamente benéfico para a nossa economia.

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