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A usina dos assassinos

A hidrelétrica de Barra Grande ainda não começou a funcionar mas já produziu longa história de crimes. O último envolve a morte de um biólogo e um estudante.

4 de agosto de 2005 · 19 anos atrás
  • José Truda Palazzo, Jr.

    José Truda é jardineiro, escritor, consultor em meio ambiente especializado em conservação marinha e tratados internacionais, e indignado.

Ia escrever, finalmente, algo sobre jardinagem e plantas nativas para essa minha coluna pouco ortodoxa. Mas enquanto escrevo, as notícias estão chegando sobre o último assassinato praticado pela quadrilha de fatos e atos homicidas que pôs em pé a Usina Hidrelétrica de Barra Grande. Mataram um Biólogo, Carlos Peixoto, um estudante de Mestrado, Ângelo Puchalski, e mais duas pessoas num acidente de helicóptero. Morreram porque iam fazer uma vistoria na área de mata nativa a ser estuprada pela usina ilegal, criminosa, irregular, licenciada à base de falcatruas. Eles estavam avaliando a situação de mais uma vítima da safadeza homérica de Barra Grande, uma espécie de bromélia ameaçada de extinção, agora ainda mais ameaçada pelo fim, afogado, de uma das últimas áreas significativas de floresta da região.

Indignação é pouco pra descrever o que assalta alguém que trabalha pela conservação da Natureza há 25 anos aqui no Sul. Primeiro assassinaram a Biologia os que firmaram laudos inverídicos sobre a cobertura florestal da usina; depois, assassinaram as leis os burocratas, concedendo licenças irregulares com base nas fraudes constatadas. Trucidaram a Justiça os senhores desembargadores quando deixaram prosseguir essa bandalha toda, ainda que fartamente provadas as falcatruas e o imenso, irreparável dano ambiental.

Massacraram, então, a floresta, que vai se acabando sob as motosserras da malta empresarial e sob a água. E agora, pela necessidade de se re-checar o dano ambiental provocado, finalmente mataram gente. Finalmente? Ledo engano nosso, que só enxergamos assassinatos quando os cadáveres caem em penca na nossa frente, imediatamente. A monumental vigarice de Barra Grande é genocida; faz parte do que mata as pessoas pela perda lenta e gradual da biodiversidade, do equilíbrio hídrico e climático propiciado pelos ambientes naturais liquidados, das oportunidades de geração de emprego e renda sustentáveis de fato (e não essas mentirinhas amazônicas de mostrar a gringo, que viraram moda no atual reinado).

Assassinos. É o que são. E há que dizê-lo, alto e bom som, ainda que os tribunais não nos escutem, porque os poderes da República só ouvem, atualmente, o que dizem as cuecas recheadas de Barras Grandes. Quem sabe nos ouçam em algum outro lugar, outra época ou outro planeta, quando deste só restar capim, baratas e lâmpadas acesas à noite inteira em repartições corruptas abastecidas por hidrelétricas desnecessárias.

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