Reportagens

Lista dos 25 macacos mais ameaçados do mundo tem três espécies brasileiras

Entre as principais razões para o aumento dos riscos de extinção estão perda de habitat, competição com espécies invasoras e surtos de doenças

Marcos Furtado ·
11 de outubro de 2020 · 4 anos atrás
Uma das 25 espécies mais ameaçadas do mundo é o brasileiro Sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita). Foto: Rodrigo Bramili/PREA

Em um ano marcado pelas fortes queimadas nos biomas nacionais, a lista dos 25 primatas mais ameaçados de extinção do mundo inclui três macacos brasileiros: o sagui-da-serra-escuro, sauim-de-coleira e bugio marrom. Desenvolvido pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) junto com a Sociedade Internacional de Primatologia e a Conservação Internacional, o estudo “Primatas em Perigo” (Primates in Peril, no original) chamou atenção para as causas que contribuem para a redução das espécies de macaco em todo mundo.

Das 25 espécies destacadas pelo estudo, além das três que ocorrem no Brasil, há outras três espécies latino-americanas; 12 do continente africano, sendo cinco delas endêmicas da ilha de Madagascar; e sete que ocorrem em diferentes países da Ásia.

((o))eco destacou os três primatas brasileiros que integram a lista e quais as principais ameaças e pressões sofridas por eles:

Sagui-da-serra-escuro

A fragmentação do habitat, um recente surto de febre amarela e a competição e hibridação com espécies invasoras são os motivos que dizimaram e deixaram em risco de extinção a população do sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita). De acordo com o estudo feito para a produção da lista, atualmente existem apenas cerca de mil animais da espécie.

Após estudarem o primata durante cinco anos na Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, especialistas identificaram a substituição da espécie nativa da região por híbridos, fruto da invasão de outros saguis.

O ameaçado sagui-da-serra-escuro. Foto: Rodrigo Bramili/PREA

Endêmico da Mata Atlântica e exclusivo do Brasil, o sagui-da-serra-escuro também sofre com as invasões nos outros estados em que ocorre, como Minas Gerais e São Paulo. “Na Serra da Cantareira (SP), invasores e híbridos estão presentes tanto no interior quanto nas áreas particulares de entorno do PE [Parque Estadual da] Cantareira, situação que não ocorria há 10 anos no interior da referida unidade de conservação”, aponta um levantamento feito pelo ICMBio.

Como a região sudeste foi a mais afetada pelo surto de febre amarela em 2017 (o maior das últimas cinco décadas), o vírus foi outro agente causador da diminuição da população do sagui.

Na Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, um projeto para conservação do primata e do seu ecossistema resultou na criação do Centro de Conservação dos Saguis-da-Serra. Além de trabalhar com o sagui-da-serra-escuro, o centro será o único do mundo a desenvolver pesquisas para proteger o sagui-da-serra (Callithrix flaviceps), popularmente conhecido como sagui-taquara, que também corre risco de extinção. Com as obras interrompidas por conta da pandemia do novo coronavírus, a iniciativa tem expectativas de terminar a estrutura ainda neste ano para cuidar de dois casais do sagui-da-serra-escuro, que entrou para a lista dos macacos mais ameaçados do mundo.

“Não estamos cuidando de nenhum animal ainda, em função disso, mas devemos receber os dois primeiros casais de aurita [sagui-da-serra-escuro] mês que vem”, conta Fabiano Melo, coordenador do CCSS e professor do departamento de Engenharia Florestal da UFV.

Para dar visibilidade à espécie, estudiosos e pesquisadores que atuam na cidade de Viçosa conseguiram fazer com que o animal se tornasse mascote oficial da cidade e ganhasse uma data, 17 de junho, Dia Municipal do Sagui-da-Serra-Escuro.

Sauim-de-coleira

Conhecido por ter uma faixa branca de pêlos que vai da metade superior do peito até o pescoço, o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) é endêmico da Amazônia brasileira, vivendo principalmente em Manaus, Rio Preto da Eva e Itacoatiara, no estado do Amazonas. Por não se adequar ao meio urbano da capital amazonense, essa espécie sofre graves riscos de extinção. As ameaças vão de atropelamento a ataques de animais domésticos e até acidentes com cabos de energia. Outro ponto de atenção é a captura do primata para o comércio ilegal.


Sauim-de-coleira no zoológico de São Francisco. Foto: Seglea/Wikimedia Commons

Já nas outras cidades, em áreas mais afastadas do convívio humano, o primata sofre com o desmatamento e a competição com o sagui-de-mão amarela (Saguinus midas). Esse conjunto de fatores já causou uma perda estimada de 80% na população do sauim-de-coleira. A Lista Vermelha da IUCN classifica a situação do animal como “Criticamente Em Perigo”. Da mesma forma, o ICMBio incluiu o primata na Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção.

Há ainda uma terceira razão que pode colaborar para a diminuição da espécie: a proliferação de doenças entre a população. De acordo com o estudo, há projetos que investigam a relação da ameaça de extinção do primata com a zika, a dengue e a chikungunya.

Como tentativa de reverter essa situação, o ICMBio criou o Plano de Ação Nacional (PAN) para Conservação do Sauim-de-Coleira. A iniciativa investe na promoção de cuidados com o habitat do animal e na educação ambiental na região metropolitana de Manaus.

Bugio Marrom

Com a importante função de dispersar sementes em seu habitat por ser alimentar de frutas e folhas, o bugio marrom (Alouatta guariba) é o terceiro primata que vive no Brasil na lista dos 25 mais ameaçados de extinção. Endêmica da Mata Atlântica brasileira e argentina, esta espécie vem perdendo o espaço na natureza desde a chegada dos europeus na América do Sul.

A exploração de recursos naturais, como a madeira, a pecuária e o cultivo extensivo de café e açúcar contribuem para a redução de habitat do animal e, consequentemente, para a sua locomoção para espaços urbanos, onde sofrem outros riscos.

Bugio marrom. Foto: Peter Schoen/CC BY-SA 2.0

Embora existam alguns dados locais sobre a população do animal no Brasil, estudiosos e pesquisadores não chegaram a um consenso sobre o número total em todo o território nacional. O estudo estima que a situação seja ainda pior na Argentina, onde alguns grupos da espécie têm apenas de 20 a 50 indivíduos.

Além disso, assim como o sagui-da-serra-escuro, são altamente vulneráveis a febre amarela. Os dois últimos surtos, em 2009 e 2017, afetaram fortemente as populações de bugio marrom. Somado a isso, a desinformação levou pessoas a matarem ou ferirem o primata com a falsa crença de que poderiam ser contaminados em contato com o animal.  Não é a primeira aparição do bugio-marrom na lista dos primatas mais ameaçados. A espécie também integrou a lista válida entre 2012 e 2014.

Confira aqui o relatório na íntegra.

 

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    Escreveu para ((o))eco, Estadão, Folha de SP, Colabora. Ganhou o Prêmio Santander Jovem Jornalista e teve o 3º lugar em concurso do ICFJ

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Comentários 4

  1. vicente alencar da silva diz:

    Bom dia vimos recentemente um animal macaco diferente dos demais da Região ele está próximo de uma família de bugios gostaria de lhe enviar uma foto para identificação


  2. Paulo diz:

    Corrigindo.
    A foto do "bugio marrom" é de outra espécie. Fêmea de A. caraya.


    1. Duda Menegassi diz:

      Corrigido, foto alterada. Obrigado pelo toque