Reportagens

Barreira verde

O governo planeja criar mais dois parques no sul da Amazônia para conter a grilagem e quer implantar modêlo de exploração sustentável em Novo Progresso, no Pará.

Manoel Francisco Brito ·
25 de fevereiro de 2005 · 19 anos atrás

A criação de um mosaico de Unidades de Conservação de 5 milhões de hectares na Terra do Meio, no Pará, foi apenas o primeiro passo de um plano ambiental ambicioso que o governo federal tem para a Amazônia. Esta semana, virá finalmente a público o detalhamento do Projeto de Desenvolvimento Sustentável para a zona de influência da BR-163. Setenta por cento da área à oeste da estrada, que foi interditada por seis meses pelo governo federal, será demarcada com unidades de uso sustentável, provavelmente Florestas, que poderão ser economicamente exploradas em regime de concessão. Só não se decidiu ainda se estas unidades serão estaduais ou federais. Há também a intenção de ampliar a Floresta Nacional de Altamira. E na região do município de Novo Progresso, bem na margem da estrada e principal palco de distúrbios com madeireiros e pecuaristas em janeiro, estuda-se a implantação de um conjunto de medidas para transformá-la em modelo de uso sustentável dos recursos naturais que estão fora de áreas de conservação.

Na Terra do Meio, onde a prioridade é a preservação integral da natureza, serão criadas 5 reservas extrativistas. Elas estavam no plano original do governo, mas ficaram excluídas do anúncio feito em fevereiro porque ainda não tinham demarcação definitiva. “Se você olhar o conjunto como um todo, e incluir o mosaico implantado pelo governo do Amazonas em dezembro, verá que a idéia é pegar toda a fronteira sul da Amazônia, do Pará até Rondônia, e levantar uma barreira para conter a grilagem e o desmatamento”, diz Tasso Azevedo, diretor do Programa Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Só fica aberto um “buraco” para uma eventual penetração na área que vai do rio Jamanxim, na margem esquerda da BR-163 até o Parque Indígena do Xingú, no Mato Grosso. Mas breve, tudo indica que ele também estará selado. O governo estuda criar ali dois Parques Nacionais.

Boa parte desses planos vinha sendo desenhada desde o ano passado pela área ambiental do governo em Brasília. A criação do mosaico na Terra do Meio e de uma zona de exclusão no Oeste do Pará ia ser anunciada no dia 21 de fevereiro em Brasília, numa espécie de grande festa para a qual seriam convidados todos os governadores de estado da Região Norte. Mas o assassinato da freira Dorothy Stang no sábado, dia 12 de fevereiro, azedou a idéia da comemoração e, por pressão da ministra Marina Silva, o governo decidiu adiantar o anúncio. Ele aconteceria no dia 18. Mas foi antecipado em um dia, porque vazou a informação, publicada em primeira mão aqui em O Eco, que dentro do mosaico da Terra do Meio iria ser criada uma Estação Ecológica, uma das categorias mais restritivas de unidades de preservação integral.

A notícia de criação da Estação Ecológica teve um impacto político imediato no Pará. Como conta Azevedo, ela abateu as resistências que ainda eram fortes no estado contra os planos do governador Simão Jatene de ver aprovado projeto de lei do Executivo com o novo macrozoneamento (mapa), que reserva mais de 60% do território paraense à preservação ambiental e ordena a ocupação fundiária no estado. Jatene tinha planos de vê-lo votado e aprovado ainda antes do fim do ano passado, mas diante de obstáculos políticos, recuou. Com o anúncio do governo federal, ele pisou novamente no acelerador e colocou o projeto na Assembléia em regime de urgência. Não há quem diga, mesmo na oposição, que ele não vai passar.

O presidente Lula e os ministros Antonio Palocci, da Fazenda, e José Dirceu, da Casa Civil, tomaram conhecimento do plano geral do Ministério do Meio Ambiente para a Terra do Meio e para a zona da BR-163 na quinta-feira, 3 de fevereiro, numa reunião no Planalto em que estavam técnicos do MMA e a própria Marina Silva. Lula, Dirceu e Palocci detiveram-se mais nos aspectos políticos, debatendo se o projeto de lei sobre a Gestão de Florestas Públicas e a criação do Serviço Florestal Brasileiro, que regulamenta a concessão de licenças para a exploração em regime de manejo florestal, deveria ser implantado por Medida Provisória ou enviado ao Congresso em regime de urgência. Decidiu-se pela segunda opção para não melindrar os parlamentares, àquela altura em ato de franca rebeldia contra a indicação pelo governo do deputado Luiz Eduardo Greenhalg para presidir a Câmara dos Deputados.

Na nos 8,2 milhões de hectares interditados na área da BR-163, apesar dos estudos para criar duas Unidade de Conservação de Proteção Integral no sul do Pará e Noroeste do Mato Grosso, a prioridade é a implantação de unidades de uso sustentável. É quase certo que sejam Florestas e que cubram pelo menos 70% da zona de exclusão, ou área de interdição no jargão técnico. “Não se sabe ainda se serão unidades federais ou estaduais. Belém e Brasília estão alinhados, portanto a questão da jurisdição não é tão fundamental”, conta Azevedo. Nos outros 30% do terreno que foi interdidato, ainda se discute como exatamente ele será demarcado. “Pode ser que se demarque aí algumas unidades de preservação integral. Mas isso ainda está em debate e depende de trabalho adicional no campo”, diz, chamando a atenção para o fato que a zona de exclusão não chega a encostar na BR-163. Pára, justamente, na margem do Jamanxin. Foi de propósito.

“Aquela zona entre o rio e a estrada está bastante desmatada”, diz. “Portanto, ali serão liberadas atividades de uso intensivo como a pecuária”. Nesta primeira faixa ao longo da BR-163, o governo quer assentar agricultores em propriedades de 20 a 30 hectares que poderão ser cultivadas integralmente, mas respeitando-se as áreas de preservação permanente, em especial ao longo dos cursos d’água. A reserva legal coletiva será garantida por área conservada na zona de interdiçnao . A faixa seguinte, já transpondo o Jamanxin e onde ainda existe mato, será dedicada à prática do extrativismo. A 3ª faixa será entregue a operações de manejo de pequena escala. A 4ª estará aberta a planos de manejo de média escala. A 5ª, mais à Oeste e melhor preservada, ficará reservada para operações de manejo de grande porte.

Na região de Novo Progresso, Azevedo conta que o governo pretende seguir com certa calma, pois a intenção é fazer ali um modelo de gestão de recursos naturais que possa ser replicado depois em outras áreas públicas na Amazônia que estão fora de Unidades de Conservação. “Cerca de 45% das florestas públicas brasileiras estão fora de áreas protegidas”, diz. “Mas isso não significa que elas devem ser deixadas de lado. Ao contrário. Também precisam de um modelo de desenvolvimento sustentável”. A área ambiental do governo está, por isso mesmo, coordenando um grupo de trabalho do qual fazem parte os Ministérios do Desenvolvimento e o de Minas e Energia.

O primeiro tem a responsabilidade de desenhar um projeto para implantar uma cadeia de produção da indústria madeireira em Novo Progresso. “Se não fizermos isto, a atividade econômica no município ficará restrita à extração da madeira, com baixo valor agregado o que não é bom”, diz Azevedo. Os técnicos de Minas e Energia têm a missão de fazer os estudos de viabilidade de uma usina de geração de energia à base de biomassa, constituída pelos rejeitos da indústria local de madeira e de extrativismo. “Os cálculos iniciais indicam que os resíduos de uma área de 1 milhão de hectares podem tranquilamente abastecer toda a região que vai do Norte do Mato Grosso até o entroncamento da BR-163 com a Transamazônica, no Pará”, diz Azevedo, lembrando que todos esses planos para aquela área só ficarão de pé mesmo se o projeto de lei sobre Gestão de Florestas Públicas for aprovado no Congresso. Se não for, pelo menos na área da BR-163, o governo corre o risco de enfrentar um retrocesso.

O projeto de lei não afeta a criação das Unidades de Conservação. “Mas se ele não passar no Congresso, a capacidade de gerir principalmente essas áreas de uso sustentável fica comprometida”, explica Azevedo. O projeto do governo não cria apenas regras de exploração. Ele dita as regras que permitirão que essas áreas sejam geridas como unidades de negócio, prevendo não só a sua exploração, mas mecanismos para financiar essa operação pelo lado do governo e investimentos contínuos na floresta. A idéia é aplicar ao meio ambiente mecanismo que até agora deu razoávelmente certo na área de telefonia, na qual os donos de concessão pagam uma taxa que ao mesmo tempo sustenta o órgão regulador, a Anatel, e gera recursos que podem ser investidos em áreas específicas do sistema de comunicação do país.

Pelo menos agora na partida, Azevedo diz que não há motivos para se preocupar com a falta de recursos para começar a implantar as novidades na região da BR-163 e na Terra do Meio. As necessidades iniciais para a implantação das Unidades de Preservação Integral e as Reservas Extrativistas serão financiada pelo programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), que capta recursos de doadores privados em troca de contra-partida financeira do goverfno federal. “O ARPA nos garante a capacidade de fazer esta estruturação preliminar”, afirma ele, adiantando que ainda esta semana o programa vai anunciar que está entregando 4 milhões de reais para bancar ações nas três áreas de preservação – entre elas o Parque do Tumucumaque, o maior do Brasil – que existem no Amapá. Quanto ao projeto de lei, apesar de reconhecer que existem resistências, Tasso promete que o governo está comprometido o suficiente para fazê-lo andar no Congresso. “Se isto não acontecer até 7 de abril, ele começará a travar a pauta”, diz.

Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) está entusiasmado com as notícias que vem saindo de Brasília e de Belém nas duas últimas semanas. “Desde o fim dos anos 80 a Amazônia não parecia estar na agenda do país. E vale lembrar que há muito não se tinha um plano tão ambicioso do ponto de vista ambiental e de ordenamento fundiário para a região”, diz. “Agora é preciso que se tenha persistência política para continuar a levar tudo isso adiante”. De fato, o governo, que parecia paralisado na área ambiental, mostrou a cara e pensou grande. Mas deu apenas o primeiro passo. No fundo, como diz Veríssimo, ele mesmo se colocou um desafio de imensas proporções. Tomara que saia vencedor.

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