Reportagens

Guia do Labirinto

Os turistas que visitam o Jardim Botânico do Rio dependem da sorte para conhecer um pé de Jacarandá e outras espécies brasileiras. Falta um mapa detalhado.

Carolina Elia ·
1 de outubro de 2004 · 20 anos atrás

Um pé na Mata Atlântica, um olho na Amazônia e um cheiro de estrela do Cerrado. Quem passeia pelas aléias do Jardim Botânico do Rio se perde entre tantas espécies e fica desnorteado ao ver um pé de Jacarandá brasileiro ao lado de um Chorão chinês.

Lá é assim, o jardim japonês é protegido por Andirobas e galhos de árvores africanas se entrecruzam no ar com folhas de Jequitibá. Uma pajelança vegetal que deixa os visitantes fascinados, mas perdidos. Na Semana da Árvore, o parque deu de presente aos que passaram por ali roteiros para encontrar espécies da Amazônia, da Mata Atlântica e até das árvores mais exploradas pelas madeireiras. Uma idéia ótima, que durou pouco.

Na semana seguinte, os folhetos já tinham acabado e não havia planos de se produzirem mais. “Foi só para as comemorações do Dia da Árvore”, explicou o segurança da portaria. Uma pena. Com esses guias, turistas aprenderiam a procurar exemplares de Jatobá e Ipê-Amarelo espalhados pelo arboreto, que é antes de mais nada um laboratório a céu aberto de um instituto de pesquisas quase bicentenário. Sem eles, pode ter a impressão de que esteve simplesmente num parque público.

Agora, quando chega ao Jardim Botânico, o turista só pode recorrer a um mapa, bastante incompleto, vendido a 1 real no centro de visitantes. O guia oficial é bonito, contém fotos e informação sobre como chegar em vários pontos do Jardim, mas não indica como encontrar as espécies da nossa flora. Ensina o caminho do Orquidário, do Bromeliário, do Bosque do Pau-Brasil e da Região Amazônica. Ou seja, os caminhos mais batidos pelos visitantes. E é só. Não revela o mapa da mina. Não dá dicas, por exemplo, de como achar um pé de Cacau, de Açaí(foto) ou uma Seringueira na área dedicada à Amazônia. Um mimo que a própria direção do parque provou ser fácil de oferecer.

Um dos guias distribuídos na Semana da Árvore chamava-se “Os caminhos da Flora Amazônica no Jardim Botânico” e continha pistas para encontrar espécies da região. A sugestão era começar pelos Abricó-de-Macaco que compõem a Aléia Custódio Serrão. Uma árvore curiosa, com frutos redondos, pouco menores do que uma bola de futebol, e flores cor-de-rosa que nascem do tronco. Seguindo o mapa, o turista também esbarraria com uma enorme Sumaúma, antes de caminhar em direção a um corredor de Andirobas. Não muito longe dali, ele entraria na tal Região Amazônica, onde a vegetação é mais densa e os raios de sol dificilmente chegam ao chão. Nesta época do ano, ao procurar os exemplares de Castanha-do-Pará e Cacau, o turista seria surpreendido por um perfume seco que parece sair de dentro das árvores, mas vem do alto, da copa da Estrela do Cerrado. Uma espécie imponente que, no topo, se esparrama em uma constelação de flores amarelas e pontiagudas.

Com o guia “Em busca das árvores das Mata Atlântica”, um recém-chegado não passaria distraído pela Sapucaia plantada bem perto do centro de visitantes. Ela tem um tronco cinza, enervado, e sustenta, a metros de distância do chão, sementes gigantes que lembram um chapéu de coco. Seu Bento, um jardineiro do parque, conta que, em certas épocas do ano, as corujas e os macacos tentam abri-las atrás de um tipo de favo. Às vezes o fruto escapa, cai no chão e quem ri por último é o jardineiro, que se delicia com o fruto doce que tem cor de chocolate. Uma estranha falha no folheto sobre a Mata Atlântica, e no guia oficial do Jardim, é a ausência de qualquer menção ao canto do parque onde se concentram exemplares desse ecossistema. Lá, perto da cascata, é possível ter um feliz encontro com um Cedro-rosa ou com um incrível Jequitibá. O tronco deste último é tão largo que precisaria de pelo menos oito pessoas para abraçá-lo. Suas raízes também se alastram pelo chão, rompem o caminho de pedra e continuam no jardim vizinho. O engraçado é que todo este exagero culmina em folhas minúsculas, delicadas, que se tornam pontos verdes no céu quando observadas do chão.

Irônico é descobrir que a página do Jardim Botânico na internet oferece uma visita virtual completa. O turista fica mais bem informado se decidir conhecer o parque pelo site em vez de ir até lá. Ele tem acesso a um mapa repleto de números que representam um local ou uma espécie plantada no jardim. Quem clicar em 54, por exemplo, verá a foto de uma Sumaúma(foto), ou pelo menos da raiz dela, que pode chegar a 5 metros de altura. Essa árvore é característica das áreas inundáveis da Amazônia e seus frutos têm uma fibra sedosa usada na fabricação de colchões. Todas essas curiosidades estão no texto que acompanha a foto.

O Jardim Botânico do Rio é um labirinto. Sem um guia, é fácil não ver nada além de verde, entrar e sair sem aprender nada sobre as espécies brasileiras. Os folhetos distribuídos na Semana da Árvore eram simples, uma folha A4 colorida com impressão preto-e-branco. Se eles se tornassem permanentes, mesmo que precisassem ser vendidos, enriqueceriam a visita dos que decidem conhecer melhor o parque e evitariam que uma boa idéia passasse sem dar semente. Afinal, é triste ter que recorrer ao mundo virtual para admirar o que poderia ter sido visto ao vivogUIA

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