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Código Florestal é insuficiente para proteger biodiversidade do Cerrado

Estudo aponta que se a lei for aplicada, desmatamento poderá causar perdas na biodiversidade e serviços ecossistêmicos que não poderão ser compensados pela restauração florestal

Vandré Fonseca ·
25 de janeiro de 2018 · 6 anos atrás
O cerrado protegido do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Fora de UCs, o bioma pode ser perder 39 milhões de hectares. Tudo dentro da lei. Foto: Mauricio Mercadante/Wikiparques.

Aplicação do Código Florestal permite que 39 milhões de hectares de vegetação nativa no norte do Cerrado sejam desmatados, causando perdas significativas para a biodiversidade. A conclusão está em um estudo que avaliou os impactos da lei sobre a preservação de espécies ameaçadas na região e serviços ecossistêmicos.

Segundo o texto, publicado em dezembro no jornal científico Diversity and Distributions, nem a possibilidade de restauração de áreas onde o desmatamento é maior do que o permitido iria compensar essa devastação. O estudo afirma que 26% do bioma está em débito com a legislação, o que representa uma área a ser restaurada de 4,7 milhões de hectares.

“Ele (o Código Florestal) não vai resolver os problemas que se propõe, resolver o problema da perda de biodiversidade, da cobertura vegetal, dos recursos hídricos”, afirma o biólogo Rafael Loyola, um dos autores do artigo. “Se o Código Florestal for cumprido ipsis litteris, quem desmatou vai compensar, mas quem tem área sobrando vai desmatar”, complementa.

Conforme o artigo, mais da metade (51,6%) das propriedades privadas podem perder pelo menos uma espécie ameaçada, caso sigam as regras previstas no código. Em muitos casos (374 propriedades), o número de espécies perdidas passa de 220. Loyola defende que sejam tomadas medidas para evitar o desmatamento mesmo onde a lei permite.

Segundo o pesquisador, o Cerrado contava com aproximadamente 48% de sua cobertura vegetal original em 2013, mas o Código Florestal permite que quase 90% do que ainda existe de vegetação nativa no bioma seja destruída.

“Segundo o pesquisador, o Cerrado contava com aproximadamente 48% de sua cobertura vegetal original em 2013, mas o Código Florestal permite que quase 90% do que ainda existe de vegetação nativa no bioma seja destruída”.

O artigo aponta que 73% das nascentes intermitentes no Cerrado estão em propriedades que podem ser desmatadas. “As nascentes e rios intermitentes fornecem serviços ecossistêmicos e apóiam uma biota diversa, quase como qualquer outro corpo de água, no entanto são negligenciados pela sociedade e têm atraído menos atenção do que os rios perenes”, cita o estudo, destacando que o bioma contribui para 43% de toda a água doce fora da Amazônia.

Para ele, a possibilidade de restauração de áreas já degradadas não seria suficiente para evitar a perda de biodiversidade na região. Um dos motivos é a dificuldade de recuperar áreas de cerrado. E mesmo que essas áreas sejam reflorestadas, para Loyola, manter o que ainda existe é um caminho melhor do que a restauração.

“A restauração é uma solução possível e desejada, que está sendo bancada pelo governo, mas se comparada com não desmatar, é muito fraca”, afirma. Ele lembra que a restauração leva tempo, às vezes décadas, para ocorrer. É preciso também criar maneiras de garantir que a restauração ocorra em ambientes equivalentes ao modificado. “O cerrado de São Paulo, não é igual ao de Minas Gerais e não é igual ao do Maranhão”.

Loyola destaca que até agora os trabalhos sobre os impactos do Código Florestal têm se voltado para a cobertura vegetal. Segundo os autores, o artigo é “a primeira avaliação das perdas e ganhos prováveis de biodiversidade e serviços ecossistêmicos caso o Código Florestal seja corretamente aplicado ao longo dos 200 milhões de hectares do Cerrado.”

 

Saiba Mais

Artigo: Compliance to Brazil’s Forest Code will not protect biodiversity and ecosystem services. Diversity and Distributions.

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Comentários 1

  1. Cleveland M. Jones diz:

    Havia postado no Facebook, em relação a outro absurdo (http://www.oeco.org.br/colunas/colunistas-convidados/das-araucarias-a-amazonia-os-insaciaveis-desmatadores-sulistas/), mas cabe aqui, pois evidentemente o Código Florestal é lei morta, e mesmo se não fosse, é ineficaz e tímido, ante a enorme necessidade de proteção de nossos biomas ameaçados.

    Em 26-jan-2018:

    Raiva, tristeza, vergonha, indignação?

    Sofremos de um processo insidioso, que já acabou com boa parte de nosso patrimônio nacional (florestas, biodiversidade, espécies de diversos animais, áreas protegidas, etc.). Patrimônio que é propriedade de todos os brasileiros, mas alguns poucos se apropriaram e continuam se apropriando dele, em benefício próprio. Esses criminosos, que praticam crimes de lesa pátria, decimaram inúmeras espécies nativas, destruíram importantes biomas, e devastaram áreas de grande importância ambiental, pela extração gananciosa e irresponsável. Entretanto, vale lembrar que tudo isso foi permitido pela total omissão e inépcia do poder público. Na maioria dos casos, não por omissão ou inépcia dos corajosos e dedicados membros das equipes de fiscalização do IBAMA e dos demais órgãos ambientais estaduais e municipais, que frequentemente são eles mesmos perseguidos e ameaçados. A pior omissão, e a mais difícil de combater, é aquela institucionalizada por conta de nosso arcabouço legal, herança maldita que encontrou no Brasil uma forma de legalizar o crime dos poderosos, amparados em facilidades legais, e que dificulta enormemente inibir ou punir, muito mais condenar e colocar na prisão, os que praticam crimes ambientais. A Lei 9605 de 1998 é uma lei morta, inútil; como tantas outras no Brasil, uma lei que não pegou. Muitos dos legisladores atuais, políticos inescrupulosos a serviço dos que praticam crimes ambientais, bem que buscam desmontar o pouco que sobra das proteções legais ao nosso patrimônio ambiental, e ninguém sequer fala em mudar a benevolência com que são tratados os criminosos que dilapidam florestas, grilam terras, destroem biomas, e praticam toda sorte de crimes ambientais. Até que passemos a tratar os que praticam crimes ambientais como criminosos, não há esperança para proteger nosso patrimônio público daqueles que insistem, na certeza da impunidade, em tirar vantagem de sua destruição. Para os militantes da causa ambiental, dói ver que a proteção ambiental e a responsabilização criminal dos que praticam crimes ambientais comandam pouca atenção e preocupação popular. A população já está cansada de ver tantos outros malfeitos ficarem escancaradamente impunes – é natural que perca esperança em um Brasil melhor, onde sua riqueza ambiental será reconhecida e protegida, e aqueles que ousem ameaçar esse patrimônio serão impedidos e punidos. Mas não podemos nos acabrunhar! Enquanto qualquer um dos sentimentos acima aflorar bem forte, com cada crime ambiental, com cada caso de impunidade, ainda há esperança, sim!