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Floresta Estadual do Amapá corre o risco de acabar

Grupo político ligado a empresas madeireiras e a produção de soja quer derrubar o decreto de criação desta UC que ocupa 17% do estado.

Daniele Bragança ·
20 de junho de 2013 · 11 anos atrás
Deputado Eider Pena (PSD) comanda audiência pública para discutir a situação da Floresta Estadual do Amapá. Foto: divulgação.
Deputado Eider Pena (PSD) comanda audiência pública para discutir a situação da Floresta Estadual do Amapá. Foto: divulgação.

No dia 6 de junho, um grupo de deputados da assembleia legislativa estadual do Amapá, liderados por Eider Pena (PSD), convocou uma audiência pública para tentar revogar a Floresta Estadual do Amapá. O atual governador, Camilo Capiberibe (PSB), se opõe fortemente a esse movimento. O motivo da disputa remonta à história da criação do estado.

Em 1988, com a promulgação da nova Constituição, o Amapá deixou de ser território e se tornou um estado. Mudar esse status foi a parte fácil, difícil foi gerenciar a transferência do controle das terras do governo federal para o novo ente da federação. Até hoje, o Amapá é um grande caos fundiário.

Em 2004, Lula deu a sua contribuição para resolver o problema. Entregou 23,6 mil quilômetros quadrados de terra federal, 16,6% de toda a área do Amapá, desde que, em contrapartida, este a transformasse em uma área protegida. O resultado da barganha foi que essas terras passaram a formar a Floresta Estadual (Flota) do Amapá.

Na época, o acordo recebeu amplo apoio político. Mas as coisas mudaram. Agora, políticos que apoiaram a criação da Flota querem acesso ao seu estoque de madeira e a mais terras para exploração de soja.

Por trás desse ímpeto está a crescente dificuldade dos madeireiros locais em obterem madeira de terras já exauridas e a criação de um novo porto, em Santana, localizada a 30 quilômetros da capital, Macapá. “O porto de Santana tem um maior calado, onde pode ser feito a transposição de barcos menores para navios de maior calado. Com a reforma do canal de Panamá, esses navios farão o translado para a China e o mercado oriental por um preço no mínimo 30% mais barato do que se fosse exportado pelo porto de Santos ou pelo porto do Maranhão”, explica Ana Euler, diretora-presidente do Instituto Estadual de Florestas do Amapá, responsável pela gestão das Unidades de Conservação estaduais.

Até hoje, o grosso da exploração de madeira foi feita nos assentamentos agrícolas. As empresas madeireiras compram a madeira dos pequenos produtores rurais.

Até hoje, o grosso da exploração de madeira foi feita nos assentamentos agrícolas. As empresas madeireiras compram a madeira dos pequenos produtores rurais. Em geral, em cada contrato, os madeireiros entram na terra do produtor e retiram de uma só vez toda a madeira de lei. O negócio costuma ser bom para as grandes madeireiras que pagam preços abaixo de outros mercados. A ilegalidade também reina.

De acordo com Euler, 100% da retirada de madeira no Amapá é feita através de transações e contratos ilegais. Mas a madeira disponível nos assentamentos está escasseando e a Flota do Amapá, onde ela ainda existe em abundância, se torna cada vez mais atraente. Euler diz que se as empresas madeireiras quiserem explorar madeira da Flota terão que fazer contratos com o governo estadual e “os custos operacionais deles vão aumentar”.

A Floresta Estadual do Amapá é uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, com autorização de uso de recursos naturais, como exploração mineral dentro de seu território. Até 2011, pouco se ouviu falar dela, mesmo ocupando uma área que é próxima de um quinto do estado. A razão é simples: é uma UC de papel, que o governo local não se mexeu para implementar.

Mapa da Flota Amapá com pedidos de prospecção minerária. Utilize menu à esquerda para acionar camadas.

“Eu nunca tinha ouvido falar em Flota. Nunca. Porque de 2006 até 2011, isso não foi divulgado na base, entre os trabalhadores rurais, e a Flota foi criada por deputados”, diz Francisca Eunice Silva, presidente da Federação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Amapá, que representa agricultores familiares.

Nas últimas eleições, o governo mudou. A administração de Camilo Capiberibe (PSB), atual governador, começou a se mexer para transformar a Flota em realidade, a começar pelos levantamentos necessários para criar o seu plano de manejo.

Guerra de informações

Segundo Francisca Eunice, o governo trabalha para regularizar o uso da terra de comunidades e pequenas propriedades rurais que já existiam na área da Floresta Estadual do Amapá, antes da criação da área protegida. “Os ruralistas dizem que a Flota é para tomar a terra do trabalhador, que o governo quer pagar uma bolsa de 300 reais e tomar a terra do trabalhador rural, e a história não é bem essa!” explica Francisca.

O boato de que o governo iria tomar as terras se espalhou quando o novo governo começou a negar títulos de posse precários, alguns com mais de 10 mil hectares, dentro da Flota.

O boato de que o governo iria tomar as terras se espalhou quando o novo governo começou a negar títulos de posse precários, alguns com mais de 10 mil hectares, dentro da Flota. O que para o governo se tratava de grilagem, para os ruralistas foi combustível para criar pânico entre os pequenos agricultores. “Na audiência, meteram o pau no governo e usaram os trabalhadores rurais para dizer que os produtores rurais são contra o governo.” disse Eunice.

Eunice conversou por telefone com a reportagem de ((o))eco. Sua principal queixa é sobre como os políticos contra a Flota estariam usando falsas informações para dividir os trabalhadores da agricultura familiar. “Infelizmente nós não temos recursos e eles [os ruralistas] se aproveitam da nossa fragilidade”, diz.

A Federação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Amapá está se movimentando para explicar para explicar a seus filiados, nos 16 municípios que estão dentro ou parcialmente dentro da Flota, o que significa o seu fim.

Movimentos sociais se posicionam em favor da Flota

Movimentos sociais, como o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) e Conselho Consultivo do Mosaico de Áreas Protegidas do Oeste do Amapá e Norte do Pará também se posicionaram contra o desmonte da Floresta Estadual do Amapá. “Repudiamos as tentativas de revogação desta FLOTA, acreditando na importância da floresta, no desenvolvimento de sistemas produtivos sustentáveis e no bem estar da população que vive na área e no seu entorno e depende da floresta”, afirmou a nota do conselho consultivo.

A pressão dos movimentos sociais parece ter funcionado. O presidente da Assembleia Legislativa, Júnior Favacho (PMDB), garantiu ao governador Camilo Capiberibe (PSB) que a Assembleia não quer revogar o decreto de criação da Floresta Estadual do Amapá e deseja dialogar com o governo para resolver as questões fundiárias referentes às pessoas que vivem dentro da Unidade de  Conservação.

O movimento em prol da revisão da Flota perdeu força. Até o momento, não foi apresentado nenhum projeto de lei para revogar a Unidade de Conservação, como havia ameaçado o deputado Eider Pena na audiência pública.

A audiência reuniu lideranças locais importantes, como ex-diretor do Instituto de Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Amapá, Antonio Feijão, lideranças sindicais, políticos, além do apoio da Câmara Municipal de Macapá, e dos prefeitos de Oiapoque, Laranjal de Jari, Tartarugalzinho e Ferreiro Gomes. 

Para obter o depoimento de Pena, ((o))eco tentou contato com ele durante duas semanas, porém, sem sucesso.

  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

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