Reportagens

“Agora a gente precisa ganhar escala”

Organizador do Livro Vermelho da Flora Brasileira, Gustavo Martinelli fala sobre extinção e metas assumidas pelo Brasil nesta entrevista concedida a ((o))eco.

Maurício Thuswohl ·
6 de dezembro de 2013 · 10 anos atrás
Gustavo Martinelli apresenta os resultados do Livro Vermelho da Flona Brasileira. Foto: Eduardo Pegurier
Gustavo Martinelli apresenta os resultados do Livro Vermelho da Flona Brasileira. Foto: Eduardo Pegurier

Coordenador do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora) e organizador do Livro Vermelho da Flora Brasileira, o pesquisador Gustavo Martinelli, bem-humorado, afirma ter tirado “uns 30 quilos da mochila” após o lançamento da obra científica que servirá para atualizar a Lista Oficial de Espécies Ameaçadas no Brasil. A sensação de dever cumprido, no entanto, é acompanhada pela ansiedade de ver logo concluído o compromisso, assumido voluntariamente pelo Brasil junto a ONU, de elaborar uma lista completa das espécies ameaçadas na flora brasileira. O prazo final é 2020. Martinelli avisa que é preciso “uma capacidade de recursos e de estrutura bem maior que a atual” para que a meta seja de fato alcançada. O mais importante para o cientista, no entanto, é que se adotem rápido políticas públicas para que as espécies brasileiras ameaçadas se tornem alvo de ações de conservação e possam ser retiradas da lista.

Leia a seguir a íntegra da conversa com o coordenador do Livro Vermelho:

O que o Livro Vermelho da Flora Brasileira acrescenta ao conhecimento científico do Brasil acerca de suas espécies ameaçadas de extinção?

Esse estudo traz coisas bem interessantes e inovadoras para o cenário brasileiro, que servirão de parâmetro para as pesquisas daqui pra frente. Uma delas é que as indicações de espécies ameaçadas hoje são baseadas e avaliadas em cima de critérios e categorias internacionais extremamente rígidos e que são usados por diversos países. Trazem informações baseadas em documentação adequada, comprovadas e garantidas pela validação científica, já que o trabalho foi feito por mais de 200 especialistas e autoridades nos diversos grupos de plantas. Quer dizer, o Livro Vermelho dá ao governo uma indicação baseada em ciência e documentação adequada. Isso aumenta a credibilidade da pesquisa e fortalece a lista de espécies ameaçadas. Nas listas anteriores, muitas indicações não tinham rigor científico, tanto que verificamos que espécies que constavam em listas como ameaçadas na verdade não estão ameaçadas. Desta vez, o país adotou um sistema que é usado internacionalmente e que é considerado um dos indicadores para monitorar as ações de conservação da biodiversidade levadas a cabo pelos países. Um diferencial desse sistema é ser validado por cientistas, tem toda uma organização das informações e do mapeamento das espécies. Então, é um passo importante para o país evoluir na definição de quais são suas espécies ameaçadas.

Um dos objetivos anunciados do Livro Vermelho é municiar os tomadores de decisão no país com informações científicas para que possam estabelecer prioridades de ação para a conservação das plantas. Quais as conclusões tiradas após esse trabalho de mapeamento? Quais caminhos apontados para deter a devastação?

Não se deve esquecer que esse livro, na verdade, é uma contribuição da Academia. A partir de agora, o Ministério do Meio Ambiente tem, entre suas atribuições, levar essas informações ali reunidas a órgãos e comissões como, por exemplo, a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) para torná-las um instrumento de política para a Lista Oficial de Espécies Ameaçadas. São duas coisas diferentes. O Livro Vermelho indica quais espécies estão consideradas biologicamente e cientificamente ameaçadas. E a outra é uma lista oficial, um instrumento normativo e com poder legal. Essa diferença é muito comum e acontece em muitos países, já que existem espécies que, mesmo ameaçadas, não podem ser incluídas nas listas oficiais por uma série de motivos. São vários filtros: sociais, econômicos, políticos e até de segurança. É competência do Ministério do Meio Ambiente levar isso adiante. Mas a priori nós acreditamos que o governo irá adotar quase na íntegra as indicações desse Livro Vermelho.
 
A Lista Oficial de Espécies Ameaçadas em vigor no Brasil, com apenas 470 espécies, é subestimada?

Essa é a lista oficial vigente. Essa lista deve ser atualizada entre 4 e 5 anos. Ela foi publicada em 2008, e agora em 2013 nós lançamos esse Livro Vermelho como uma reavaliação de tudo aquilo que já tinha sido considerado ameaçado em listas estaduais e na lista oficial nacional. Juntamos tudo isso e reavaliamos sob à luz de todos esses critérios que citei anteriormente. Então, é claro que esse número aumentou. Estamos indicando 2.118 espécies como ameaçadas, o que, na verdade, é menos do que 5% da flora do Brasil. Não é um número surpreendente para um país que detém entre 15% e 18% de toda a flora do mundo.

O Livro Vermelho traz a análise de pouco mais de 4 mil plantas em um universo estimado em 40 mil. Não é pouco? Qual a expectativa para o desenvolvimento do trabalho até 2020?

As outras espécies ainda não foram avaliadas. Essa é a primeira grande avaliação que nós fizemos, e agora vamos continuar avaliando. A meta é que a gente avalie a flora do Brasil inteiro até 2020 para cumprir o compromisso internacional assumido pelo Brasil.

Até 2020 será possível ter um quadro preciso para compor a Lista Oficial de Espécies Ameaçadas? Existe um cronograma de trabalho até lá?

Nós dependemos dos meios e dos recursos. Então, na verdade, nós precisamos ter uma capacidade de recursos e de estrutura bem maior que a atual para ganhar a escala que a gente precisa. O Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora) é uma iniciativa nova, foi criado em 2008 e entrou em operação em 2009. Nesses anos, a gente conseguiu estruturar e construir uma rede de especialistas e de cientistas para avaliar essas quase cinco mil espécies. Acho que agora a gente precisa ganhar escala. O mais importante não é nem avaliar o risco de extinção. Temos um desafio, talvez o maior de todos, que é saber como vamos fazer para retirar essas espécies da lista. Isso envolve não só o compromisso dos cientistas, mas também o compromisso das secretarias de Meio Ambiente nos estados e municípios, da sociedade civil, das ONGs… É preciso uma estratégia e um comprometimento muito maior para salvar essas espécies. Por isso, concomitantemente à catalogação das espécies ameaçadas, temos a missão de fazer planos de ação para tirar essas espécies da lista.

 

O livro está disponível para download aqui.

 

 

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