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Demanda por marfim está desestabilizando a África Central

A caça maciça de elefantes feita através de fronteiras por grupos violentos está levando os países da região a organizarem uma reação.

Daniele Bragança ·
20 de junho de 2013 · 11 anos atrás
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35.000 por ano são elefantes caçados por seu marfim. Crédito: @NonprofitOrgs
35.000 por ano são elefantes caçados por seu marfim. Crédito: @NonprofitOrgs

O massacre de elefantes esta se tornando mais do que um problema para os ativistas dos direitos dos animais. Ele agora diz respeito a instituições e governos internacionais nos seus mais altos níveis de poder, porque é percebido como uma ameaça à estabilidade política e econômica da África central.

No mês passado, o assunto chamou a atenção do Banco Africano de Desenvolvimento em Marrakesh, em uma assembleia anual que contou com a presença de ministros das finanças africanos. O presidente do banco, o economista ruandês Donald Kaberuka, apresentou um plano de ação global para resolver o problema em parceria com a ONG WWW (World Wildlife Fund).

“Este não é apenas um problema ambiental”, segundo a chamada Declaração de Marrakesh, emitida pelo banco. “A violência e os danos agora ameaçam a paz e o Estado de direito, bem como as receitas que muitos países africanos auferem de turismo e outros usos da vida selvagem; algumas das comunidades mais pobres e vulneráveis sofrem… O tráfico de fauna frustra os esforços dos governos para impedir outros comércios ilícitos, como armas e drogas. Ele alimenta o crime organizado e a corrupção, e compromete a segurança regional”.

Kaberuka pediu aos ministros das finanças presentes na reunião para reforçar os controles de alfândega como um primeiro passo, pois, segundo ele, seriam fundamentais para desmantelar as redes de contrabando.

O assunto também chegou à ONU. No mês passado, o secretário-geral da ONU apresentou um relatório ao Conselho de Segurança expressando preocupação sobre as ligações entre a caça ilegal e as “redes criminosas ou mesmo terroristas que ameaçam a estabilidade da África central”. Entre os países mais vulneráveis foi citado Camarões, que implantou patrulhas do exército em seus parques nacionais do Norte, além de República Central Africana, Chade e Gabão.

Massacre e comércio

Elefante morto pelo marfim de suas presas. Crédito: Greenwich Photography
Elefante morto pelo marfim de suas presas. Crédito: Greenwich Photography
“O tráfico de marfim é um monstro de duas cabeças. Perseguir os caçadores não será suficiente se, ao mesmo tempo, nós não lidarmos com os países que facilitam este comércio”

O relatório afirma que “o comércio ilegal de marfim pode ser, hoje, uma importante fonte de financiamento para os grupos armados”, citando o exemplo do Exército de Resistência do Senhor (Lord’s Resistance Army). O documento também colocou a preocupação com as armas cada vez mais sofisticadas e poderosas nas mãos dos caçadores ilegais, algumas dos quais podem ser provenientes do colapso político da Líbia.

O plano proposto pelo Banco Africano de Desenvolvimento em Marrakesh recomenda fortalecer e aumentar os recursos das patrulhas especializadas na repressão da caça ilegal, monitorando a aplicação rigorosa das leis e aumentando as penas impostas aos traficantes.

Essas não são ideias novas. Tanto o diagnóstico e a cura são conhecidos há muitos anos. Um plano de ação para os elefantes africanos foi adotado em 2010, com 600 mil dólares providos por China, França, Alemanha, Holanda e África do Sul. “Agora precisamos de um compromisso no mais alto nível dos governos, que nos capacitaria a enfrentar esta crise”, disse Jim Leape, diretor-geral do secretariado internacional da WWF.

Cerca de 30 mil elefantes foram mortos em 2011, cerca de 8% da população total de elefantes na África, e o número está aumento ano a ano desde 2006. Os níveis atuais são os mais altos desde a moratória de 1989 do comércio de marfim.

O Gabão sozinho perdeu 60% de sua população de elefantes na última década e já tomou medidas. Em Marrakesh, o presidente do país, Ali Bongo Ondimba, propôs a criação de uma força-tarefa de emergência que poderia intervir assim que qualquer caça ilegal em larga escala fosse detectada em um dos países. Em meados de maio, o Gabão enviou forças à República Centro-Africana para ajudar a defender o parque nacional Dzanga-Sangha, após um ataque contra os elefantes de lá.

“É importante intervir antes que a situação saia de controle. Caso contrário, sabemos que há um grande risco de entrar numa espiral que acabará por produzir uma nova zona de conflito”, disse Lee White, secretário-executivo da Agência Nacional de Parques do Gabão.

O Gabão também sugeriu uma maior cooperação para treinamento de pessoal entre as várias agências nacionais de proteção animal, e fornecer “eco-guardas” aos países mais fracos.

O presidente do Gabão pediu a criação de um fundo de apoio para as viúvas e os órfãos desses guardas. “O tráfico tem se tornado cada vez mais violento e os traficantes não hesitam em atirar contra qualquer guarda-parque que cruze o seu caminho”, disse White, que estima o custo total dessas ações em 15 milhões de dólares por ano.

Ondimba está trabalhando para melhorar a cooperação internacional na luta contra o tráfico de animais selvagens. Ele anunciou o plano de ação em um esforço para estimular o progresso sobre o assunto na próxima assembleia nacional anual da ONU, em setembro. Entretanto, como colocou Leape, do WWF: “O tráfico de marfim é um monstro de duas cabeças. Perseguir os caçadores não será suficiente se, ao mesmo tempo, nós não lidarmos com os países que facilitam este comércio”.

  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

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