Reportagens

Tocantins derruba licenciamento ambiental no campo

Passada em regime de urgência, nova lei exime atividades agrossilvipastoris de licença e cria situação que conflita com leis federais.

Leilane Marinho ·
6 de junho de 2013 · 11 anos atrás
Deputado Stalin Bucar (PR) foi o relator do Projeto de Lei aprovado em tempo recorde e em sessão extraordinária. Foto: Ascom/Stalin Bucar
Deputado Stalin Bucar (PR) foi o relator do Projeto de Lei aprovado em tempo recorde e em sessão extraordinária. Foto: Ascom/Stalin Bucar

Com o objetivo declarado de fomentar o agronegócio, o Tocantins acaba de dispensar de licenciamento ambiental todos os empreendimentos classificados como atividades agrossilvipastoris. A nova lei aprovada pelos deputados estaduais numa sessão extraordinária do dia 8 de maio, percorreu um caminho curto, não despertou interesse da imprensa local e a única divulgação foi a discreta publicação no Diário Oficial do Estado, no último dia 16.

A liberação foi resultado do Projeto de Lei Nº.7 que alterou a Lei Estadual 2.476 de 8 de julho de 2011 responsável por instituir o Programa de Adequação Ambiental de Propriedade e Atividade Rural, conhecido como TO-Legal. O programa promove a regularização das propriedades e posses rurais inserindo-as no sistema de Cadastramento Ambiental Rural – CAR do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins).

Na véspera da aprovação, no dia 7 de maio, o Projeto de Lei foi discutida pelo plenário, mas retornou a Comissão de Saúde e Meio Ambiente após pedido de vista do presidente da comissão, Eli Borges (PMDB). No dia seguinte, 8, Borges deu por encerrado a vista e o projeto foi votado e aprovado por todos os 16 deputados que participaram da sessão “secreta” que terminou as 22h.

Durante duas semanas, o ((o))eco tentou contato com os deputados Eli Borges e Marcello Lelis (PV) que é vice-presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente. Ambos não atenderam a solicitação de entrevista.

Marcello Lelis é presidente regional do Partido Verde (PV) e foi candidado a prefeitura de Palmas nas últimas eleições. Através de sua assessoria, ele disse desconhecer que a lei havia sido aprovada e informou que não poderia se manifestar por não ter acompanhado sua tramitação.

Antes da votação ((o)) eco, conversou com o deputado Stalin Bucar (PR), relator do projeto de lei. Ele estava ansioso para que a PL fosse votada durante a Feira de Tecnologia Agropecuária do Tocantins- Agrotins, que reuniu entre os dias 7 e 11 de maio mais de 72 mil visitantes, o que de fato ocorreu. Para o parlamentar, o artigo 10 da lei que dispensou de licenciamento ambiental as atividades agrossilvipastoris não vai gerar nenhum transtorno para a conservação do Cerrado. “Precisávamos resolver isso o quanto antes para não prejudicar alguns investimentos”, disse o deputado.

A nova lei é um dos primeiros passos para a “revolução agrária” proposta pelo deputado federal Irajá Abreu (PSD), que deixou a Câmara Federal para assumir a recém criada Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agrário e Regularização Fundiária do Tocantins. Filho da senadora e presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) Kátia Abreu (PSD), o secretário que também é presidente da Associação dos Reflorestadores do Tocantins comemorou a dispensa das licenças durante reunião da associação na Agrotins. Irajá disse que seu foco será a elaboração do Plano Estadual para o Desenvolvimento Florestal Sustentável do Tocantins, usando as possibilidades da nova regra.

A aprovação em regime de urgência do projeto de lei atendeu as expectativas do governador do Tocantins, Siqueira Campos (PSDB) . Ele considera que a mudança favorece a viabilidade econômico-financeira do agronegócio pois a dificuldade “burocrática” dos licenciamentos estava emperrando o crescimento do estado.

 Mata nativa no Cerrado do Tocantins. Foto: Cleide Veloso Semades
Mata nativa no Cerrado do Tocantins. Foto: Cleide Veloso Semades

Ibama protesta

(…)relatório destacou as “fissuras e inconsistências” da nova lei

O anúncio de que não seriam mais necessários os licenciamentos pegou todos de surpresa. A confusão começou numa reunião convocada pelo deputado Stalin Bucar, após o parlamentar ter enviado o projeto de lei para ONGs, Ministério Público Federal e entidades do governo federal (Incra e Ibama). O texto enviado era diferente do que foi apresentado na reunião.

“Quando chegamos lá recebemos um outro projeto de lei que continha o artigo 10, que até então não tínhamos conhecimento”, conta Marcelo Benetele Ferreira, chefe da Procuradoria Federal Especializada (PFE) do Ibama/TO.

Com o novo textos em mãos, o Ibama redigiu um relatório onde destacou as “fissuras e inconsistências” da nova lei. O documento foi encaminhado à assembleia como uma “recomendação” aos deputados: caso fosse aprovada, a lei iria “dilatar os mecanismos de tutela de proteção difusa integral do meio ambiente, convergindo num viés desenvolvimentista insustentável”.

Ficou mais fácil

“os empreendedores de atividades agrossilvipastoris não precisam mais apresentar a licença ambiental quando solicitarem financiamento seja ele concedido por um banco privado ou público”

Antes das alterações no TO-Legal, a instalação e a operação de atividades agrossilvipastoris só poderiam ser permitidas ou consideradas regularizadas após a emissão da Licença Ambiental para as propriedades de grande porte e alto impacto, ou da Licença Ambiental Única – LAU, destinada às propriedades com atividades agrossilvipastoris de pequeno e médio porte e baixo impacto.

“Ficaram preocupados com a Licença Ambiental Única quando o IBAMA passou a exigir a licença para desembargar áreas/propriedades e o Naturatins teve dificuldades em atender a demanda”, lembra Danielle Dias, analista ambiental do Ibama/TO.

Derrubar a licença para atividades agrossilvipastoris foi a saída encontrada pelo governo para “desafogar” o órgão e agradar os ruralistas. A partir de agora, os únicos instrumentos de controle ambiental necessários para fins de concessão de crédito rural no Tocantins são o Cadastro Ambiental Único (CAR) e o Termo de Compromisso (TC).

Na prática, os empreendedores de atividades agrossilvipastoris não precisam mais apresentar a licença ambiental quando solicitarem financiamento seja ele concedido por um banco privado ou público. Isso é possível graças ao novo Código Florestal que dá autonomia para que os estados estabeleçam, de acordo com suas especificidades, as regras de gestão florestal desde que não sejam menos restritivas que a legislação federal ou inconstitucionais. “Neste caso, no que competem aos critérios relativos à regularidade ambiental para acesso de créditos rurais, os produtores não podem ter pendências com o gestor federal, ou seja, ter o imóvel relacionado na lista das áreas embargadas”, explica Danielle.

Danielle observa que apesar da Licença Ambiental Única ser de natureza declaratória e o Naturatins ter dificuldades para dar conta de analisar a enorme demanda, incluindo a necessidade de verificações no campo, o fim da licença fragilizou ainda mais os instrumentos de controle e gestão ambiental no estado. “O que se espera de bons gestores nas várias instâncias de poder envolvidas é empenho para que haja o fortalecimento da estrutura operacional e não seu enfraquecimento”, disse.

Na esfera federal, a nova lei cria conflitos. De acordo com o Ministério Público Federal, as modificações no TO-Legal não respeitaram a Política Nacional do Meio Ambiente. “A lei estadual é inconstitucional. Faremos uma representação de inconstitucionalidade a procuradoria”, afirma o procurador Álvaro Manzano. Ele lembra que a Lei 6.938/81, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, no artigo 10, exige o licenciamento ambiental para as atividades efetiva ou potencialmente poluidoras ou degradadoras. Neste escopo encontram-se todas as atividades agrossilvipastoris, consideradas poluidoras por vários motivos, entre eles, a utilização de produtos químicos na agricultura.

“Não muda nada”

Por sua vez, o presidente do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins), Alexandre Tadeu, órgao estadual responsável pela emissão das licenças, cadastros e demais condutas de regularização ambiental, disse em entrevista a ((o))eco que a lei publicada no dia 16 no Diário Oficial não mudará “absolutamente nada”, e que apenas vai possibilitar maior agilidade nos procedimentos de regularização.

“Em nenhum momento faz menção ao descumprimento de normas vigentes […]. Apesar de estar dispensando do procedimento administrativo, é dever do produtor rural atender para o cumprimento de todas as normas que a sua atividade estiver afeta”, diz o presidente.

O Naturatins recepciona hoje aproximadamente 28 processos por dia, destes 20 são analisados pela equipe técnica, conta Tadeu “Desse total, aproximadamente 75% são requerimentos de CAR. “Existem aproximadamente 1300 processos que aguardam análise, apesar de estarmos superando as metas”, detalha Tadeu.

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Comentários 2

  1. Kefany diz:

    Palavras de uma ecologista: eu como carne, minhas roupas são de tecido e meu carro ainda continua sendo movido por combustível até onde eu sei. A intenção é tentar, se possível aliar as duas coisas. Eu quero comer carne produzida em propriedades que protegem seus recursos naturais, que mantém suas matas ciliares, que protegem os cursos de rio (afinal vaca também bebe água, não?), que mantém corredores ecológicos, que realizam pecuária sustentável, que mantém suas áreas de reserva legal e sabem da sua importância e não a obrigação em tê-la. Que entendem que manter áreas nativas é proteger o seu próprio patrimônio. E que existem sim formas de aliar as duas coisas. Muitos produtores (com a mesma visão que a sua) aprenderam isso na marra, e hoje têm outra mentalidade. Talvez você devesse ler um pouco a respeito, quem sabe mudaria esse argumento clichê " de que ecologista deveria comer folha e andar pelado" . Ah, faça assim veja quantas notas de dinheiro você consegue contar enquanto prende a respiração. Talvez você veja alguma finalidade em ecólogos e suas ONGS (comentário abaixo).


  2. Ronaldo diz:

    Esses ecologistas que estão metendo o pau, com certeza comem casca de arvore, se vestem com roupas feitas de folhas e andam com seus carros movidos a vento.