Reportagens

No Peru, as geleiras já não são mais as mesmas

Reportagem especial revela a preocupação de comunidades andinas com a visível mudança no ambiente. Derretimento aumenta o risco de avalanches e trombas da água.

Simeon Tegel ·
28 de novembro de 2011 · 12 anos atrás

O glaciar Pucaranracocha nos andes peruanos em foto de 1932 (esq) e 2009. Imagens se tornaram ícones da transformação causada pelas mudanças climáticas na região. Fotos: Pucaranracocha, 1932 por Erwin Schneider / Pucaranracocha, 2009 por Alton Byers.

À primeira vista, a geleira de Yanapaqcha, situada a 17,000 pés (5,100 metros) do nível do mar no coração dos Andes peruanos, representa a natureza em seu ponto mais sublime. Montanhas cobertas de neve se prolongam pelo horizonte enquanto no meio de nuvens abaixo de nós, lagos de cor turquesa embelezam o ambiente.

Clique no mapa para explorar a geleira de Yanapaqcha

Mas, assim que os crampons de nossas botas penetram no gelo espesso, se torna visível que nem tudo é como pensávamos nessa região inóspita. “A geleira parece que está contaminada por um vírus, como uma pessoa morrendo.” disse Richard Hidalgo, um dos principais alpinistas do Peru. “É como se esta doença estivesse comendo a geleira de dentro pra fora.”

As estatísticas da geleira recuam na Cordilheira Branca – ou White Range, como essa parte dos Andes é conhecida. A média de cobertura de neve anual foi de 7 metros em 1970, 20 metros em 1980, 14 metros em 1990 e 25 metros nos anos 2000. Mas como Richard explica: ‘’Apesar disso, o encolhimento da geleira é muito maior do que poderíamos imaginar.’’

Essas condições atuais são mais preocupantes. ‘’Você deve ser muito cuidadoso’’, disse Richard, afirmando que o alpinismo, um dos esportes mais perigosos do mundo, está ficando cada vez mais arriscado.

Acidente inexplicável

 

No ano passado, um companheiro de escalada de Richard, o experiente guia americano Tyleer Anderson, morreu a apenas alguns metros acima de onde estávamos. Além disso, foi o primeiro alpinista a morrer na White Range devido às alterações no ambiente acarretadas pelas mudanças climáticas.

 

 

O acidente aconteceu enquanto Anderson estava guiando pessoas para o topo da montanha, essa que ele conhecia muito bem. Mesmo para ele, um alpinista experiente, escalar a montanha era mais do que uma simples caminhada. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu a não ser o alpinista, que caiu em uma imensa área ao redor de uma fenda aberta espontaneamente. Ele caiu de uma altura de 20 metros e sofreu sérias lesões, entre elas, teve o pescoço quebrado.

Richard disse, ao participar no resgate do corpo de seu amigo, que aquela fissura no gelo não era normal. “Era um labirinto de buracos no meio da geleira, eu nunca vi nada como isso antes.”

Lagos tornam-se perigosos

Os perigos das mudanças na paisagem da White Range não afetam somente os alpinistas. Como as geleiras derretem, elas perdem tração e contato com o solo da montanha, aumentando o risco de uma avalanche natural. Enquanto isso, o aumento do fluxo de água proveniente da montanha esta formando grandes lagos no meio da montanha que podem estourar a qualquer momento, causado imensas trombas d´agua e colocando as cidades que estão logo abaixo, no vale, em posição desprivilegiada e perigosa.

Os riscos estão se elevando pela possibilidade de avalanche ou deslizamento de pedra para os lagos. Vale lembrar que a região também é propícia á terremotos.

O lago Palcacocha ameaça a capital da região, Huaraz, cidade com a população de 120,000 pessoas. Seu volume atual de 17 milhões de metros cúbicos é 34 vezes maior do que era na década de 70. Hoje, o lago é oficialmente considerado de alto risco de transbordamento. Para a população, essa ameaça a mantém em alerta, pois as pessoas ainda se lembram do deslizamento causado por um terremoto em 1970 que limpou a cidade de Yungay do mapa, matando 25,000 pessoas.

Assim que subimos em direção ao topo da geleira, ela parece se recuperar. Sua superfície é coberta de um manto branco, quebrado pelas fissuras no gelo que são facilmente vistas na região de Yanapaqchan. Mas, em vários pontos da geleira, é possível que vejamos erosões na rocha causadas pela água.

Acima de nós está o Huascaran, um imponente paredão de granito a 6,600 metros de altitude. Mas, novamente, as coisas não são como elas parecem. Richard percebeu como que, há 3 anos, aquela área estava totalmente coberta por uma espessa camada de neve e gelo. As mudanças climáticas fizeram com que esse lugar, onde antes se acumulava neve facilmente, ficasse hoje escorregadio demais para que o gelo continuasse se acumulando.

As alterações na paisagem devido às mudanças climáticas estão acontecendo cada vez mais rapidamente. Richard diz que não pode imaginar nem mesmo como será a White Range em dez anos. Apesar dos dois picos da Huascaran, a 6000 mts, e a área existente entre eles estar coberta por neve, cientistas acreditam que em 50 anos a montanha estará seca, ou seja, sem neve alguma. Se isso realmente acontecer, a cordilheira se tornará nada além de um lugar visitado no passado, esquecido em livros de geografia.

Será que esta vista maravilhosa vai virar coisa do passado? Foto: Richard Hidalgo
Será que esta vista maravilhosa vai virar coisa do passado? Foto: Richard Hidalgo

Simeon Tegel é jornalista britânico baseado no Peru. Seus textos já foram publicados em ((o))eco Amazonia e no jornal The Independent, onde o artigo acima foi originalmente publicado. A tradução foi feita por Sérgio Castro ([email protected])

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