Reportagens

Passagem direta para a lista de extinção

Dois primatas brasileiros até pouco tempo desaparecidos entram na lista das 25 espécies em maior risco no mundo. Esperam-se, com isso, mais investimentos em conservação.

Felipe Lobo ·
20 de outubro de 2010 · 13 anos atrás

Há exatos treze anos, os principais líderes mundiais deixaram a cidade japonesa de Kyoto com o primeiro protocolo global para a redução nas emissões de carbono debaixo do braço. Entre os dias 12 e 18 de setembro, ela sediou o 23º Congresso Internacional de Primatologia, liderado pelo Grupo de Especialistas em Primatas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Após uma semana de conversas, a lista com os 25 macacos mais ameaçados do mundo – entre 2010 e 2012 – ficou pronta. Dois deles são exclusivos do Brasil.

No encontro, que contou com a presença de especialistas de inúmeros países, a Coordenação Regional Brasil apresentou argumentos suficientes para provar que a presença do macaco-prego-galego (Cebus flavius) e guigó-da-Caatinga (Callicebus barbarabrownae) na relação era fundamental para a perpetuação destes animais. Embora isto signifique que eles estão em grave perigo, é uma chance para que recebam prioridade em incentivos financeiros, técnicos e logísticos.

Maurício Talebi, professor do departamento de ciências biológicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e um dos líderes da delegação nacional, afirma que as ações de preservação precisam ser urgentes. “Embora não exista nenhuma espécie de primata totalmente fora de perigo, os incluídos na lista são aqueles cuja existência está comprometida em curto ou médio prazo, variando em contingentes populacionais de duas a três dúzias a poucas dezenas de indivíduos na natureza. Portanto, este trabalho deverá servir de instrumento para chamar a atenção das instituições e pessoas para a importância de apoiarmos iniciativas em prol de educação ambiental, pesquisa e decisões de conservação”, avalia.

As listas anteriores, atualizadas a cada dois anos (a publicação desta última ainda é uma incógnita e pode demorar meses ou até mais tempo) fortaleceram os apoios institucionais para os bichos contemplados, uma vez que suas projeções nacionais e internacionais aumentaram muito. As escolhas, vale ressaltar, acontecem de forma democrática e são coordenadas pelos chefes do PSG, os doutores Russel Mittermeier (presidente mundial da ONG Conservação Internacional) e Anthony Rylands.

Desaparecido por três séculos

Ao longo de aproximados trezentos anos, os holofotes da ciência não se voltaram para o macaco-prego-galego, teoricamente desaparecido desde que naturalistas dos séculos XVII e XVIII descreveram a espécie durante expedições européias no Brasil. A história mudou em 2003, quando o Centro de Proteção de Primatas Brasileiros (CPB) do Instituto Chico Mendes (ICMBio) começou a receber pedidos do Ibama para ajudar no manejo de macacos. Dentre eles, um grupo de indivíduos chamava a atenção pelo padrão diferenciado.

Em parceria com a Universidade Federal da Paraíba, os técnicos do CPB conversaram com os agentes que fizeram as apreensões dos bichos e notaram que as capturas sempre ocorriam na Mata Atlântica nordestina acima do rio São Francisco. As comunidades locais também foram entrevistadas e, em seguida, a equipe saiu à campo para tentar a primeira captura, com o intuito de ver o espécime tipo e colocá-lo no museu, algo que proporciona referencial taxonômico nos aspectos morfológicos – essencial para a validade na comunidade científica e os primeiros passos nas estratégias de conservação.

“A partir disto revalidamos a espécie para Cebus flavius. Ela vive em pequenos fragmentos ligados pelos canaviais entre Rio Grande do Norte, Alagoas, Paraíba e Pernambuco e se desloca com grupos relativamente grandes para primatas tropicais, algumas dezenas de indivíduos. Temos confirmação de ocorrência em 10 a 12 áreas, mas não sabemos o número exato na natureza. Diria que devem existir mais de 200/300 indivíduos e quase certamente menos do que mil. Não sabemos os motivos pelos quais o macaco-prego-galego permaneceu desaparecido por tanto tempo, mas talvez em conseqüência de populações pequenas muito esparsas, quase sem contato com as pessoas”, diz Leandro Jerusalinsky, chefe do CPB. 

De tom de pele dourado e médio porte, ele usa a cauda como auxílio à locomoção e se alimenta desde frutos e brotos de folhas até pequenos invertebrados. Extremamente ameaçada pela distância de centenas de quilômetros entre os seus remanescentes (que, em boa parte, estão dentro de terrenos de grandes usinas e permanecem bem preservados) e a falta de unidades de conservação em seus habitats, a espécie necessita de uma série de estratégias integradas para a sua conservação.

De acordo com Jerusalinsky, é preciso explicar a importância da manutenção das árvores de pé para os proprietários, ampliar a conexão entre as ilhas de vegetação e até usar cativeiros para posterior reintrodução – a reprodução ali já é considerada viável. “Em espaços reduzidos, as chances de se encontrar parceiros são menores. É preciso trabalhar para manter a diversidade genética”, explica o primatologista, que, além da UFB, conta com o apoio das Universidades Federais do Rio Grande do Norte e Pernambuco, Rural de Pernambuco e zoológicos de São Paulo e Recife.

Ameaça na Caatinga

Situação ainda mais crítica vive o guigó-da-Caatinga, endêmico (exclusivo) deste bioma e já extremamente ameaçado. Descoberto em 1990 e menor porte em comparação com seu companheiro brasileiro da lista de 25+, pesa em torno de um quilo e tem cerca de 80 centímetros de comprimento, contando corpo e cauda. Casais monogâmicos, eles formam apenas grupos familiares e são extremamente territorialistas. Quase 50% de sua dieta são compostos por frutas. A outra metade é completa por sementes, brotos de folhas e até pequenos invertebrados, tal como lagarto.

Os indivíduos da espécie, ainda pouco conhecida, também não devem chegar a mil na natureza. “Confirmamos registros em cerca de35 fragmentos da Caatinga, de tamanhos reduzidos e bastante impactados, pois se tira muita madeira para fazer carvão. O guigó gosta de Caatinga arbórea, aquela com árvores maiores, que já quase não existe. O problema é que um grupo de cinco macacos chega a ocupar um remanescente de até 50 hectares. Isto, claro, também pode impactar a variabilidade genética”, avalia Jerusalinsky, do ICMBio.

Atualmente, uma equipe do CPB trabalha junto com a Universidade Federal de Sergipe para entender quais as exatas características deste animal da Caatinga e onde está a fronteira entre ele e outro guigó, o da Mata Atlântica. Fato é que o primeiro tem densidade populacional muito menor do que o segundo, talvez por falta de recursos e baixa pluviosidade do bioma. Apenas após estes monitoramentos e definição dos limites geográficos de ocorrência da espécie é que será possível fazer a validação taxonômica e enxergar o tamanho do problema causado pela fragmentação da floresta.

Carente em pesquisa e estratégias de conservação, o guigó-da-Caatinga (natural da Bahia e Sergipe) é muito tímido e pouco resistente. Por isso, a possibilidade de reprodução em cativeiro não existe. A solução, em princípio, pode vir com a criação de áreas protegidas, reconexão de ambientes e educação ambiental em comunidades tradicionais, que têm maior contato com o bicho. Espera-se que, agora mais famosos após o sucesso no Japão, estes dois primatas brasileiros recebam a atenção necessária para sobreviver. 

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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