Reportagens

Biotecnologia por trás da produção de cana

Coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol conta sobre o trabalho de pesquisa que faz o Brasil ser líder na produção de biocombustível.

João Quero ·
23 de junho de 2010 · 14 anos atrás
foto: USP
foto: USP

 “A cana era uma plantinha levemente adocicada usada como remédio. Houve muito trabalho para aumentar o nível de açúcar até hoje”. É assim que o professor Marcos Buckeridge, do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da USP, começa a contar a história da gramínea que tornou o Brasil no maior produtor de biocombustíveis do mundo. A cana de açúcar, desde sua descoberta, passou por aperfeiçoamentos para aumentar seu rendimento. Hoje, o melhoramento genético está no centro da produção do etanol no Brasil. A seleção gênica permite a produção de uma planta mais adaptada e mais produtiva, aumentando a participação dos biocombustíveis na matriz energética.

Também coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), Buckeridge estuda e aperfeiçoa geneticamente a resistência da planta ao estresse, às mudanças climáticas e às pragas.

“Para chegar nisso, um exemplo, eu pego 400 mil plantas e as cultivo ao longo de 12 anos e vou selecionando [as melhores] para tolerância ao estresse, facilidade de colheita, resistência a doenças, produção de açúcar… E cada vez eu vou ficando com um número menor de plantas” diz Marcos Buckeridge.

Quebrando a celulose

Buckeridge: 400 mil plantas cultivadas ao longo de 12 anos. (foto Mauro Bellesa)
Buckeridge: 400 mil plantas cultivadas ao longo de 12 anos. (foto Mauro Bellesa)

Outra área em que as pesquisas tem se concentrado é na forma de se produzir o etanol de segunda geração. Atualmente o álcool é retirado somente da sacarose da cana, mas se for descoberto como, em escala industrial, quebrar as moléculas de celulose, poderá se extrair combustível do bagaço e palha da cana.

A descoberta de fungos e bactérias de diferentes tipos contribui na pesquisa de sintetizar uma enzima em laboratório capaz de retirar energia da celulose, e possibilitar a produção de mais combustível com a mesma quantidade de matéria prima.

A Novozymes Latin America, multinacional dinamarquesa que também pesquisava enzimas sintéticas, apresentou durante o F. O. Licht’s Sugar & Ethanol Brazil 2010, que aconteceu entre os dias 22 e 24 de março em São Paulo, duas enzimas capazes de obter glicose de resíduos da cana, ampliando a produtividade energética.

“Já testamos a eficiência das enzimas em plantas de demonstração nos Estados Unidos, usando palha de milho. Agora, vamos comprovar a sua eficiência no Brasil, com o bagaço de cana”, disse o presidente da multinacional na América Latina, Pedro Luis Fernandes, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo do dia 31 de março.

As pesquisas que serão realizadas no Brasil com a cana de açúcar, segundo a empresa, contará com a contribuição do CTBE, dirigido por Buckeridge, que acredita que até 2011 os experimentos já poderão ser realizados.

“O centro de campinas [do CTBE] é um centro novo, um investimento de 69 milhões de reais do Ministério da Ciência e Tecnologia feito para trabalhar principalmente nessa questão do etanol celulósico”, afirma Buckeridge.

Ainda com petróleo

O professor afirma que o sucesso e o desenvolvimento do biocombustível no Brasil se devem à compatibilidade da produção de cana de açúcar com o clima do país. Ao contrário do milho utilizado pelos EUA, a cana tem um período de maturação mais rápido, pois não precisa produzir semente para ser usada na produção de combustível, e assim, necessita menos energia no cultivo.

Além disso, a cana não é um produto alimentício de primeira necessidade, então, a aprovação popular ao destinar a maior parte da produção para a energia é facilitada.

Buckeridge diz que a energia produzida a partir da sacarose representa apenas um terço do potencial energético da cana de açúcar, sendo completado com a energia proveniente do bagaço e da palha da planta. Mesmo com a grande quantidade de energia que pode ser aproveitada da biomassa, ela não poderá substituir o petróleo na matriz energética.

“Não é possível acabar com o petróleo agora” diz Buckeridge. “A demanda energética que o petróleo atende é superior a capacidade de geração do sistema de energia renovável” completa.

*João Quero é estudante de jornalismo na PUC-SP

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