Reportagens

Para mudar a cara de Mato Grosso

Estado estende prazo para melhorar sua Política de Mudanças Climáticas. Em 2 meses, única contribuição veio do próprio governo.

Andreia Fanzeres ·
2 de fevereiro de 2010 · 14 anos atrás

De dezembro de 2009 a 31 de janeiro de 2010, a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema) publicou em seu site a minuta do projeto de lei que institui a Política Estadual de Mudanças Climáticas. Esperava ter contribuições da sociedade para aprimorar o documento e então encaminhá-lo à Assembléia Legislativa. Em dois meses, recebeu apenas uma sugestão, vinda da Secretaria de Indústria, Comércio, Minas e Energia (Sicme).

O desinteresse pode não ter sido, entretanto, só da população. No último dia útil para consulta, sexta-feira passada (29/01), os telefones da secretaria de meio ambiente colocados à disposição simplesmente não funcionavam. Uma recepcionista da secretaria explicou que as linhas estavam ruins. Mas, de acordo com a coordenadoria de mudanças climáticas da Sema, ainda há tempo. É possível enviar contribuições, que serão apreciadas pelo Fórum Estadual de Mudanças Climáticas numa reunião em fevereiro que ainda será marcada. A entidade deverá também decidir se promoverá reuniões públicas para discussão da minuta.

O documento, de 22 páginas, abarca compromissos do estado, de empresas e da sociedade civil para que as emissões de gases de efeito estufa sejam reduzidas, com substituição de práticas mais saudáveis em todas as áreas. Mas não apresenta metas nem prazos para a realização dessas medidas. Isso, de acordo com André Ferretti, coordenador do Observatório do Clima, faz parte de uma estratégia. “A idéia é armar esse esqueleto e deixar esses números em aberto por enquanto, para aumentarem as chances de o projeto de lei ser aprovado nas câmaras legislativas sem muitas resistências. Aí, num segundo momento, trabalhar com a sociedade sobre a regulamentação dos detalhes na lei e definir melhor esses compromisos”, explica.

Mesmo assim, um dos artigos da proposta mato-grossense demonstra ousadia nesse sentido ao determinar que, em no máximo um ano após a publicação da lei, o governo de Mato Grosso deverá elaborar, aprovar e publicar o plano estadual com metas progressivas e finais de redução e mitigação do clima, além de um plano de ação para todos os setores do estado assumirem compromissos obrigatórios específicos, mensuráveis, reportáveis e verificáveis. Todos os anos os planos deverão ser revisados e informações sobre inventários deverão ser produzidas e publicadas de forma ampla.

Como no plano nacional sobre mudanças no clima, há na proposta de Mato Grosso a orientação pela substituição gradual dos combustíveis fósseis por outros de menor potencial de emissões de gases de efeito estufa. Na esfera nacional este artigo foi vetado pelo presidente Lula, o que foi considerado muito grave por especialistas. No projeto mato-grossense, além de o estado não poder mais dar subsídio aos combustíveis fósseis, há ainda a proibição expressa ao uso de energia nuclear.

Entrando nos eixos

A partir da regulamentação dos artigos que falam sobre medidas de comando e controle, será condicionante para emissão de licenças ambientais e autorizações de desmate a adequação da propriedade às metas de redução de gases. Para grandes empreendimentos poluidores, os avais só sairão depois da entrega de um inventário e planos de mitigação e compensação de emissões.

Um dos pontos mais básicos, mas que para Mato Grosso representa uma grande quebra de paradigma, é a diretriz que determina a incorporação da dimensão climática na avaliação de planos, programas e projetos públicos e privados do estado. Especialmente quando hoje nem mesmo a variável ambiental está devidamente absorvida pela administração pública, que anda permitindo a realização de empreendimentos sem licença ambiental.

Outro ponto interessante é a medição, comparação, monitoramento e controle dos efeitos relacionados à destruição de áreas naturais e suas consequências, em razão da implementação de novos meios de geração de energia, especialmente biocombustíveis.

Novamente, são passos avançados para um estado que cuida mal de suas áreas naturais protegidas. O orçamento que o governo dedicou às unidades de conservação em 2010 gira entorno dos 550 mil reais, insuficiente para gerir durante um ano os 41 parques e reservas estaduais de Mato Grosso. A sequência de baixos incentivos à gestão ambiental das unidades de conservação no estado, a despeito do esforço individual de técnicos e especialistas da área, foi revelada pelo modelo RAPPAM (Avaliação rápida e priorização da gestão de unidades de conservação), desenvolvido pela WWF, onde a eficiência da gestão mato-grossense foi de 24%, quando o índice minimamente gerível deveria ser de 40%.

Além do desestímulo ao transporte individual e fontes poluidoras, a minuta fala sobre a criação de critérios de sustentabilidade e mitigação de gases na aquisição de veículos da frota do poder público e na contratação de serviços. A administração estadual também precisará se comprometer com a implantação de sistemas de controle e eficiência energética em todas as esferas. Entre as responsabilidades domésticas, a proposta estabelece a implementação efeitva da coleta seletiva e minimização de resíduos, coisa que quase nenhum município no estado tem.

Incentivos do bem

Na agropecuária, a proposta sugere que sejam adotadas medidas para minimizar o uso de fertilizantes inorgânicos para reduzir os gases de efeito estufa e investimento em pesquisa de alternativas de dietas animais para diminuir as emissões de metano. Além disso, ações para contenção e eliminação gradual do uso do fogo em propriedades agropecuárias. Nada mais do que simplesmente aplicar a lei que já existe.

O governo estadual também se compromete, com a lei, a promover a certificação de produtos florestais e a estimular a criação e a implementação de unidades de conservação (inclusive reservas particulares), por todos os níveis de governo. Precisa ainda executar a recuperação exemplar de áreas de reserva legal e áreas de preservação permanentes. Uma novidade é a menção literal da promoção de projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD).

A proposta determina a criação de incentivos fiscais para o reuso de água, o estabelecimento da cobrança pelo uso deste bem em todas as bacias hidrográficas do estado, aumento do tratamento de esgoto e redução de seu descarte nos rios. No quesito construção civil, além da opção por projetos eficientes no aproveitamento de materiais, o poder público só poderá licitar obras e serviços que usem produtos de madeira com procedência legal. Mais uma vez, nada que hoje já não se recomendasse por força de lei.

O governo vai ter ainda que ampliar os programas de doenças infecciosas de grande dispersão, como malária e dengue, promover o treinamento da Defesa Civil e criar sistemas de alertas rápidos para o gerenciamento de impactos sobre a saúde decorrentes das mudanças climáticas. Poderão ser renegociadas dívidas de quem reduzir emissões e aumentados os impostos de quem elevar a liberação de gases de efeito estufa. Quem quiser instalar biodigestores ou optar por biodiesel e gerar energia baseada em biogás também terá direito a incentivos fiscais.

O Fundo Estadual de Meio Ambiente dará recursos para ações de incentivo à redução do desmatamento, atendimento a programas de combate à pobreza, monitoramento, fiscalização e manejo das áreas protegidas, medidas de reflorestamento, desenvolvimento tecnológico, educação ambiental e pagamento por serviços ambientais a populações tradicionais e indígenas, além de assentados quando promoverem preservação de suas áreas.

Próximos passos

Para Florence Laloe, da organização Iclei – Governos Locais para a Sustentabilidade, que está estruturando fóruns estaduais de mudanças climáticas em Pernambuco e na Bahia, além de Mato Grosso, os próximos passos serão submeter a minuta de projeto de lei à Assemblélia Legislativa até março e também naquele âmbito serem realizadas consultas públicas. “A proposta é que a política seja amplamente discutida pelo fórum, com organizações da sociedade civil e as secretarias de governo”, disse Florence.

Alguns estados da Amazônia Legal, como Pará e Amapá, estão dando andamento às suas políticas estaduais sobre mudanças climáticas com a ajuda de consultorias como a Fundação Getúlio Vargas (FGV). A primeira política estadual foi feita em 2007 pelo estado do Amazonas. Ano passado, o governo de São Paulo também aprovou a sua lei, contendo metas de redução da ordem de 20% até 2020. “Em 2009 Mato Grosso estabeleceu metas ambiciosas, de 87%, e grande parte da redução desses gases virá de ações de controle de desmatamento e queimadas. Outro diferencial é que o fórum de mudanças climáticas em Mato Grosso foi estabelecido por lei e não decreto, então representa um marco legal mais sólido”, explicou Florence.

Serviço:
Coordenadoria de Mudanças Climáticas da Sema-MT
65-3613 7276 e 7351

Minuta do projeto de lei da Política Estadual de Mudanças Climáticas de Mato Grosso


  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

Leia também

Notícias
28 de março de 2024

Estados inseridos no bioma Cerrado estudam unificação de dados sobre desmatamento

Ação é uma das previstas na força-tarefa criada pelo Governo Federal para conter destruição crescente do bioma

Salada Verde
28 de março de 2024

Uma bolada para a conservação no Paraná

Os estimados R$ 1,5 bilhão poderiam ser aplicados em unidades de conservação da natureza ou corredores ecológicos

Salada Verde
28 de março de 2024

Parque no RJ novamente puxa recorde de turismo em UCs federais

Essas áreas protegidas receberam no ano passado 23,7 milhões de visitantes, sendo metade disso nos parques nacionais

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.