Reportagens

Nem pragas, nem vetores

Exposição no Museu da República usa cultura popular para aproximar a população dos insetos. Ideia é ressaltar equilíbrio ecológico e desmistificar ameaças.

Felipe Lobo ·
25 de janeiro de 2010 · 14 anos atrás

 

Imagem do borboletário no Museu da República. foto: Divulgação


O olhar comum sobre os insetos não costuma ser muito generoso. É corriqueiro, por exemplo, ouvir que estes seres pequeninos só existem para espalhar pragas e doenças. Com o intuito de aproximar a população dos animais que são indispensáveis para o equilíbrio ambiental de diferentes ecossistemas, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC, braço da Fiocruz) iniciou uma pesquisa em 2007 a respeito da inserção dos bichinhos no imaginário coletivo. O resultado é a exposição “Insetos na cultura brasileira”, que abriu as portas no último dia 15 de janeiro no Museu da República, Rio de Janeiro, e segue até 14 de março.

A ideia de uma mostra com estas características surgiu após o IOC fazer um levantamento da percepção que cada grupo social tinha sobre os insetos. As opiniões eram distintas e mudavam de acordo com a posição geográfica: enquanto, nas áreas urbanas, o horror dos bichos e erros de categorização estão arraigados, nas zonas rurais é maior a consciência acerca da importância de conservação dos habitats para a polinização e decomposição da matéria orgânica – trabalhos realizados com eficiência pelo grupo.

Esculturas de insetos gigantes em exposição
foto: Divulgação

“Percebemos que as pessoas não se identificavam com folhetos como o do Aedes Aegypti (mosquito transmissor do vírus da dengue). Olhavam aquela representação de um mosquito gigante desenhado, todo colorido, e falavam: ‘ah, na minha casa não tem um desses’. Por isso, trabalhamos para mostrar que o inseto está presente em tudo, desde ornamentação, cânticos, até a natureza em si”, afirma Ricardo Lourenço, entomólogo do IOC e curador da exposição.

Ele, porém, também chama atenção para outro ponto importante que fez parte da espinha dorsal da pesquisa prévia – a maioria dos insetos não é nociva. Já a pequena parte que pode propagar vírus de doenças transmissíveis para os humanos, o faz ao acaso. O indivíduo precisa se defender da própria doença e sofre os seus efeitos. “E as pragas agrícolas, em alguns casos, só acontecem porque o homem desequilibrou o ambiente antes. Cada tipo de inseto gosta de determinadas espécies de plantas. Se uma floresta é desmatada para fazer monocultura, surgem mais animais que se alimentam daquilo”, esclarece.

As funções ecológicas desempenhadas por este conjunto de bichos são de fundamental importância para a harmonia na natureza. Além de serem grandes polinizadores, o que auxilia na reprodução das flores, eles ocupam um papel indispensável na cadeia alimentar, já que são comida de peixes e inúmeros marsupiais, entre outros. Isto sem contar as características mais básicas, como o fornecimento de ingredientes para os campos e cidades, como o mel da abelha.

Passeio entre os insetos

A mostra, disposta em locais abertos e fechados no pátio interno do Museu da República, recebeu mil visitantes durante os primeiros quatro dias. Além da riqueza de detalhes, ela conta com um anfitrião do mais alto gabarito: trata-se do palácio onde residiam os presidentes da República na época em que o Rio de Janeiro era a capital federal. O primeiro ponto de parada é a gruta, que fica ao lado do estacionamento de carros. Dentro dela, é possível assistir a um vídeo com imagens de insetos na natureza, além de parte da coleção oficial do Instituto, que já tem cem anos, guardada em gavetas com naftalina. Há, ainda, representações artísticas dos animais e fones de ouvido para escutar lendas e cantigas.

Ao sair da pequena caverna, a dica é andar pelos corredores de terra do museu em direção ao borboletário. No caminho, não se esqueça de ler os cartazes espalhados com frases de pensadores famosos e artistas populares de várias regiões do país. Um pouco mais adiante, uma espécie de estufa atrai o maior número de curiosos. É lá onde estão 11 espécies de borboletas, que voam, se reproduzem, polinizam as flores (entre as quais a do maracujá e da tangerina) e colocam ovos. Aliás, é possível acompanhar o nascimento de lagartas – em duas semanas elas já estão grandes.

Exposição recebeu 1 mil visitantes nos primeiros
quatro dias. Foto: Felipe Lobo

“Temos, ao todo, oito monitores na exposição. Eles foram capacitados antes e se distribuem nas diferentes áreas. Ou seja, os visitantes têm todos os tipos de informações. Podem, por exemplo, ver todas as fases da vida da borboleta”, diz Tatiana Pires, pedagoga formada na Universidade Federal Fluminense (UFF) e chefe da equipe de monitores. “Já no coreto temos a visão do artista sobre a vida dos insetos”, indica.

Nele – uma casa que fica quase no limite do pátio com a Praia do Flamengo – há uma série de objetos feitos por artesãos brasileiros inspirados nos insetos. O público pode conferir bichos feitos com arame, garrafas pet e outros materiais vindos de toda a parte do Brasil, desde o Paraná até Natal. Para as crianças, existem os brinquedos idealizados a partir dos movimentos reais que estes animais fazem em seus habitats selvagens.

O passeio termina com esculturas gigantes colocadas em gramas ao ar livre de mosquitos e outros bichos. Em alguns deles, que foram enviados por escolas de samba, pode-se tocar e tirar fotografias. Aliás, a relação com uma das festas mais aguardadas do ano é outro mote do trabalho organizado por Lourenço. “O mundo dos insetos é muito aproveitado no Carnaval. Utilizar o processo de cultura, principalmente a popular, com músicas, fantasias e afins, para mostrar a importância ecológica deles é essencial. E fazer isto de maneira lúdica, divertida, não acadêmica, aproxima mais a sociedade”, avalia Felipe Ferreira, coordenador de Centro de Referência do Carnaval da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), um dos realizadoras do evento.

Embora a intenção seja mostrar as características destas formas de vida e a sua relevância, a chegada do verão é sempre um alerta para o risco de nova epidemia da dengue. Os cuidados básicos são simples e Lourenço, especialista no assunto, deixa um recado. “De modo geral, é preciso entender que as residências são ambientes procurados pelo Aedes. Ele é antrópico, gosta do contato com o homem. Então, a vigilância é requisito e deve-se deixar a água parada sempre vedada”, finaliza.



Serviço
Exposição “Insetos na Cultura Brasileira”
Data: Até o dia 14 de março, entre 9hs e 17hs.
Local: Museu da República – Rua do Catete, 153/ Catete/ Rio de Janeiro
Contato: 55 21 3235.2650

Saiba mais
Insetos e meio ambiente

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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