Reportagens

Ilha Grande em busca da pesca responsável

Estudo mostra que, por não ter regras, pesca artesanal causa impactos na Baía da Ilha Grande. Maioria de pescadores não sabe da existência das unidades de conservação.

Felipe Lobo ·
8 de outubro de 2009 · 14 anos atrás
                                             
Na Baía da Ilha Grande, regulamentação da pesca artesanal protegerá a biodiversidade (foto:Enrico Marone)
 

Situada entre as duas maiores metrópoles da América Latina (Rio de Janeiro e São Paulo), a Baía da Ilha Grande sofre com o impacto da especulação imobiliária e a intensa atividade da indústria pesqueira. Rica em biodiversidade, ela abriga um mosaico de onze unidades de conservação para proteger seu território, mas a fiscalização do governo ainda é incipiente. Para tentar preencher esta lacuna, a entidade carioca sem fins lucrativos Instituto BioAtlântica (Ibio) realiza o projeto Mares da Ilha Grande. Com duração até o inicio do próximo ano, o trabalho pretende fazer um amplo diagnóstico da pesca artesanal e entender a sua relação com as áreas protegidas.

Clique aqui para baixar oa síntese do diagnóstico 

Feito a partir de entrevistas com pescadores de 34 principais comunidades , os primeiros resultados trazem um quadro assustador. Dos 413 pescadores entrevistados e que serviram, 38,5% disseram não saber da existência de qualquer zona de proteção entre Paraty, Angra dos Reis e Ilha Grande (que, juntos, formam a Baía). Isto é suficiente, por exemplo, para explicar os conflitos que existem entre as comunidades e os órgãos ambientais. Alguns reclamam da truculência dos fiscais de unidades de conservação, embora não saibam que estão dentro de uma.

Pescadores não sabem da existência de áreas protegidas (foto:E. Marone)

“Acreditamos na importância prioritária de áreas preservadas para a manutenção da pesca. Abrí-las significa suprimir berçários de espécies e reduzir os estoques de peixes. Eles estão em depressão a cada dia. Mas também entendemos que a população precisa ter acesso a recursos e, para isso, é necessário diálogo. Uma opção é aceitar o manejo sustentável em determinado lugar, mas conservar integralmente outro a partir de estudos científicos acurados. O problema é que temos carência de informação biológica da pesca e biodiversidade. Com isso, seria possível propor novo zoneamento para a área”, afirma Enrico Marone, coordenador do trabalho.

Há dois anos, o maior inventário sobre a natureza subaquática da Baía, encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente, foi lançado: “Biodiversidade Marinha da Baía de Ilha Grande”. Organizado por Joel Creed, inglês formado em botânica marinha e pesquisador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o documento avaliou a diversidade de peixes, corais, ouriços, macroalgas, crustáceos e moluscos de 42 pontos diferentes. A conclusão é simples: nos lugares menos acessíveis, no oceano aberto, há maior riqueza de fauna e flora. Quanto mais próximo às cidades, menor a incidência de vida.

Contudo, a fauna e flora ainda são extensas na região. Durante os estudos de campo, Creed e sua equipe ampliaram a distribuição de 180 espécies que, até então, não tinham sido registradas ali, e encontraram exemplares de outras ameaçadas de extinção. Entre as causas do possível desaparecimento de bichos estão a poluição causada pela ocupação de encostas e margens de rio, além de um terminal de petróleo – cujo principal risco é causar derramamento de óleo no mar.

“Trata-se de um reservatório importante de animais em risco. Dividimos a Baía em regiões, pegamos fatores impactantes e criamos índice de dano ecológico em cima de vários fatores. Há, sim, uma quantidade menor de fauna e flora em espaços de maior pressão. Um dos fatores era a pesca”, assegura Creed.

Acordo da pesca

Acordo com pescadores será coordenado pelo governo federal

Ao todo, estima-se que duas mil embarcações de pequeno, médio e grande portes circulem pela Ilha Grande. Por isso, o Ministério de Pesca e Aquicultura começou, no primeiro semestre, as discussões para um Acordo de Pesca na região. O diálogo, que já tinha dado os primeiros passos através do Instituto Estadual do Ambiente (Inea-RJ), ganhou força a partir do diagnóstico elaborado pelo Ibio. Depois da fase de mobilização inicial, o governo federal apresentou as propostas aos municípios envolvidos e, em julho, as lideranças de Angra e Ilha Grande ratificaram a ideia. Em Paraty, um novo encontro será agendado.

“Estamos preparando o Acordo para mostrar agora em outubro, ou novembro. Vamos ao crivo da população e, em seguida, em busca de financiadores. O estabelecimento das bases, mapeamento participativo e refino do diagnóstico duram um ano. O seguinte será usado para implementação, monitoramento e avaliação primária. O ministério ficará responsável, acredito, por uma parte da fiscalização”, diz Alexandre Kirovsky, assessor da secretaria adjunta. De acordo com ele, há inclusive entendimentos entre atores da pesca artesanal e industrial.

Kirovsky admite que as comunidades locais perderam sítios tradicionais de pesca. Mas toca em um ponto, no mínimo, controverso. “A Estação Ecológica de Tamoios poderia ter maior aproximação com pescadores, criar alternativas. Não sou contra unidades de conservação, mas também não houve consulta pública à época de sua criação. Nós ouvimos, por exemplo, que existem barcos de turistas que entram lá. Quero deixar claro, no entanto, que não vamos ferir o quadro legal e todas as áreas protegidas serão respeitadas”, afirma.

Para Enrico Marone, do Ibio, a sustentabilidade ambiental, socioeconômica e cultural na ilha está muito comprometida. Em conseqüência, diversas pessoas abandonaram suas características usuais e partiram para o turismo ou outras atividades. “A pesca artesanal é melhor para o meio ambiente, mas se feita de forma correta. Não existe ordenamento pesqueiro na região”, diz. Apesar de não haver dados concretos sobre o impacto da profissão no ecossistema marinho, Kirovsky diz que a ancoragem em lugar equivocado fere os bancos de corais e existe, sim, arrasto de camarão.

No GeoAtlântica, base de informações sobre a Mata Atlântica que o Ibio dispõe na internet, é possível encontrar textos sobre legislação ambiental na Baía e uma detalhada pesquisa de cada uma das 34 comunidades estudadas pelo projeto “Mares da Ilha Grande”. Atualmente, algumas delas são capacitadas pela entidade em maricultura, artesanato ou ecoturismo. No próximo ano, quando o trabalho chegar ao fim, será disponibilizada uma cartilha para a pesca com todas as regulamentações, possibilidades de manejo e função das áreas conservadas.

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  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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