Reportagens

É pagar para ver

Pesquisadores simulam condições para aplicação do pacto de desmatamento zero em Mato Grosso. Para funcionar, o ideal é usar estratégias diversas para pagamento de serviços ambientais.

Andreia Fanzeres ·
30 de abril de 2008 · 16 anos atrás

O Instituto Centro de Vida (ICV) lançou nesta semana um estudo piloto que simula a aplicação do pacto de desmatamento zero em Mato Grosso. A proposta contempla o pagamento por serviços ambientais com base no princípio do custo de oportunidade. Ou seja, os ganhos que proprietários teriam convertendo a floresta em outras atividades podem ser calculados em hectares. No caso de Mato Grosso esse valor varia entre 24 e 168 reais por ano. Mas não é a única maneira de compensação pela manutenção dos recursos naturais no estado. O estudo sugere diferentes medidas de incentivo a pequenos produtores, assentados, populações tradicionais em diversas escalas de aplicação. Mas parte do pressuposto de que, para sair do papel, a Secretaria de Meio Ambiente tem que ser fortalecida. Isso, segundo os cálculos dos pesquisadores, vai custar um acréscimo de pelo menos 10 milhões de reais ao ano no orçamento atual da área ambiental de Mato Grosso.

Os números podem parecer altos, mas são todos minuciosamente justificados no estudo, feito em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e a TNC. A intenção de começar a pensar na aplicação do pacto por Mato Grosso foi oportuna. O estado que lidera os rankings de desmatamento sofre imensas pressões econômicas vindas do agronegócio e da exploração florestal sem governança. Em compensação, já há promessas de empresários, tem um sistema de licenciamento de propriedades considerado bom e uma situação fundiária não tão caótica como em outros estados.

Nos últimos dez anos, Mato Grosso foi responsável por 40% do desmatamento na Amazônia, e gerou, por causa disso, um bilhão de toneladas de carbono. São 100 milhões de toneladas por ano, o que representa 10% do total de emissões mundiais provenientes do desmatamento. Não é pouco. Em área, desmatou 172 mil quilômetros quadrados de florestas e 149 mil de Cerrado, 92% dos quais em áreas privadas. O estudo mostra que a pecuária corresponde a 73% das áreas abertas no estado e a agricultura 27% do total. A exploração madeireira retirou nesses anos oito milhões de metros cúbicos de toras, quase tudo sem a menor preocupação com manejo sustentável.

Para lidar com essa realidade, os pesquisadores listaram as principais adaptações que Mato Grosso precisa promover se quiser realmente reduzir as derrubadas numa gradação de sete anos.

Condições básicas

O primeiro passo para sair do papel é concluir o cadastramento ambiental de todas as propriedades rurais na área de abrangência do pacto. Hoje, o ICV apurou que uma área equivalente a 30% do estado estão incluídas nos cadastros da Sema, requisito básico para a concessão das licenças ambientais das propriedades. Por ano, a taxa de inclusão não supera os 2%, o que é claramente insuficiente, assim como as rotinas atuais de fiscalização, que precisam ser intensificadas. “A Sema já mostrou que tem capacidade de ir a campo quando quis verificar os dados do Deter. Agora precisa ir a campo para autuar”, orienta Laurent Micol, do ICV, um dos autores do estudo.

É recomendável que o estado também implemente um centro de monitoramento ambiental desvinculado da Sema, com capacidade científica e parceria com organizações da sociedade. E ainda diferencie corte raso e degradação florestal (incluindo o fogo) no mapeamento da dinâmica de desmatamento nos últimos dez anos, entre outras medidas sugeridas. A criação e a implementação efetivas das unidades de conservação seriam uma alternativa de compensação de reservas legais para regularização ambiental de propriedades que desmataram mais do que deviam. Só após essa fase de regularização de áreas publicas e privadas é que seria seguro negociar pagamento de serviços ambientais aos proprietários. “Cada vez mais todos estão enxergando que um órgão ambiental forte é uma condição para o bom funcionamento da economia do estado. Não só para ter mais sucesso na conservação do meio ambiente”, diz Micol.

Os investimentos na Sema foram avaliados em 8,3 milhões de reais anuais, além do orçamento da secretaria. Só os gastos com equipamentos e veículos foram calculados em 2,3 milhões ao ano. Os assentamentos em situação ambiental mais crítica no estado demandam 68 milhões de reais por ano. E a aplicação do sistema de pagamento por serviços ambientais em propriedades custaria cerca de 670 milhões de reais, dependendo da prioridade das ações.

O retrato do estado e as primeiras medidas sugeridas, no entanto, representam ainda poucos dados para o que um programa de redução de emissões sério demanda. “Para essa proposta inicial, tivemos que estabelecer uma linha de base de emissões, que nos últimos dez anos foi de um milhão de toneladas de carbono. Mas essa ordem de grandeza tem que ser mais precisa, assim como um mapa de biomassa melhor para Mato Grosso e toda a Amazônia”, lembra. Segundo Micol, a estimativa do governo federal de 100 toneladas de carbono por hectare ainda é abrangente demais para fazer esse tipo de trabalho.

Pactos locais

Por causa dessa necessidade de detalhamentos, Micol sugere que o ideal seria aplicar o pacto utilizando diversas ferramentas, dependendo da realidade de cada região do estado. “Teríamos que fazer um piloto em escala reduzida, em consórcios municipais. Uma estratégia muito interessante seria começar pelos municípios mais críticos e experimentar”, diz o pesquisador. Segundo ele, já existe uma predisposição entre alguns municípios, como Marcelândia e Alta Floresta para emplacarem as medidas de redução de emissões, em troca de alguma remuneração. “Esse acordo, até onde temos visto, é bem possível de ser alcançado”, opina.

O pagamento por serviços ambientais em terras indígenas demanda outros instrumentos. “A gente tem certeza que eles [os índios] têm que ser contemplados, mas ainda não sabemos ao certo como isso funcionaria”. Uma das idéias é calcular uma taxa de desmatamento na região se não houvesse uma área protegida. Isso seria a base para um cálculo de remuneração, embora ainda gere controvérsia. No caso dos pequenos produtores e assentados, a recomendação é por uma remodelação do programa Proambiente, do governo federal. De acordo com o estudo, as famílias incluídas no programa hoje recebem uma compensação única, que não especifica a quantidade nem o serviço ambiental prestado. “O programa foi feito para pagar por serviços ambientais, mas isso aconteceu de forma parcial e descontínua, com muito mais ênfase na oferta de assistência técnica”, opina Micol.

Compensações financeiras

A inclusão da compensação financeira por atividades ilícitas é um dos pontos mais controversos da proposta do pacto de desmatamento zero. Micol defende que atualmente que é preciso considerar, nas propostas efetivas de redução de desmatamento, que 90% das derrubadas ocorrem ilegalmente, por isso é difícil abordar neste plano apenas o que poderia ser legalmente desmatado. “Mato Grosso já desmatou mais do que poderia, mas nem por isso parou”, lembra. “O pagamento não é uma compensação só para que se cumpra a lei, mas para remunerar um serviço que determinada área de floresta está promovendo à sociedade como um todo”, diz o pesquisador do ICV. O estudo cogita ainda que o pagamento seja vinculado a outras obrigações além de não desmatar, como proteger as matas contra o fogo, investir no aumento de produtividade em áreas já abertas, praticar manejo sustentável e reflorestamentos.

O valor exato da compensação sairia por meio da realização de leilões, com quantias a receber sugeridas pelos próprios proprietários por hectare preservado. Esse instrumento, já aplicado em países como Austrália e Estados Unidos, ainda é uma novidade no Brasil, e é totalmente vinculado a um valor base do custo de oportunidade. “Você cria uma concorrência entre possíveis interessados. Propostas muito elevadas não serão contempladas”, explica Micol.

Em função da natureza financeira do pacto, seu sucesso está totalmente vinculado à garantia de que esses recursos de compensação serão, pelo menos, de médio prazo. No entanto, essas fontes ainda não foram definidas ou negociadas. Os pesquisadores imaginam que boa parte viria de recursos internacionais, pois há cada vez mais empresas e governos dispostos a bancar projetos de redução de emissões no mercado internacional de carbono. “Existe uma disposição global de pagar para reduzir o desmatamento na Amazônia. A gente precisa é de uma boa proposta”.

Neste mês de maio deverão acontecer mais conversas com empresários e com o governo do estado sobre o pacto de desmatamento zero em Mato Grosso. É preciso esforço concentrado e uma vontade política que tem que se manifestar, afinal de contas a proposta se chama pacto”, lembra Micol. “Nós acreditamos que pode dar certo, mas para isso todo mundo tem que se dispor a pagar pra ver”. Literalmente.

Leia estudo completo.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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