Reportagens

Balde de água fria

Autor de “ O ambientalista cético” lança livro contra Kyoto e pede um discurso mais ponderado sobre os impactos do aquecimento global. Para Lomborg, a humanidade tem outras prioridades.

Carolina Elia ·
10 de outubro de 2007 · 16 anos atrás

De tênis, camiseta preta e calça jeans, Bjorn Lomborg, o cientista-político dinarmaquês nomeado pela revista Times uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, gracas ao seu best-seller ¨ O ambientalista cético¨, defendeu semana passada em Londres seu mais novo livro, “Cool It – The Skeptical Environmentalist’s Guide to Global Warming”. Em tom de conversa de mesa de bar, disse para a platéia convidada pela London School Of Economics and Political Science (LSE) que reconhece o aquecimento global como um problema relevante e importante de ser enfrentado. Mas não como o mais urgente se o objetivo é garantir qualidade de vida para as gerações futuras.

Para Lomborg, seguir a cartilha do Protocolo de Kyoto (o tratado internacional que prevê redução de gases de efeito estufa em 5,2%) e investir 180 bilhões de dolares por ano em cortes de emissão de carbono pelas próximas quatro décadas será desperdício de dinheiro. Os beneficios não justificam os custos, ele afirma. Lomborg defende, e calcula sem explicar muito bem como, que se cada país se comprometer a investir 0.05% do seu PIB em pesquisas e desenvolvimento de tecnologias livres de carbono durante o mesmo período de tempo, a humanidade gastará apenas um sétimo da quantia proposta por Kyoto e entregará às gerações futuras um mundo mais preparado para enfrentar as consequências graves do aquecimento global, previstas para 2050. Ele acredita que este tipo de investimento , que vem minguando nas últimas decadas, incentivará o desenvolvimento dos países mais pobres e permitirá que seus habitantes cheguem à segunda metade do século 21 mais ricos, alimentados, saudáveis e com maior qualidade ambiental.

Isso seria possível porque o aquecimento global tem pontos positivos, sustenta Lomborg em seu novo livro. Casando dados de diferentes fontes, ele argumenta que as mudanças climáticas provocarão maior aumento de temperatura no inverno do que no verão. E que o número de pessoas que deixará de morrer de frio será bem maior do que a quantidade de óbitos provocados por calor. Segundo Lomborg, o numero de mortes por frio na Europa hoje é sete vezes maior do que o causado por ondas de calor. Dados da BBC citados no livro atestam que entre 1998 e 2000, a Grã-Bretanha registrou 47 mil mortes anuais por frio.

Ele defende que o aquecimento da terra elevará primeiro a temperatura do solo e depois a das águas – o que pode ser benéfico para a agricultura. E que o degelo dos glaciares irrigará terras inférteis e aumentará a disponibilidade de água potável para certas comunidades. Portanto, ajudará a desenvolver nações. E se a maior oferta de água provocar um aumento no nível do mar, não será nada que países – principalmente aqueles que estiverem em ascensão econômica e tecnológica, não possam controlar.

Para combater enchentes ou ondas de calor em centros urbanos, Lomborg acredita que há soluções mais inteligentes e eficazes a serem postas em prática do que cortar emissões de carbono. Entre elas, aumentar o acesso das pessoas ao ar-condicionado e serviços médicos, além de proibir construções irregulares. O planejamento de cidades é colocado por ele como essencial tanto para minimizar estragos provocados por furacões e outros fenômenos naturais quanto para esfriar as cidades. Pelos cálculos de Lomborg, para fazer a temperatura média da cidade de Los Angeles baixar 3 graus quase que imediatamente, a receita é aplicar 1 bilhão de dólares no plantio de 11 milhões de árvores pela cidade, colocar painéis solares em suas 5 milhões de casas e pintar o asfalto das famosas highways de branco.

Radical? Lomborg defende que é mais sensato e generoso com as gerações futuras do que gastar trilhões para cortar no máximo 10% das emissões de carbono, que continuam em ascensão apesar do debate sobre o tema já perdurar mais de uma década. “Em princípio, deveríamos fazer todas as coisas boas. Mas até que consigamos fazer todas, nós deveríamos nos concentrar em fazer as melhores primeiro”, escreve o cientista politico já no fim de seu livro ao defender um discurso mais equilibrado e proporcional aos “reais” efeitos das mudanças climáticas a curto e médio prazo na vida das pessoas.

Lomborg acusa os formadores de opinião pública de estarem alimentando uma histeria entorno de um fenômeno que esconde lados positivos e soluções mais inteligentes e menos daninhas à econômia e ao crescimento das nações. Ele afirma que Al Gore só contou uma parte da história no documentário “ Uma verdade inconveniente”. Classifica os relatórios do IPCC divulgados este ano e o do economista inglês Nicholas Stern (publicado no ano passado) como peças políticas e diz que a mídia prioriza a má noticia. Por fim, alfineta as lideranças que hoje caminham para fechar acordos com os quais lavarão suas mãos diante do aquecimento global, mas nao trarão necessariamente benefícios tanto para a geração atual quanto para a futura.

Para o cientista político, hoje é mais importante investir grandes somas de dinheiro em educação, combate a AIDS, erradicação da malária e saneamento basico – medidas que fortalecerão os países para enfrentar a segunda metade do século. Enquanto isso, a melhor fórmula para se lidar com o aquecimento global nos próximos anos será cada país investir individualmente em pesquisas de fontes de energia mais limpas.

Lomborg cita o Consenso de Copenhague – onde economistas apontaram quais seriam os melhores investimentos para o mundo-, e opiniões de chefes de estado sobre quais são suas prioridades, para reforçar que o combate às mudanças climaticas não é mais prioritário do que investimentos contra a pobreza. “[Ao se recusarem a assinar Kyoto], tanto a China quanto a Índia estão essencialmente nos dando o recado que há outras prioridades, como alimentos e desenvolvimento”, argumenta Lomborg.

“Cool it”, que em português poderia ser traduzido como “fica frio” ou “acalme os ânimos”, tenta desconstruir quase todos os pontos e documentos que estão sendo usados para convencer governos a adotarem cortes na emissão de carbono. Nem a possível extinção dos ursos polares sensibilizou o autor, que calcula que Kyoto será capaz de salvar apenas um animal por ano enquanto caçadores matam mil no mesmo espaco de tempo.

O caso é praticamente a única citação aos desafios de adaptação que a biodiversidade enfrentará com as mudanças climáticas. O foco do livro é enfraquecer os principais argumentos sociais que emergiram nos últimos anos e que baseiam as políticas de redução das emissões de carbono. A natureza ficou de fora da linha de tiro do autor. Por quê? Lomborg, que constrói seus livros utilizando o cruzamento de dados, diz que faltam séries históricas sobre a biodiversidade

“Cool it” foi lancado em setembro nos Estados Unidos e chegou este mês nas livrarias européias.

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