Reportagens

Festinha estatal regada a diesel

Petrobras promove evento em São Paulo para divulgar apenas suas boas ações e se esquivar da culpa sobre atraso na produção de diesel menos poluente.

Redação ((o))eco ·
14 de janeiro de 2009 · 15 anos atrás

Representantes de entidades envolvidas na diminuição do teor de enxofre no diesel que abastece milhões de veículos no país – Ministério Público Federal, Petrobras, Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental de São Paulo (Cetesb) – estiveram reunidos na manhã desta terça (13) para a apresentação de um “balanço dos primeiros dias de fornecimento de diesel” com 50 partes por milhão de enxofre, que passou a circular em ônibus urbanos de Rio de Janeiro e São Paulo no primeiro dia do ano. Pelo tom amistoso e pelo clima de “comemoração”, não era possível saber que, há apenas alguns meses, tais entidades estavam envolvidas em briga ferrenha.

Durante a atividade, promovida pela Petrobras, pouca coisa nova veio à tona. O tempo foi utilizado para que a estatal defendesse, mais uma vez, sua “inocência” no descumprimento da Resolução 315 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) – que dispunha sobre a quantidade de enxofre no diesel e previa a diminuição gradativa do poluente, em toda a frota brasileira, a partir de janeiro deste ano. A resolução foi invalidada pelo acordo realizado entre as partes envolvidas, além de MMA e Ministério Público Federal, que deu origem a um novo texto, a Resolução 403/2008, que trata da utilização de diesel mais limpo somente em veículos pesados.

Inspeção parcial

A inspeção veicular – que verifica a quantidade de fumaça preta expelida pelos escapamentos – é outro importante fator no controle da qualidade do ar nas grandes cidades. Em São Paulo, a verificação foi iniciada em 2008, para todos os veículos, não importando sua idade ou combustível. Sem o laudo da inspeção, os motoristas não podem licenciar seus automóveis. O alívio nos pulmões paulistanos, no entanto, durou pouco. Por decisão do poder público municipal, este ano estão obrigados a passar pela vistoria somente os carros (movidos à álcool, gasolina ou gás) fabricados entre 2003 e 2008. Isso significa que os carros produzidos até 2002, isto é, os mais velhos e que poluem mais, podem circular livremente. “Fiquei frustrada esse ano [com a atitude do poder municipal], diz a procuradora da República Ana Cristina Bandeira Lins.

A estatal também aproveitou a oportunidade para divulgar suas boas ações, como o investimento de 2 bilhões de reais na construção de novas refinarias adaptadas ao combustível mais limpo, o repasse de apenas 0,0063 reais para cada litro do novo combustível já no mercado e o aumento em 3% na quantidade de diesel produzido no país – cerca de 70% do diesel disponível no Brasil é importado.

Essa postura agradou alguns participantes. A procuradora da República Ana Cristina Bandeira Lins, por exemplo, disse que estava “muito satisfeita” ao ver que a empresa cumpria seus prazos. Já Carlos Eduardo Komastu, gerente de tecnologia da Cetesb, fez questão de afirmar que “aqueles que antes eram inimigos, agora não se desgrudam”, e que hoje estão “todos do mesmo lado”.

Apesar da boa figura apresentada, a Petrobras ainda está no olho do furação. O Ministério Público Federal continua suas análises sobre normas e ações aplicadas desde a publicação da Resolução 315 para identificar quem são os culpados pelo atraso e o inquérito civil segue aberto. Além disso, ainda esta semana deve ser enviado ao Conama uma proposta de resolução para que seja criada uma comissão de acompanhamento. Sua função será verificar o trabalho de todos os envolvidos no assunto – como Agência Nacional do Petróleo (ANP), Petrobras e montadoras – para impedir que não se repita em 2012 o que aconteceu ano passado. “Minc [Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente] está fazendo um esforço grande para que [os envolvidos] não percam o fio da meada”, diz Rudolf Noronha, diretor de Qualidade Ambiental do MMA. Assim se espera!

Novos prazos do diesel

Pelo acordo fechado entre Ministério Público, MMA, Petrobras, ANP e Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a partir de 1º de janeiro começou a circular o diesel S-50 nas frotas cativas – de ônibus que operam em linhas regulares, possuem ponto de abastecimento e cujas linhas iniciam e acabam no mesmo município – de São Paulo e Rio de Janeiro, e o diesel com 1.800 ppm de enxofre, no interior. Em maio, o S-50 estará disponível para frota de veículos metropolitanos de Fortaleza (CE), Recife (PE) e Belém (PA).

Em agosto será a vez de Curitiba (PR). Em janeiro de 2010, o combustível mais limpo será disponibilizado para frotas cativas de ônibus em Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (MG) e Salvador (BA), além da Região Metropolitana de São Paulo. No ano seguinte, 2011, as regiões metropolitanas da Baixada Santista, Campinas, São José dos Campos e Rio de Janeiro devem receber o novo diesel.

O acordo ainda prevê a antecipação, para janeiro de 2013, do uso do diesel com 10 partes por milhão de enxofre, mesma quantidade hoje usada na Europa. O prazo inicial era 2016. Vale lembrar que a resolução trata apenas de veículos pesados – caminhões e ônibus, por exemplo – e não de carros de passeio. A Petrobras também se comprometeu a investir 1 milhão de reais no programa de fiscalização de emissão de “fumaça preta” da Cetesb.

Para além do combustível

Apesar da diminuição no teor do enxofre no diesel estar no centro das discussões, não é somente ela que garantirá a melhoria na qualidade do ar. Outras questões sérias estão em jogo, como a idade dos veículos que rodam no Brasil.

Atualmente, estima-se que cerca de 70% dos caminhões e ônibus do país tenham entre 20 e 30 anos de uso. A utilização do diesel com 50 ppm de enxofre em motores novos, já adaptados ao novo combustível, pode significar redução de até 40% na emissão de partículas poluentes. Em motores antigos, a cifra não passa dos 10%. Não haver motores adaptados ao novo combustível foi uma das desculpas dadas pela Petrobras para o atraso na distribuição do combustível.

Implementar uma política de renovação de frota, no entanto, não é tarefa simples. Exige atuação direta do poder público na verificação de questões de logística e participação de montadoras, já que o novo cenário é de encher os olhos e bolsos das produtoras de veículos. Segundo Rudolf Noronha, do MMA, a pasta já começou a trabalhar em um programa de renovação da frota, mas tudo está em “estágio embrionário”. Não há data para que o programa seja executado.

Em 2013, quando o diesel com 10 ppm de enxofre começar a circular, outra questão deverá ser levada em conta. Motores que aceitam o uso de disel S-50, chamados de Euro 3, não possuem equipamentos de controle externo de emissão de poluentes, como catalizadores e filtros. Já nos que usam o S-10, eles são necessários para atender os limites de emissão. O problema é que o enxofre pode atacar os equipamentos. A saída encontrada foi utilizar um aditivo a base de uréia para proteger o motor. Em termos simplificados, isso quer dizer que, além do diesel menos poluente, todos os postos também terão de oferecer o aditivo. Adivinhe quem pagará a conta?

Segundo André Ferreira, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente, não será necessário um tanque de uréia nos postos – como foi alardeado durante a coletiva de hoje -, já que a proporção entre os elementos não é igual. “A relação varia, mas, de modo geral, a cada 100 litros de diesel, são necessários de 4 a 6 litros de aditivo de uréia”, explica. Sua função é reagir com os compostos gerados pela queima do diesel, reduzindo a poluição.

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