Reportagens

Mudança de hábito

São Paulo comemora o “Dia Mundial Sem Carro”, mas nem governos ou boa parte da sociedade dão bola para a iniciativa. Perdem uma chance de se acostumar a uma vida mais saudável.

Cristiane Prizibisczki ·
20 de setembro de 2007 · 17 anos atrás

Sabe aquela bicicleta guardada na garagem, o tênis esquecido no fundo do armário e até os patins que já deixaram de ser usados faz tempo? Pois os paulistas estão convidados a colocá-los novamente na ativa para tentarem curtir mais uma vez o “Dia Mundial Sem Carro” neste sábado. Já são 10 anos de movimento, que além de ajudar a reduzir a poluição do ar por meras 24 horas, pretende conscientizar sobre formas de locomoção menos impactantes ao planeta. Mas a julgar pela adesão ao movimento aqui no Brasil, que existe desde 2001, a moda não pegou.

“Nós vamos fazer porque somos teimosos, pois ainda serão necessários muitos anos para que a população se conscientize de verdade”, diz Eric Ferreira, curador da área de transportes do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IMAE), uma das organizações parceiras no projeto. Quem parece que também não se tocou foi a Companhia de Engenharia e Tráfego de São Paulo (CET). Apesar dos acenos do governo municipal no sentido de apoiar o movimento o órgão negou ajuda aos organizadores. A idéia era fechar parcialmente algumas ruas do centro da cidade no dia 22 para uma grande “bicicletada”. O projeto foi rejeitado.

À reportagem de O Eco, a assessoria da prefeitura de São Paulo alegou que o governo municipal apóia, sim, o “Dia Mundial Sem Carro”. Mas recusou o pedido dos organizadores porque prefeitura está muito envolvida com outro evento na cidade, previsto para ocorrer no mesmo dia. Se os discursos políticos são apenas um modo de os governantes fazerem média com setores da sociedade ou não, é impossível saber. Mas está claro que o movimento se ressente de um apoio concreto do governo municipal para que possa alavancar.

Bom humor

Contornando as dificuldades de logística, estão os grupos que trabalham para que o “Dia Mundial Sem Carro” seja conhecido. Entre eles, alguns veículos de comunicação e agências de publicidade. A TV Cultura, por exemplo, inseriu em sua programação o “Nossa São Paulo Interativa”, que irá retratar as ações deste sábado acompanhando o dia de três equipes que utilizarão bicicleta e ônibus coletivo para fazer as reportagens.

João Antônio, o famoso “cara do carro amarelo” de São Paulo, também abraçou a idéia. Conhecido na capital paulista por se exibir, sempre de terno, com seu inseparável conversível amarelo e na companhia de um bicho de pelúcia, João Antônio é o garoto propaganda de uma peça publicitária criada para divulgar o evento. A idéia parece ter dado certo. Seu vídeo já foi visto por mais de quatro mil pessoas.

Por trás da campanha

De acordo com os organizadores, entre eles a SOS Mata Atlântica e a organização “Nossa São Paulo: outra cidade”, criada pelo empresário Oded Grajew, este ano eles estão mais interessados em enfrentar a demora na aplicação de uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que determina o prazo para a redução do teor de enxofre no óleo diesel comercializado no país.

Essa redução é indispensável para atingir as metas de emissões do Proconve, mas a Agência Nacional de Petróleo (ANP), a Petrobras e governo federal andam batendo cabeça no assunto. Hoje em dia, o teor de enxofre é de 500 partes por milhão (ppm) nas regiões metropolitanas do país e de duas mil ppm no interior e áreas rurais. Nos Estados Unidos, essa proporção é de 15 ppm e, em países europeus, chega a 10 ppm. Uma resolução do Conama de 2002 determina que o nosso diesel tenha apenas 50 ppm de enxofre em 2009, mas a Petrobras não se preparou para isso. O movimento culpa a ANP de se omitir, permitindo, segundo eles, o adiamento da aplicação das medidas. Um manifesto sobre o assunto vai ser lido na avenida Paulista.

Atividades

As ações do “Dia Mundial Sem Carros” começaram nesta quinta-feira com o “Desafio Intermodal”. Nele, ônibus, táxi, bicicleta, moto, trem e pedestres disputam para ver quem faz em menos tempo um mesmo percurso. No desafio do ano passado, motos e bikes chegaram em primeiro e segundo lugar, respectivamente. Nesta sexta-feira acontece “Vaga Viva”, que consiste em reocupar o espaço de carros estacionados, transformando-os, temporariamente, em um gramado e área de lazer.

E no sábado serão feitas várias ações em diferentes pontos da cidade. Entre as atividades previstas estão exibições de filmes sobre o problema do trânsito e suas conseqüências pra o meio ambiente, brincadeiras e prática de esportes em vários parques da cidade, aula pública sobre a importância da revitalização do rio Tietê, barqueata, passeatas e passeios ciclísticos. Mas o ponto alto deste dia será a “tomada” – e rejeitada – da avenida Paulista por ciclistas. Por volta das 16h do sábado, os vários grupos e organizações de bikers da cidade que aderiram ao movimento vão ler e entregar o manifesto para as autoridades, em frente ao Conjunto Nacional.

O convite está feito. Para os organizadores, se o “Dia Mundial Sem Carro” vai conseguir mobilizar milhões ou algumas centenas de paulistanos não importa. O importante é garantir que chamarão a atenção sobre os outros meios de transporte na cidade e conscientizar a sociedade quanto ao alto preço que o meio ambiente e a saúde do paulistano pagam por causa do excesso de carros.

*Cristiane Prizibisczki é jornalista em São Paulo.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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