Reportagens

De volta à tona

Usina de Tijuco Alto volta a ser discutida. Biodiversidade no Vale do Ribeira já sofre impactos pela exploração de minérios. Para especialistas, estudo ambiental é falho.

Carla di Cologna ·
20 de julho de 2007 · 17 anos atrás

O rio Ribeira de Iguape, o único de extensão significativa em São Paulo que ainda não tem barragens, corre o risco de receber em seu leito uma usina hidrelétrica. Há 20 anos a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), da Votorantim, tenta construir a usina de Tijuco Alto para fornecer 144 megawatts de energia a uma fábrica do grupo no município de Alumínio (SP). O projeto já foi negado pelo Ibama e combatido pelo Ministério Público no passado, mas a elaboração de um novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima) renovou as chances da obra sair.

Entregue ao Ibama em 2005 pela Cnec Engenharia S.A e pela CBA, o
EIA/Rima em questão
foi apresentado no começo deste mês à sociedade civil através de audiências públicas realizadas em cinco cidades que sofrerão impactos diretos: Adrianópolis e Cerro Azul no Paraná e Ribeira, Eldorado e Registro em São Paulo. Esta é uma das últimas fases do processo de licenciamento, na qual o Ibama faz análises sobre a viabilidade ambiental do empreendimento e recebe novos documentos da sociedade civil.

Para especialistas, o Estudo de Impacto Ambiental é falho e coloca em risco a qualidade da água e a biodiversidade existente na região. Declarado Patrimônio Natural da Humanidade em 1999, o Vale do Ribeira tem cerca de 2,1 milhões de hectares de florestas, 150 mil ha de restingas e 17 mil ha de manguezais, além de abrigar 24 unidades de conservação e ser o lar de espécies ameaçadas de extinção, como jaguatiricas e onças-pintadas, e de espécies endêmicas, como o boto-cinza e o mico-leão-da-cara-preta. Em defesa desses recursos, em 5 de julho a Assembléia Legislativa de São Paulo aprovou o projeto de lei n. 394/07 que declara o rio Ribeira de Iguape patrimônio histórico, cultural e ambiental do estado. E proíbe a instalação de obras ou empreendimentos que alterem as condições naturais do rio em seus aspectos estético, físico, químico ou biológico. Agora o projeto de lei precisa ser sancionado pelo governador José Serra..

Perda de paisagem

Como consta no próprio Eia – Rima, com a construção da usina de Tijuco Alto, o relevo e as características típicas da Mata Atlântica local serão modificados. Acima da barragem o rio e seus afluentes serão obstruídos, o que vai provocar assoreamento naquele trecho. Com a água parada no reservatório serão formadas praias com o recuo das margens. O processo de erosão, já comum na área, será intensificado, possibilitando ainda a ocorrência de deslizamentos.

A perda da paisagem, segundo o próprio estudo, será o impacto mais significativo da obra. Algumas de suas corredeiras e ilhas serão encobertas pelo lago artificial. E, dentre as medidas para prevenir e minimizar impactos, está o desmatamento limitado à área de canteiros e infra-estrutura, com posterior recuperação da vegetação após conclusão da usina. No entanto, conforme o Rima, será necessário desmatar 5.180 hectares, dos quais 53% têm vegetação em estágio médio ou avançado de regeneração. Áreas essas de preservação permamente que, de acordo com relatório do Ibama sobre vistoria realizada em abril de 2006, já não são respeitadas pelos proprietários rurais.

Com o desmatamento e o alagamento também a fauna estará em risco. O estudo alerta que a diversidade de espécies de aves será alterada, uma vez que aquelas acostumadas à mata fechada provavelmente abandonarão a região. Mamíferos, répteis e anfíbios sofrerão em diferentes graus. Alguns se adaptarão, outros não. Os mamíferos serão os mais prejudicados, pois precisam de grandes áreas para viver e reproduzir.

As riquezas do subsolo da região também estão em risco. Das 52 cavernas encontradas na área estudada no Vale do Ribeira, pelo menos duas serão alagadas com a construção de Tijuco Alto: a gruta do Rocha e a gruta da Mina do Rocha. Pela descrição do último relatório de impacto ambiental, elas são “pequenas e pouco expressivas”. Mas Marcelo Rasteiro, da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), diz que este conceito é subjetivo. “Não existe critério para dizer o que é ou não importante. Uma vez alagada a região, tudo estará debaixo da água e não teremos conhecimento de novas cavidades”, afirma.

Pelo relatório, a gruta da Mina do Rocha está danificada pela exploração do minério – durante anos a fábrica Plumbum extraía e fabricava chumbo na área. Mas uma vistoria do Ibama realizada em abril de 2006 no local registrou “espeleotemas como flores de aragonita com razoável beleza”. Formada pelo vapor de águas quentes subterrâneas, em um processo que dura milhões de anos, a flor de aragonita é tida por espeleólogos como uma formação calcária frágil e rara. Encontrada em alguns ambientes cavernosos, recebe este nome devido ao seu formato. Cristais de aragonita se irradiam a partir de um ponto central, podendo constituir não apenas uma flor, mas cachos de flores. Junto a elas, 40 espécies de animais residentes em cavernas estarão ameaçados.

Água com chumbo

A barragem está prevista para ser construída no Alto Ribeira, 11 quilômetros acima do município de Ribeira. Na área da mina do Rocha existem resíduos de chumbo que antes eram jogados no rio e depois de uma inspeção do Ibama e da Cetesb – agência ambiental de São Paulo – passaram a ser estocados nas margens. A Mineradora Rocha S.A fechou em 1996, quando a CBA comprou o terreno. Segundo a companhia, os rejeitos que por anos contaminaram o rio foram levados para um aterro.

Mas conforme avaliação de dois capítulos do EIA/Rima feita pelo biólogo João Ricardo Maleres Alves da Costa a pedido do Cedea – Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental do Paraná-, parte dos resíduos continua lá. “Retiraram apenas o que dá para ver pela estrada”, diz Maleres, explicando que existem rejeitos escondidos atrás do morro, em propriedade da CBA, justamente na área que será inundada pela barragem. “A água vai ficar mais ácida e o passivo (rejeitos) vai ser distribuído”, explica o pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Segundo o relatório do Ibama, que vai de acordo com a avaliação de Maleres, o rio Ribeira é um transportador natural de nutrientes.

O que preocupa Maleres é o alto teor de chumbo e cádmio já encontrados na água. Caso os resíduos não sejam totalmente retirados, podem aumentar o teor dos metais e, junto à falta de saneamento básico que propicia o acúmulo de coliformes fecais nas águas do rio Ribeira, podem gerar riscos ambientais e de saúde pública. “A bacia do rio vai virar um esgoto por pelo menos um ano”.

As enchentes que castigam a região também devem se intensificar. “A população favorável ao projeto acredita que a barragem vai controlar as enchentes. Mas não vai fazer muita diferença”, diz Maleres com base em estatísticas do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE). Casas e plantações continuarão a ser inundadas, com a variante negativa de maior quantidade de poluentes.

Maleres questiona ainda o levantamento realizado de fauna aquática. O estudo se baseou apenas em duas espécies, tilápia e cascudo, e mediu cádmio e chumbo no tecido muscular e nas vísceras. “Além disso, eles não representam todo o ecossistema aquático”. Segundo ele, o correto seria ter feito medições nos ossos, sangue e fígado. Faltou também um estudo sobre a dinâmica populacional das espécies do rio – como reprodução. Sem isso, segundo ele, nada pode-se dizer da biodiversidade, nem antes nem depois da barragem.

Represa privada

Pequenos agricultores e quilombolas que vivem na região são, em grande maioria, contrários ao projeto. Um dos argumentos que mais contrariam a população local, de acordo com o advogado Raul Silva Telles do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA), é o caráter privado do empreendimento. A companhia alega que ao criar uma usina para seu próprio uso, ela vai parar de comprar energia do sistema nacional e, assim, sobrará energia para a população. Para o Ministério das Minas e Energia este é um projeto passível de interesse público. Como qualquer usina, ao receber uma concessão pública, ela é obrigada a enviar ao sistema interligado nacional toda a energia gerada e pagar por ela.

Mesmo assim a presidente do Cedea, Laura Jesus de Moura e Costa, reiterou em documento protocolado e entregue ao Ibama, que o projeto de desenvolvimento apresentado pela CBA não é o mesmo desejado pela população. Como representante da sociedade civil, colocou ainda que o rio Ribeira e toda a sua bacia precisam de um projeto de revitalização, envolvendo a recuperação de toda sua mata ciliar, a despoluição provocada pelo esgoto, lixo, chumbo e agrotóxicos, o desassoreamento de seu leito e a proteção de suas nascentes e de seus afluentes.

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