Reportagens

Beleza na sujeira

Mesmo sujos, os manguezais de Cubatão atraem bonitas aves, entre as quais o guará-vermelho. Prefeitura sinaliza com projetos de despoluição, mas ainda há muito o que fazer.

Carla di Cologna ·
14 de junho de 2007 · 17 anos atrás

Os mangues são ecossistemas litorâneos conhecidos por seus solos alagados que, por serem pobres em oxigênio e terem muita matéria orgânica em decomposição, propiciam a sobrevivência de bactérias produtoras do gás sulfidrico, aquele que exala o cheiro de ovo podre característico dos rios paulistanos. Nos manguezais de Cubatão, no litoral sul de São Paulo, o odor se mescla à poluição jogada na água salobra pelos moradores das palafitas nos seus arredores. O ambiente, contraditoriamente, é habitat de aves raras e belas, como o guará vermelho. Mas acreditar que de alguma forma a poluição não tem afetado a biodiversidade da região é um erro.

Segundo o biólogo e fotógrafo Robson Silva e Silva, que há anos estuda a área, a influência não é totalmente negativa, já que muitos peixes são atraídos pelo esgoto e, assim, acabam aproximando aves como as garças. O que é ainda muito comum nas épocas frias do ano é ver jacarés de papo amarelo nas águas quentes liberadas pelas usinas da região – Cubatão é, sobretudo, uma cidade industrial.

Mas, no final das contas, também aqui o homem é o grande vilão, já que o lixo que bóia nas águas do rio Casqueiro modifica a rotina, por exemplo, dos pequenos caranguejos chama-maré, que servem de alimento às aves junto com os camarões e poliquetos, pequenos invertebrados marinhos. Acostumados a se estabelecer em tocas na lama do mangue, os chama-marés podem não conseguir se fixar por causa do lixo e procurar outros locais. Uma das conseqüências negativas verificadas, ainda, é a morte de aves pela ingestão de materiais como o plástico.

Se antes a principal preocupação era a poluição química lançada pelas indústrias, supostamente contornada pela instalação de um aterro industrial na década de 90, o principal problema, hoje, são as ocupações irregulares. Além do lixo que produzem, orgânico e inorgânico, as favelas localizam-se nas áreas de manguezal, tomando espaços que podem servir como tocas para os caranguejos ou áreas de reprodução e criação de aves.

Exemplo de recuperação

O município, que nas décadas de 70 e 80 era um dos mais poluídos do mundo, já foi conhecido como “o vale da morte”. Mas devido a um programa de controle da poluição realizado pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Básico (Cetesb) hoje é reconhecido como exemplo de recuperação ambiental. O guará, que voltou à região, virou um símbolo da cidade e também nome do projeto que visa urbanizar a área das palafitas, conhecida como Vila dos Pescadores.

Segundo Luiz Fernando Verdinassi Novaes, coordenador do Projeto Guará Vermelho, o programa vem sendo discutido desde agosto de 2005. O Estudo de Impacto Ambiental (Eia-rima) da urbanização da vila já foi apresentado ao Banco Mundial, que, segundo o secretário do meio ambiente de Cubatão, Eduardo Bello, vai financiar o projeto com 37 milhões de dólares. “Queremos tirar os barracos e implantar saneamento básico. Estamos esperando a segunda estação de tratamento de esgoto”, afirma o secretário. De acordo com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), o município faz parte do programa Onda Limpa, que visa recuperar a região metropolitana da baixada santista.

Atualmente, 41% da população da cidade possuem sistema de esgoto sanitário. O programa prevê, ali, a implantação de mais 44 quilômetros de redes coletoras, coletores troncos e emissários, além de 3,68 mil ligações domiciliares, a construção de cinco Estações Elevatórias de Esgoto (EEE) e uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Indiretamente, o programa vai beneficiar a região dos manguezais, mas não agora. A proposta de empréstimo de 14,6 milhões de dólares, correspondentes à primeira parcela do financiamento total, será efetuada em setembro. E as obras só devem terminar cerca de sete anos após seu início. Segundo Novaes, outro Eia-rima está sendo preparado para a Secretaria Estadual do Meio Ambiente – diferente daquele feito para o Banco Mundial. Enquanto isso, a prefeitura diz que vai manter um rigoroso controle para impedir mais invasões na área.

Guarás

Isso é o mínimo que se deve fazer para proteger o cartão postal da região, os guarás. Os primeiros relatos da ave no Brasil, segundo o biólogo Silva, são do Padre Anchieta e datam de 1550. Em 1961 um guará foi encontrado em São Vicente, cidade vizinha, mas foi apenas em 1988 que elas começaram a aparecer e a se reproduzir em Cubatão. “Ninguém sabe de onde vieram”, explica Silva. Na mesma época, o orquidário de Santos, que também faz divisa com o município – e divide o mesmo estuário – soltou muitas aves, dentre elas o guará vindo do Maranhão, local de maior concentração da ave. No país, hoje, a ave também tem sido avistada em Ilha Comprida (Iguape), litoral Sul de São Paulo. Em 1997, algumas aves foram mortas, provavelmente por caçadores, e a partir daí abandonaram a colônia e deixaram de se reproduzir em Cubatão, local que hoje é apenas um criadouro da ave. É em Ilha Comprida que elas se reproduzem. “Lá eles estão mais seguros”, diz Silva. “O Ibama protege as espécies. Em Cubatão eles não têm proteção nenhuma”.

Nem do homem, nem da sujeira produzida por ele. Além do guará, já foram identificadas na região 230 espécies, entre socós, maçaricos migratórios que se reproduzem no hemisfério norte, marrecos, biguás, colhereiros, águias-pescadoras que vêm dos Estados Unidos e belas garças azuis e brancas. Aquelas típicas, encontradas nos rios paulistanos. E é justamente esta variedade de espécies que faz da região uma atração única para os observadores de aves, apesar das palafitas, do lixo e do esgoto.

*A repórter viajou aos mangues de Cubatão a convite da agência Trip on Jeep. Participou da viagem o fotógrafo João Quental, que disponibilizou suas imagens na internet.

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