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Multas que não funcionam

Estudo do Imazon indica que o desmatamento na Amazônia tem a ver com a baixa destinação dos bens ilegais apreendidos. Lei de Crimes Ambientais é desconhecida entre juízes.

Redação ((o))eco ·
4 de agosto de 2008 · 16 anos atrás

Um dia após o governo brasileiro anunciar com pompas que o desmatamento da Amazônia em junho caiu 55% em comparação ao mesmo período do ano anterior, o Imazon divulgou um estudo que retrata a realidade da fiscalização exercida pelo Ibama contra os crimes ambientais na região: o que importa é a quantidade, não a qualidade. Isso significa, em outras palavras, que o número de multas aplicadas é enorme – mas os processos quase nunca são encerrados. A conseqüência desse equívoco é a baixa destinação dos bens apreendidos, o que implica em liberdade para os infratores e na certeza de impunidade.

O documento, chamado “A destinação dos bens apreendidos em crimes ambientais na Amazônia”, analisa casos de seis estados diferentes do bioma para reforçar a necessidade de reformular todo o processo de investigação capitaneado pelo Ibama. Os dados são fortes o suficiente. Entre 2004 e 2006, por exemplo, apenas 4% da madeira ilegal apreendida em Rondônia, Pará, Amazonas, Amapá, Roraima e Acre tiveram algum destino. As que permaneceram guardadas valiam juntas, aproximadamente, 25 milhões de reais.

“Já ouvi de fiscais do Ibama que a meta é gerar o maior número de autos de infração possível. Mas para que os processos sejam concluídos, é preciso dar um destino correto para as apreensões. Com a estrutura atual, é inviável ter muitos casos”, diz Paulo Barreto, coordenador da pesquisa. Uma vez diagnosticado o crime ambiental, os servidores do órgão fiscalizador devem seguir regras rígidas: depois de emitido o auto, deve ser lavrado um Termo de Apreensão e Depósito (TAD) com informações sobre as mercadorias e equipamentos confiscados, local de depósito do bem e o fiel depositário (responsável pelo armazenamento). Apenas animais vivos ou produtos perecíveis da fauna podem ser imediatamente destinados. As toras ou carvão vegetal, por exemplo, devem aguardar um julgamento interno do Ibama.

Os problemas começam aí. Como são muitos processos e multas, a homologação demora bastante. “No Pará inteiro, até bem pouco tempo, só havia cinco procuradores no Ibama. Entre 2002 e 2006, dez mil multas chegaram aos seus gabinetes. Fica difícil ter bons resultados assim. O investimento tem que ser feito de forma estratégica. De nada adianta injetar recursos na fiscalização de campo, se os casos não serão concluídos”, defende Barreto.

O caso do Pará, aliás, é emblemático. Entre 2006 e 2007, apenas 70 processos foram resolvidos, com a doação de bens estimados em 2,3 milhões de reais. Ainda assim, a Superintendência do Ibama em Belém acumulava 1.025 casos já definidos internamente e que apenas aguardavam o repasse dos produtos recuperados. Ao todo, somente 10% do valor acumulado foram repassados para os beneficiários – órgãos públicos e entidades com fins culturais ou científicos. Mesmo assim, Barreto afirma que os critérios para um local ter direito a receber o material são tantos que há poucos espalhados pelo Brasil.

Este acúmulo de processos não é de hoje. De todos os casos aptos à doação até 2007, 93% tiveram início entre dois e vinte e dois anos atrás. Entre os bens presos estão madeira em tora e serrada, carvão vegetal e caminhões. Do volume total de madeira em tora, 85% foram recuperados no período que varia de 4 a 21 anos atrás, tempo suficiente para apodrecer caso não tenham sido utilizadas pelos fiéis depositários. Por incrível que pareça, em 90% dos processos sob jurisdição da capital paraense, quem armazena os produtos ilegais são os próprios criminosos. Tudo por causa da falta de estrutura dos fiscais do Ibama em campo para retirá-los de lá.  

“O que acontece é que, muitas vezes, o infrator usa a madeira e diz que ela apodreceu. O Ibama precisa provar que isso não é verdade, caso contrário, deverá ressarcir quem armazena. Daí a importância de ser mais rápido e agir com qualidade, e não quantidade”, explica Barreto. Quando os materiais apreendidos são encaminhados para outros locais, como bases da polícia federal ou batalhão do exército, os criminosos podem entrar com pedido para reavê-los.

O estudo do Imazon analisou 25 casos que pararam na esfera judicial, no Pará. Apenas 25% das decisões de primeira instância foram favoráveis à restituição dos bens. Mas, quando o mérito foi encaminhado aos desembargadores do Tribunal Superior Federal, 52% dos criminosos recuperaram seus pertences ilegais, sob as mais diferentes alegações. Em 46% dos casos, a explicação do juiz foi de que os bens não tinham relevância para o processo. O drama é que, nos 48% dos casos em que o infrator foi punido, apenas um usou a Lei de Crimes Ambientais como argumento conclusivo.

Problemas e soluções

A falta de conhecimento dos juízes sobre a legislação ambiental é citada pelo Imazon como um sério impasse na luta contra o desmatamento. Na maioria das vezes, eles privilegiam outros códigos de conduta e relegam o impacto ecológico a um plano secundário. Além disso, o estudo também culpa a baixa prioridade administrativa do Ibama na destinação de bens apreendidos, algo comprovado pela lentidão nas análises processuais.

O que mais chamou a atenção de Barreto, Marília Mesquita e Hugo Mercês (os autores do estudo) , no entanto, foi a prioridade estipulada pela Lei de Crimes Ambientais para a doação, ao invés da venda, do material ilegal. Para além do fato de que há poucos beneficiários aptos a receberem os bens, a movimentação financeira de madeiras, carvão vegetal e equipamentos é muito representativa. Com o leilão, o governo poderia aumentar o investimento em novos advogados e procuradores para multiplicar a eficiência no trabalho.

Este imbróglio já foi, em parte, resolvido. Durante a finalização do livro, o presidente Lula assinou o decreto 6514/2008, que, entre outras medidas, diz que a doação não será mais prioridade após a apreensão de bens não perecíveis. A partir de agora, é possível que haja venda, utilização pela administração ou até mesmo destruição – mas apenas depois que o caso for finalizado. Para completar, a determinação também reduz as instâncias de defesa dos acusados de quatro para duas.

O Imazon indica alguns caminhos para guiar os produtos confiscados. Em primeiro lugar, é necessário reestruturar a fiscalização contra a derrubada ilegal de árvores. Para tanto, é primordial concentrar as ações nos maiores casos para gerar impacto crescente com menores esforços.

Preparar os órgãos ambientais para possíveis brigas judiciais também é uma alternativa, já que a decisão do Ibama de fortalecer a busca por bens ilegais pode gerar maior revolta entre os infratores. Daí a importância de contratar mais procuradores e procurar argumentos legais firmes. Outra sugestão diz respeito à transparência sobre a responsabilização por crimes. Neste caso, os órgãos poderiam publicar na internet as sanções aplicadas a cada um dos acusados, o que ajudaria a mantê-los conhecidos e afastados dos delitos.

Mas nada estará resolvido caso não haja um amplo investimento na estrutura física de trabalho dos fiscais de campo. Muitas vezes, não há como retirar da floresta o equipamento usado para colocá-la no chão. “É preciso ter instrumentos suficientes. Em Tailândia (PA), foi apreendido um volume muito grande de madeira, e os servidores não conseguiam retirá-lo de lá. Depois que a polícia foi chamada para intervir, conseguiram sair da cidade. O novo decreto veio em boa hora, mas ainda é fundamental rever os métodos de investigação”, finaliza Paulo Barreto.

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