Reportagens

Dependentes da criatividade

Mais de 95% das escolas brasileiras dizem praticar educação ambiental, mas professores alegam que enquanto estiverem presos à sala de aula, vai ser difícil motivar os alunos.

Andreia Fanzeres ·
6 de março de 2007 · 17 anos atrás

Março está aí e a maioria das escolas voltou às aulas no velho esquemão: giz e quadro negro para ensinar, entre outras coisas, a natureza que parece sempre muito distante dos alunos. Por todo o país, não faltam idéias de especialistas e professores para tornar o ensino de meio ambiente mais interessante e relevante para a vida dos estudantes. Mas com poucas oportunidades concretas para encararem o tema como prioridade, acabam repetindo, ano a ano, antigos clichês.

Existem no país milhares de inciativas de educação ambiental desempenhadas por organizações não-governamentais, associações comunitárias e programas financiados por empresas que conseguem obter êxito na mobilização de crianças e adolescentes sobre a importância da conservação da natureza. Mas, segundo especialistas, elas servem apenas como complemento a trabalhos que precisam ser sérios e permanentes nas escolas.

Essa necessidade é clara, por exemplo, para os profissionais que mantêm a Estação Natureza de Curitiba, um espaço criado em 2001 pela Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, que serve para sensibilizar estudantes e professores pela conservação dos recursos naturais. Eles fazem uma verdadeira viagem pelos biomas brasileiros e reconhecem o que há de mais precioso e ameaçado na nossa biodiversidade. “Observávamos que, às vezes, os professores se encantavam até mais do que os alunos, e aí eles acabavam não aproveitando. Agora, as turmas só são autorizadas se antes os professores participarem de um encontro pedagógico, para que ao retornar à sala de aula os conteúdos possam ser perpetuados”, explica Fernanda Paraná, bióloga da Fundação.

Pela experiência com as crianças que visitam a Estação Natureza, Fernanda percebe que conteúdos importantes sobre meio ambiente estão, sim, nos livros. O enfoque é que precisa mudar. “Temas como cadeia alimentar, ciclo da água, consequências do desmatamento, poluição, e outros não são abordados de forma a permitir que os alunos vinculem isso tudo com sua vida, nem que entendam o assunto como cidadãos e consumidores”, diz a bióloga. “O aluno sabe o que é fotossíntese, respiração celular, tudo, mas não consegue contextualizar”.

A orientação básica do Ministério da Educação (MEC) é de que a educação ambiental não seja tratada como uma disciplina à parte. Ela deve ser integrada às outras, de forma transversal e interdisciplinar, como os pesquisadores da área costumam dizer. Só que é raro encontrar quem consiga fazer isso.

Tentativas reais

Em algumas escolas particulares do Rio e do Espírito Santo, o educador Danilo Netto emplacou uma disciplina de educação ambiental, mas garante que isso é apenas um rótulo porque os conteúdos são ligados ao que ensinam os outros professores. Na Escola Alemã Corcovado, por exemplo, ele atende a crianças até a 4a série em projetos semanais usando como instrumento o espaço de uma horta. “Os alunos compreendem que a natureza não está a nosso serviço”, diz o professor. “A gente planta a couve, aparece o pulgão, depois a joaninha e, então, a vespa. Se eu tiro o pulgão, continuo com a couve, mas já não tenho a joaninha nem a vespa. É assim que as crianças são introduzidas aos conceitos ecológicos, além de fazerem passeios pelas áreas florestadas da cidade”, conta. Infelizmente, ele não observa o mesmo tipo de iniciativa em outras escolas do Rio. “Falta informação do professor para ele trabalhar de forma multidisciplinar. É preciso investimento em formação”, adverte.

Lecionando em uma escola estadual de Niterói, na região metropolitana do Rio, a professora de biologia Maria Angélica Ferreira diz que essa tentativa de interdisciplinaridade acontece entre uma aula e outra, em dicas trocadas rapidamente entre os professores. “Hoje mesmo o professor de física me falou que o filme “Uma verdade inconveniente” está em cartaz num cinema próximo daqui e pediu para seus alunos fazerem uma redação sobre o assunto”, conta. Angélica se recorda com saudade da época em que foi convidada a fazer uma pós-graduação com recursos do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara e, como parte do curso, precisava retornar à escola para aplicar seus conhecimentos. Através desta oportunidade, montou um espaço permanente de educação ambiental, onde a escola recebia palestrantes e executava projetos de comunicação ambiental. “Mas quando o governo do estado mudou, em 2002, isso não foi mais considerado prioridade. Os professores quiseram continuar, mas o estado nos obriga a ficar em sala de aula, cumprindo os conteúdos do livro”, lamenta Angélica. “Na rede pública, se o professor quiser enriquecer o currículo com outras atividades tem que fazer com recursos próprios. A falta de estrutura empobrece o ensino”, diz.

Apesar de numerosos relatos de dificuldades, o censo escolar publicado em 2005 registra que a maioria das escolas brasileiras diz que pratica educação ambiental. Até 2004 nada menos que 95,6% disseram incluir esse tema em sua grade de ensino. A antropóloga Rachel Trajber, coordenadora-geral de educação ambiental no MEC, ficou com uma pulga atrás da orelha e decidiu entender melhor o resultado da pesquisa. Um novo estudo foi encomendado, então, com a intenção de saber o que fazem as escolas que dizem praticar educação ambiental. Mais de 500 instituições foram visitadas em 12 estados por essa pesquisa qualitativa, que fica pronta nas próximas semanas.

Cursos do MEC

Rachel sabe que ainda é preciso fazer muito para mudar a realidade do ensino de ciências ambientais nas escolas. “Não adianta nada fazer uma horta na escola, mas ensinar que ela serve para vender os produtos ou ela está ali para usufruto do homem”, ressalta. E acredita no sucesso dos cursos de capacitação de professores nessa transformação. Segundo ela, entre 2004 e 2005 foram promovidas aulas para os 35 mil professores das 16 mil escolas que participaram da 1a Conferência Nacional Infanto-Juvenl pelo Meio Ambiente, em 2003. Os alunos também estiveram em reuniões que os estimulavam a elaborar uma Agenda 21. Tais eventos aconteciam através de parcerias com as secretarias estaduais de educação, com seminários em pólos que reuniam cidades próximas.

Em 2006, a estratégia foi diferente. O governo federal descentralizou recursos para que os estados ficassem responsáveis pela produção de material didático e orientação aos professores. “As políticas públicas apontam para um fortalecimento maior dos estados e municípios. Sabemos que é uma faca de dois gumes. Quando fazemos isso fica mais difícil acompanhar o que realmente está sendo passado”, pondera Rachel. Uma pena que muitos professores bem intencionados nem ficaram sabendo desses cursos. “Nunca soube de cursos de capacitação do MEC. Esse tipo de informação nunca chegou até a gente”, diz Angélica, da escola estadual fluminense. Segundo Rachel, a idéia em 2007 é “centralizar à distância”, com aulas não presenciais. Mas, por enquanto, o formato e o número de vagas a serem oferecidas ainda estão em fase de planejamento.

Do limão a limonada

“É sempre complicado que os professores sejam liberados das escolas para esse tipo de curso, que não é obrigatório. Além disso, os dois ou três dias de encontros não são suficientes”, admite Rachel. É por essas e outras que a exigência de mais qualificação por parte dos educadores ambientais passa pela solução de uma deficiência comum a qualquer um que se dedique à educação em geral: melhores salários e estrutura para capacitação. “O livro é um mero instrumento de ensino. É o professor que precisa selecionar os conteúdos mais importantes, mais atuais e escolher o melhor enfoque”, diz Carmen Rogério, professora de ensino fundamental em uma escola particular do Rio. Só que a realidade, mesmo no setor privado, não é essa. “ Hoje em dia ninguém tem dinheiro nem tempo para pesquisar em outras fontes e se inteirar de novas abordagens porque os professores se dividem em dois ou três empregos para se sustentar”, relata.

Embora os livros didáticos não devam ser considerados responsáveis pela qualidade das abordagem sobre meio ambiente nas escolas, o MEC reconhece que eles precisam ser melhorados. “A nossa coordenação está pleiteando com o Programa Nacional do Livro Didático uma participação e a indicação de universidades que nos ajudem a fazer uma seleção. Existe no MEC uma comissão para isso, mas ainda há pouca gente de educação ambiental”, diz Rachel. A coordenação-geral de educação ambiental do MEC pretende também propor uma atividade disciplinar obrigatória em todas as licenciaturas, para que os professores tenham, ainda na universidade, algum conhecimento para tratar do meio ambiente de maneira transversal.

Muito frequentemente, ao falar sobre biodiversidade, os livros aparecem ilustrados com elementos da fauna estrangeira, como leões e girafas, o que sutilmente atrapalha o reconhecimento das riquezas ambientais que estão muito mais próximas dos alunos. “Ao se deparar com livros assim, é o professor que precisa ter a consciência de que a biodiversidade brasileira não está sendo representada e, com base nisso, reverter a situação através de atividades criativas”, orienta a professora Carmen.

É nessa linha que a educadora e colunista de O Eco Suzana Pádua sugere outras atividades de sensibilização dos alunos para o tema, a começar por um incremento na auto-estima dos alunos pelas riquezas naturais do Brasil. “A criança precisa conhecer a nossa fauna e a nossa flora, seja no livro para colorir ou na roupinha estampada”, diz. Para alunos um pouco mais crescidos, Suzana aconselha introduzir pensamentos mais abstratos, com textos em diferentes disciplinas sobre diversidade biológica, cultura indígena no Brasil, e inserir elementos da natureza em vários conteúdos, até na matemática. “Ao estudar áreas protegidas como parques e reservas, mais importante do que dizer o que elas são é fazer com que o aluno entenda por que foi necessário protegê-las, qual foi a atitude humana que levou a essa decisão”. Em rodas de discussão, esse tipo de provocação é um prato cheio para os adolescentes. “A gente sempre acha meios de destruir o que nos foi dado. Falar de áreas protegidas no Brasil é também falar de história. Está tudo conectado”, insiste Suzana. É só pensar.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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