Reportagens

Batendo um bolão

Projeto ambiental planejado para a Copa do Mundo promete emissão zero de gás carbônico e redução no consumo de água e energia durante os jogos.

Juliana Tinoco ·
9 de junho de 2006 · 18 anos atrás

Começou na Alemanha a 18o Copa do Mundo. Mais de 3,2 milhões de espectadores alemães e estrangeiros são esperados para os 64 jogos que irão acontecer em 12 cidades do país. Se depender do comitê organizador da Copa, da Federação Internacional de Futebol (FIFA) e do governo alemão, o maior evento esportivo do mundo não vai custar caro à natureza. 

Um programa ambiental intitulado Green Goal, que traduzido ao pé da letra tanto pode significar “objetivos verdes” como “gols verdes”, promete gasto mínimo de energia e de água, produção reduzida de lixo e emissão zero de gás carbônico.

A idéia do projeto surgiu em 2001, quando o presidente Franz Beckenbauer e os técnicos do Comitê Organizador da Copa resolveram tirar do papel um ambicioso plano de iniciativas ambientais para a Copa do Mundo de 2006.Um ano depois, o comitê recebeu o apoio do Ökoinstitut, instituto alemão de consulta e pesquisa que financia projetos ambientais para eventos culturais e esportivos. Nascia o Green Goal, que não demorou para ganhar como aliado o Ministério do Meio Ambiente da Alemanha.

O comitê elegeu os cinco principais impactos ambientais provocados pelo evento para centralizar as ações. Venceram a competição o aumento no volume de tráfego de carros nas cidades, a necessidade de alto suprimento de energia e água para os estádios e áreas de imprensa, a quantidade de lixo gerada e o conseqüente aumento de emissão de gás carbônico na atmosfera. Para que tudo saia o mais ambientalmente correto possível, todos os doze estádios que vão sediar jogos e treinos participam do projeto. A estimativa é de que se alcance 20% de redução de energia e água gastas dentro dos estádios, 20% de redução na produção de lixo e 0% de emissões de gás carbônico durante todo o período da Copa.

Como?

Para economizar água, os alemães apostam na chuva, que costuma aparecer nesta época do ano. Sete estádios contam com um sistema de tanques de armazenamento de água no subsolo. Toda a água que cai sobre o teto dos estádios escoa para esses tanques e, através de bombas, é reutilizada para a irrigação dos gramados principais e de treinos e para as descargas dos urinóis secos. O que sobrar, volta para o lençol freático. O estádio da FIFA em Munique terá capacidade para armazenar 98% da água da chuva que cair em seus 51 hectares. O Olypiastadion (Berlim), o Franken Stadium (Nuremberg) e o Gottlieb-Daimler Stadium (Stuttgart), serão capazes de reverter mais de 3 mil metros cúbicos de água da chuva.

Outra atração é o uso de pavimentos permeáveis nas ruas. Eles permitem que a água da chuva seja sugada para a terra novamente, sem precisar de escoamento. As imediações dos estádios de Waldstadium, em Frankfurt, e do Franken Stadium, em Nuremberg, contam com o sistema. A água limpa também não será desperdiçada. No estádio da FIFA em Hamburgo foi instalado nas pipas e torneiras um aparelho chamado limitador de fluxo. Sua função é controlar o uso de água dentro do estádio para que seja usada a quantidade estritamente necessária.

No quesito transporte, a palavra de ordem é reduzir o número de carros circulando pelas ruas. Para isso, os transportes públicos serão amplamente recomendáveis. Quem tem ingresso para ver os jogos, não precisará nem esquentar a cabeça. No dia da partida terá passe livre pelos ônibus, metrôs e trens que levam não só aos estádios, mas às atrações turísticas das cidades. Em Berlim a iniciativa é mais rigorosa: nos bairros próximos ao estádio ficará proibida a circulação de carros. Em compensação, o metrô funcionará 24 horas em dias de jogos e as bicicletas ganharão maior quantidade de vagas para estacionar e poderão circular por onde quiserem.

Quem opta por andar de carro nas cidades, terá um motivo a mais para querer deixá-lo estacionado. Os bilhetes de estacionamento Park & Ride dão direito, por 5 euros a mais, ao uso dos transportes públicos não só para o motorista, mas para os caronas que estiverem no veículo. Na cidade de Gelsenkirche, os compartimentos e os horários do trem foram ampliados. E todos os ônibus ganharam novos filtros para evitar poluição. Em Kaiserslautern, estima-se que 25 mil pessoas façam uso do sistema P&R nos dias de jogos. Os milhares de jornalistas também não foram esquecidos: todos os seis mil terão passe livre nos meios de transporte público.

O Centro de Transmissões Internacionais, em Munique, é onde ficaram instaladas as equipes de imprensa. São 25 mil metros quadrados de espaço reservado para máquinas, jornalistas e técnicos. Para abastacer este centro, segundo as estimativas, seriam necessários 400 mil litros de diesel, cuja queima provocaria emissão de gás e fuligem. Para evitar esse desastre, foi instalado um gerador que permite que a energia usada pelas equipes de TV venha direto da rede elétrica do centro principal. Toda a energia será fotoelétrica, uma forma ambientalmente correta de abastecimento que não produz emissão de gás carbônico.

Para a construção do Centro, no lugar das estruturas de aço e gesso, que após os eventos geram uma enorme quantidade de lixo, foi usado material reciclável ou reutilizável. As paredes e suportes são de madeira sólida ou compensada, que, após os jogos, serão usadas na construção civil ou em outros eventos no país. Nem os doze quilômetros de cabos usados ficarão para trás. Eles servirão para outros serviços de transmissão. O mesmo exemplo de reciclagem foi seguido nos estádios de Hannover e Leipzig, que reutilizaram grande parte da estrutura antiga para suas reformas.

Compensação na Índia

Nos dias em que a chuva der lugar ao sol, entram em ação os tetos solares. O estádio Fritz Walter, em Kaiserslautern, ganhou o maior. São cinco painéis, num total de seis mil metros quadrados. Em um dia de sol, o equipamento gerará 800 kwh. Em um ano, apenas o estádio representará o corte de 500 toneladas de emissão de CO2 para o país. Também o Arena Aufschalke, em Gelsenkirchen, contará com 835 painéis, cobrindo uma extensão de 400 metros quadrados nos telhados inclinados do estádio.

Em Munique, lâmpadas econômicas foram escolhidas para iluminar as áreas internas do estádio. Escadas rolantes e estacionamentos foram aparelhados com sensores para evitar o desperdício de energia e só serão iluminados quando estiverem em uso. As cem cabines de comando no estádio não terão ar-condicionado central. Cada cabine será controlada separadamente por um centro de distribuição, já que nem todos os equipamentos precisam estar na mesma temperatura..

Aquecimento também não será motivo para gastos excessivos de energia. Apenas se a temperatura dos ambientes chegar a 15oC, o sistema de calefação a gás entrará em funcionamento. No estádio de Gottlieb-Daimler, em Stuttgart, as paredes e teto foram isolados com painéis de vinte centímetros de fibra mineral para evitar perda de calor. Isso representará uma economia de 160 mil kwh por ano em aquecimento, além de uma redução de 38 toneladas de emissões CO2 na atmosfera.

E por falar em emissões, o número estimado para o evento é de 100 mil toneladas. Mas os idealizadores do Green Goal garantem que esta será a primeira Copa do Mundo climaticamente neutra. Um milhão e trezentos mil euros serão investidos em projetos de proteção ao clima em países da África e na Índia para que esse valor de emissões chegue a zero. A partida já foi dada. As primeiras 30 mil toneladas foram compensadas antes mesmo das bolas rolarem na Alemanha, com a construção de uma estrutura para a produção de gás natural na cidade indiana de Tamil Nadu.

  • Juliana Tinoco

    Juliana Tinoco é jornalista multimídia especializada na cobertura de Meio Ambiente, Ciência e Direitos Humanos. Por quinze an...

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