Reportagens

Parque dos macacos

Há mais muriquis no Rio de Janeiro do que os especialistas calculam. Quem provou foi um artista plástico australiano que entrou no mato com uma câmara de vídeo.

Eric Macedo ·
26 de maio de 2006 · 18 anos atrás



Recentemente, esses números mudaram. Graças ao artista plástico australiano Cristian Spencer, que se apaixonou pelo Parque Nacional de Itatiaia e adora caminhar pela mata, um grupo de 16 muriquis adultos foi registrado em vídeo. A imagem foi captada numa região conhecida como trilha dos Três Picos no começo deste ano e, segundo ele, tem muito mais. “Eu já vi pelo menos 35 adultos e de 10 a 15 filhotes”, comenta.

Ver muriqui em Itatiaia não é novidade, mas provar a existência de bandos, sim. No ano passado, o ornitólogo Henrique Rajão afirmou ter topado com cerca de 15 muriquis na mata, mas não fez nenhum registro. Quando há três anos Spencer encontrou pela primeira vez um grupo de mais ou menos 40 macacos, ninguém acreditou muito no seu relato. Na época, quatro pesquisadores foram falar com o artista plástico. Eles percorreram a trilha e não viram um muriqui se quer. Foram embora e nunca mais voltaram.

Não é a primeira vez que Spencer vê o que ninguém vê. Sua lista de encontros raros no parque inclui uma onça (suçuarana), uma espécie de águia (o gavião pega-macaco) e outra de sagüi. Há quem ainda duvide da presença da onça – possível alvo da próxima filmagem do australiano. “Eu adoraria filmá-la, mas talvez eu nunca mais a veja. Ela estava a cinco metros na minha frente”, conta ele, que tinha uma câmera na hora da aparição, mas não teve tempo de registrá-la.

Cristian trocou a Austrália por Itatiaia há cinco anos depois de casar com a brasileira Tatiana Clauret e de se apaixonar pela mata atlântica. “Passo muito tempo no mato, e vejo coisas que as outras pessoas não vêem. Essas dúvidas que elas levantam é porque ficam com um pouquinho de inveja, sabe?” Para ver os muriquis em seis ocasiões, o australiano subiu a trilha dos Três Picos cerca de setenta vezes.

Povo manso da floresta

O vídeo foi editado como um curta-metragem de sete minutos intitulado “Muriqui – povo manso da floresta”. O subtítulo faz referência ao significado da palavra muriqui na língua indígena. A primeira apresentação do filme aconteceu num evento realizado no parque no dia 19 de maio. Na platéia, estava o pesquisador André Cunha, que se dedica há quase um ano a descobrir o número real de muriquis no Estado do Rio. Ele coordena o Projeto Muriqui Conservação – RJ,  desenvolvido sob a orientação dos professsores Jean Philiphe Boubli, da University of Auckland e Carlos Grelle, da UFRJ, e que conta com o apoio da ong Conservação Internacional. Ao ver as imagens, só conseguiu pronunciar uma palavra:“Fantástico.”

O muriqui também é conhecido como mono-carvoeiro, por conta da face negra, que lembra pessoas que trabalham em minas. O gênero é formado por duas espécies conhecidas como “do norte” (Brachyteles hypoxantuse, que se concentram no sul da Bahia, Minas Gerais, e Espírito Santo) e “do sul” (Brachyteles arachnoides – é ela que está em Itatiaia e no resto do Estado do Rio). Os muriquis são conhecidos por ter um comportamento pacífico em comparação com outros primatas. “Eles em geral não brigam e, quando se sentem ameaçados ou querem dormir, formam cachos, ficam uns por cima dos outros”, explica André.

Parcerias

A contagem oficial de muriquis no Rio de Janeiro é de 43 a 48 bichos, quatro dos quais tiveram a existência confirmada por André, que terá um artigo publicado sobre o caso até o fim do ano na revista norte-americana Neotropical Primates (The ‘Muriqui-Rio’ Project: Status of the remaining populations of Muriquis in the State of Rio de Janeiro, Brazil and directions for future research). Ele trabalha com uma equipe de quatro pessoas que vai constantemente para o mato tentar encontrar os macacos. “Ainda se desconhece a quantidade de bichos que há no Estado. É provável que existam muitos grupos ainda desconhecidos”, disse ele.

André planeja intensificar os trabalhos em Itatiaia, que ele passou a considerar um lugar chave para a pesquisa. “Pelo relato de Cristian, é bem possível que tenha um grupo de até 50 muriquis lá, ou mais”, diz o biólogo, entusiasmado. A idéia é que o artista plástico acompanhe os pesquisadores nas trilhas, para fazer mais imagens dos animais.

“Precisamos de dois ou três anos, com mais esforço de campo, para concluir esse mapeamento”, conta André, ressaltando a importância do monitoramento das regiões já mapeadas e do controle da caça e do desmatamento. Ele afirma que conhecer os animais permitirá tomar ações práticas de conservação. E ele não descarta a possibilidade de, em casos extremos, remover os bichos para lugares onde eles estejam mais bem protegidos.

O Parque Nacional de Itatiaia estuda as medidas que podem ser tomadas para proteger a trilha onde os bichos foram avistados. Daniel Toffoli, analista ambiental do parque e coordenador do centro de visitantes, diz que é possível transformar a área em uma “trilha de observação de fauna”. “Foi o que sugeriu o diretor do parque, Walter Behr”, disse ele. Isso faria com que algumas regras fossem estabelecidas para a trilha: o acesso seria restrito a grupos menores e seria recomendado não usar roupas de cores berrantes, por exemplo. O importante, diz Tofoli, “é saber junto aos pesquisadores qual o limite de uso da trilha”. Assim se incentiva o turismo na região sem afugentar um de seus habitantes mais nobres.

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