Reportagens

Glória no além-mar

O paraense que ajudou a coordenar a criação do maior corredor ecológico do mundo, ganhou o prêmio Goldman, um dos mais importantes e gordos na área ambiental.

Juliana Tinoco ·
25 de abril de 2006 · 18 anos atrás

Todo ano, seis pessoas escolhidas a dedo na África, Ásia, Europa, América do Norte, América Latina e Nações-Ilhas, recebem o Goldman Environmental Prize . Um prêmio inspirado no prêmio Nobel e criado em 1990 pelo casal americano Richard e Rhoda Goldman para agraciar pessoas desconhecidas que sacrificam suas vidas para defender o meio ambiente em seus países de origem. Na noite do dia 24 de abril, na Opera House de São Francisco, o brasileiro Tarcísio Feitosa da Silva, nascido em Altamira, Pará, foi premiado por ajudar a criar o maior corredor ecológico do mundo.

Ele tem 35 anos e é professor. Estudou licenciatura em ciências, biologia, química e matemática para suprir a carência de professores nessas áreas nas escolas públicas da Terra do Meio, uma das regiões mais perigosas do Pará e onde ele luta desde os 15 anos pela preservação da Amazônia.

Começou junto às comunidades indígenas. Ainda adolescente, trabalhou no processo de demarcação de terras junto a Funai e em grupos de apoio aos índios. Em pouco tempo, se descobriu interessado na questão ambiental.

Nos anos 90 entrou para a Pastoral Indiginista Pela Vida do Xingu, ligada a Igreja cristã. Começou uma campanha de denúncias contra a exploração ilegal de mogno e a mineração nas terras indígenas em Altamira. A solução para um problema, criou outro: “Quando os madeireiros viram que teriam problemas para explorar o mogno em terras indígenas, eles atravessaram os rios Xingu, Iriri e Curuá e foram para a Terra do Meio”, conta Tarcísio.

O ambientalista virou o foco de sua atenção para a nova região atingida. Buscou alianças com ongs e movimentos sociais. O maior deles chamado Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MTDX), que reunia as principais instituições da região. Tudo para que as denúncias não cessassem. “A gente reclamava nas redes de ongs, nos jornais, com os órgãos públicos, com os deputados e com o Ibama”, revela.

Fez tanto barulho que em 2001 ganhou apoio do Greenpeace. Em parceria com a Polícia Federal e o Ibama, organizaram uma operação onde seis mil toras de mogno foram apreendidas. “Era a safra do ano todo de 2001, que ia sair pela floresta com a cheia dos rios”, relembra. Com o dinheiro da apreensão nasceu o primeiro fundo para a Amazônia, o Fundo Dema, que hoje rende juros convertidos para projetos sócio-ambientais.

Tarcísio saiu desse episódio como coordenador do MTDX e com prestígio suficiente para começar a articular a criação do corredor ecológico na Terra do Meio. “Depois de 2001 a área ficou mais calma e eu tive condições de levar os especialistas até lá”. Paralelo ao projeto, lutava também contra a construção de cinco barragens das empresas Camargo Correia, Odebrecht e do governo federal.

Em cinco anos, e com a triste colaboração do assassinato da freira americana Dorothy Stang – que obrigou o governo federal a agir na região da Terra do Meio, foi criado o maior corredor ecológico do mundo. São 282 mil e 489 quilômetros quadrados de floresta divididos na Reserva Extrativista Verde para Sempre, a reserva Riozinho do Anfrísio, o Parque Nacional da Serra do Pardo e a Estação Ecológica da Terra do Meio, criados com o apoio das ongs ISA, Cpt-Prelazia do Xingu, Greenpeace, WWF e Conservação Internacional. O feito levou Tarcísio, que hoje trabalha com a Comissão Pastoral da Terra, a receber o prêmio de 125 mil dólares da Fundação Goldman – o mais generoso na área ambiental.

Quanto às barragens, pelo menos uma já obteve ordem judicial para que não seja concluída. As outras estão na mira de Tarcísio, que pretende convencer os órgãos públicos da inviabilidade econômica da obra. “Se o governo quiser realmente construir essas barragens, vai destruir todo o corredor ecológico. Espero que com o prêmio, a ação ganhe mais visibilidade junto aos governos federal e municipal”.

Alexandre Cordeiro, chefe do Centro de População Tradicional do Ibama defende o trabalho de Tarcísio: “Se tivéssemos pessoas atuando como ele em outros estados, as ações do Ibama seriam muito mais fáceis. Ele é um grande parceiro e durante esses anos contribuiu com informações sobre madeireiros e até sobre corrupção dentro do instituto”. Muriel Saragoussi, chefe da Secretaria de Coordenação de Políticas para a Amazônia do Ministério do Meio Ambiente, concorda. “Tarcísio tem sido um importante interlocutor no plano de desenvolvimento sustentável da área”, comenta.

Adriana Ramos, do conselho diretor do ISA trabalhou com Tarcísio na organização dos estudos preliminares para a criação das unidades de conservação. Para ela, uma característica marcante no trabalho de Tarcísio é a defesa dos direitos humanos. “Ele esclarecia a população indígena contra a exploração da indústria madeireira e a grilagem”, conta. Ela também ressaltou que a pressão exercida por ele sobre os órgãos públicos foi crucial para a criação das unidades de conservação que formam o corredor ecológico da Terra do Meio, que espera ainda a criação das Reservas Extrativistas de Iriri e Xingu para ser concluído.

O último brasileiro a receber o Goldman Environmental Prize foi a ministra Marina Silva, em 1996, por seu trabalho de implantação de reservas extrativistas no Acre. A lista e o perfil dos seis ganhadores deste ano e dos anos anteriores podem ser visitados na página oficial do prêmio.

  • Juliana Tinoco

    Juliana Tinoco é jornalista multimídia especializada na cobertura de Meio Ambiente, Ciência e Direitos Humanos. Por quinze an...

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