Reportagens

Taxando o desperdício

São Paulo sanciona lei que prevê cobrança pela captação e utilização de água em residências e indústrias. O dinheiro deve ser investido na preservação dos rios.

Aline Ribeiro ·
6 de janeiro de 2006 · 18 anos atrás

Agora é pra valer. Além do que já pagam pelo serviço de distribuição de água, indústrias, setores do agronegócio e o consumidor doméstico do estado de São Paulo também serão cobrados pelos recursos hídricos que captam e utilizam.

A lei, aprovada pela Assembléia Legislativa em novembro do ano passado, foi sancionada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) no último dia 30. De acordo com o texto, empresas que devolverem a água aos rios com qualidade inferior à retirada também serão cobradas. “Temos de saudar a aprovação, que vai criar uma conscientização e organização da gestão dos recursos hídricos”, diz Marilene Ramos, doutora em gestão ambiental e professora da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ).

O texto prevê que, a cada metro cúbico de água utilizado, deverá ser paga a quantia máxima de R$ 0,01 – valor que pode ser alterado quando a lei for regulamentada. A cobrança sobre os efluentes líquidos também terá um teto, que pode chegar a R$ 0,03. Na prática, esses valores não são tão significativos, mas já devem afetar o comportamento do consumidor. É de se esperar que, sentindo no bolso, as pessoas pensem duas vezes antes de gastar água à toa.

“A cobrança é importante, mesmo que os valores não tenham níveis elevados, porque induz o usuário ao uso racional da água e incentiva o comportamento responsável, minimizando a retirada e a utilização”, ressalta Marilene. O consumo médio mensal de uma pessoa, por exemplo, é de 5,1 mil litros. Para as indústrias o impacto é maior. Elas usam dezenas de milhares de litros por dia.

Inicialmente, apenas o consumidor doméstico e a indústria que utiliza água de rios, represas e aqüíferos subterrâneos, inclusive poços, serão cobrados. O setor agrícola deve começar a pagar as tarifas em 2010. Os recursos arrecadados serão depositados no Fundo de Recursos Hídricos (Fehidro), que deve investi-los em obras de melhoria da qualidade da água para a mesma região onde foi gerado o dinheiro. “É muito importante que os recursos sejam revertidos para as bacias, de acordo com a avaliação de cada comitê responsável. Assim, o consumidor percebe em quê está sendo investido o pagamento das taxas”, diz Patrick Thomas, especialista em Recursos Hídricos da Gerência de Cobrança da Agência Nacional de Águas (ANA).

Alguns pontos da lei, em especial, podem ser considerados positivos quando o assunto é impacto ambiental. Um dos parágrafos determina que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê – principal responsável pelo abastecimento de água na Região Metropolitana de São Paulo – destine, durante 10 anos, 50% dos recursos captados exclusivamente a ações de preservação, proteção e recuperação dos mananciais que atendem à sua área de atuação. Em outro momento, o texto prevê a adoção de mecanismos de compensação e incentivos para usuários que devolverem a água com qualidade superior àquela determinada pela legislação. Ainda no âmbito da conservação, Thomas destaca o item que estabelece um prazo de dois anos para que o poder executivo aprove leis específicas referentes às áreas de proteção de mananciais das sub-bacias do Guarapiranga, Cotia, Billings, Tietê-Cabeceiras e Juqueri-Cantareiras.

Paraíba do Sul já cobra

A cobrança pela captação e utilização da água não é novidade no mundo. Em países como França, Inglaterra e Alemanha, a prática já é desenvolvida há quase 30 anos. Por aqui, os estados do Ceará e Rio de Janeiro têm legislação própria semelhante, embora ainda não tenham colocado a cobrança em prática. Novas leis estão sendo implantadas também em Minas Gerais e no Paraná.

Em âmbito federal, a lei de número 9.433, aprovada em 1997, rege a arrecadação de verbas pelo uso dos recursos hídricos interestaduais. A bacia do rio Paraíba do Sul foi a primeira a aderir à taxa e cobra das empresas do Rio de Janeiro e Minas Gerais desde 2003. Os recursos obtidos são usados em campanhas de educação ambiental, controle de erosão e tratamento de esgoto. “A medida gerou resultados bem positivos. Muitas empresas pediram revisão de outorgas para diminuir, nos contratos firmados com a ANA, a quantidade de água consumida”, comenta a professora Marilene Ramos.

O valor arrecadado no Paraíba do Sul – algo em torno de 6 milhões de reais por ano -, porém, não é suficiente. A inadimplência é alta e ainda há resistência de grandes empresas, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que deposita todo o dinheiro em juízo, sob o argumento de que não há garantia de que os recursos serão devidamente aplicados. Mas enquanto resiste na justiça, a companhia tenta reduzir seu impacto ambiental. Há uma década, captava em média 10 m³ de água por segundo, o suficiente para abastecer uma cidade de 1 milhão de habitantes. Hoje consome 5 m³/s e a intenção diminuir para 3 m³/s, conforme conta Marilene.

Em São Paulo, a lei levou sete anos para ser aprovada. O projeto original foi apresentado em 1998 pelo então governador Mário Covas e reformulado em 2000. A previsão de arrecadação é de cerca de R$ 420 milhões a partir da implementação da lei.

O coordenador de Recursos Hídricos da Secretaria Estadual de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento, Rui Brasil, explica que a regulamentação deve sair em 180 dias. “Acredito que ainda este ano as taxas sejam cobradas como no Paraíba do Sul e no Piracicaba, que já têm arrecadação de acordo com a lei federal”.

Recompensa

Além de cobrar de quem usa, o governo agora estuda formas de recompensar quem preserva os recursos hídricos. A Agência Nacional de Águas deve implantar ainda este ano um projeto que visa incentivar os agricultores do Paraíba do Sul a adotarem boas práticas de manejo do solo e da água. Ainda em discussão, o “Programa Produtor de Água” vai remunerar aqueles que desperdiçarem menos no momento da irrigação, reflorestarem as matas ciliares em áreas de mananciais e jogarem menos carga orgânica nos rios. “Durante cinco anos, vamos acompanhar e dar instruções aos agricultores. O incentivo financeiro, além de estimular as boas práticas, ainda pode ser utilizado na compra de equipamentos e melhoria do sistema”, afirma Patrick Thomas, da ANA.

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