Reportagens

Da floresta à caatinga

Parque Nacional da Serra de Itabaiana é o primeiro do Sergipe. Carente de pessoal, o Ibama local quer os moradores como aliados. Aposta tudo no ecoturismo.

Mônica Pinto ·
10 de novembro de 2005 · 18 anos atrás

Sergipe acaba de ganhar seu primeiro Parque Nacional. O menor estado do Brasil já perdeu mais de 99% de sua cobertura vegetal, e os exatos 7.966 hectares da Serra de Itabaiana são estratégicos para a conservação do que ainda resta da mata atlântica e da caatinga sergipanas.

A posição privilegiada, na transição entre dois ecossistemas, garante ao Parque uma biodiversidade respeitável. Estudos da Universidade Federal de Sergipe identificaram em Itabaiana 16 espécies de répteis, 24 de anfíbios, uma de quelônio, 62 de mamíferos e 123 de aves. Entre os bichos protegidos pelo novo Parque, destaca-se o macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus xanthosternos), criticamente ameaçado de extinção.

O trabalho pela criação do Parque, nos últimos anos, foi acompanhado pelo crescimento do interesse científico pela Serra de Itabaiana. Universidades de Sergipe, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro encerraram recentemente sete pesquisas na região, que esmiúçam de fungos a morcegos, passando por abelhas, formigas e cupins.

As belezas da serra, a apenas 50 quilômetros da capital Aracaju, atraem também muitos turistas. E só agora, com a criação do Parque Nacional oficializada no dia 16 de outubro, será possível criar um plano regulamentando o lazer e o esporte em Itabaiana. Isto porque, em 1979, parte da área foi decretada Estação Ecológica, um tipo de unidades de conservação que não permite nenhuma presença humana, a não ser em estudos e pesquisas. O que levava o Ibama a fazer vista grossa para essas atividades.

No início da década de 90, técnicos do órgão ambiental passaram a fazer estudos em parceria com as comunidades de entorno da Estação Ecológica, e aos poucos esboçaram a proposta do Parque Nacional. Apesar de menos restritiva, ela pode gerar renda e novas políticas de conservação da área. Além disso, os antigos 288,53 hectares protegidos viraram 7.966. Um bom negócio.

“Para nós, isso é maravilhoso”, diz Josefa Inocência, vice-presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Município de Areia Branca, confiante nas perspectivas de melhoria na qualidade de vida a partir do ecoturismo. Professora aposentada, ela lembra que, em seus 17 anos de magistério, levou várias turmas de alunos para a Serra de Itabaiana, com destaque para o Poço das Moças, uma piscina natural de visitação obrigatória. “É uma água que a gente olha e já dá vontade de mergulhar”, define dona Josefa, que aprovou integralmente todo o processo de implantação do parque.

“Após a elaboração do plano de manejo e a implantação de infra-estrutura, o Ibama vai inaugurar a visitação pública e, conseqüentemente, a cobrança de ingressos”, antecipa a bióloga Valdineide Santana, lotada na base do Ibama na Serra de Itabaiana desde o início dos anos 90. Junto com o geógrafo Marleno Costa, Valdineide foi responsável pelo longo processo de discussão que resultou no Parque. Sob orientação do gerente-executivo do Ibama em Sergipe, o biólogo Márcio Macedo, a dupla viu-se incumbida de azeitar as conversas com a população.

Com a ampliação da área protegida, estão sob a guarda do Ibama, além da Serra de Itabaiana, também a Serra Comprida e a Serra do Cajueiro, onde fica a nascente do rio Poxim, que abastece parte de Aracaju. As três serras formam o Domo de Itabaiana, que domina o relevo do agreste sergipano.

Lenha e fogo

Tudo justificaria a festa por essa vitória sergipana, não fosse o Parque Nacional da Serra de Itabaiana vítima dos mesmos problemas que assolam unidades de conservação federais por todo o país. “Terminamos um processo, mas sabemos que estamos iniciando outro”, admite Márcio Macedo, acostumado com a penúria em que vive imerso o Ibama. A unidade de Sergipe sequer tem uma estimativa do orçamento do novo Parque, que tem, a princípio, quatro servidores, mais o pessoal da vigilância terceirizada – um homem por dia –, e dois funcionários para limpeza e conservação dos dois imóveis: a sede administrativa e o que será o Centro de Visitantes.

Em todo Sergipe, o Ibama conta com apenas 12 fiscais. Ainda não se sabe quantos serão lotados em Itabaiana, mas o gerente-executivo Márcio Macedo já avisou que pretende instalar no parque pelo menos um posto de fiscalização. E contar com o trabalho de “agentes ambientais voluntários”, capacitados pelo órgão este ano.

Na base da persuasão, eles e os funcionários do Ibama pretendem combater uma das mais graves agressões ambientais da região: a retirada de lenha para o uso em casas de farinha e olarias. “Vamos trabalhar para encontrar alternativas de renda para essas pessoas”, diz Valdineide Santana. “Não dá mais é para tirarem lenha de lá”. A idéia é transformá-los em defensores da conservação. O Senac de Sergipe já tem oferecido capacitações para moradores interessados em trabalhar como guias turísticos.

Outro problema são os incêndios. O turismo sem controle é o principal responsável pelo fogo acidental. No início deste ano, um incêndio destruiu mais de 100 hectares de mata. O Ibama treinou uma brigada de incêndio com 30 pessoas. Todos voluntários.

Os estudos da região revelaram à bióloga Valdineide Santana as peculiaridades da cultura local, o que resultou na pesquisa de mestrado “Serra de Itabaiana: Das Brumas do Imaginário à Cerca Invisível”. Entre os eventos históricos que marcaram a população está a busca por minas de prata, encomendada no século XVII pelos holandeses ao bandeirante Belchior Dias Moréia e retratada no romance “As Minas de Prata”, de José de Alencar.

Ainda hoje, alguns moradores acreditam que um bezerro de ouro vive na Serra. Já o Poço das Moças foi assim batizado porque donzelas teriam perdido a virgindade ao banharem-se em suas águas, vítimas de um encantamento. A partir disso, transformaram-se em sereias. Há quem jure que um mergulho no poço ajuda a “desencalhar” quem não consegue arrumar namorado. A religião também tem lugar na Serra de Itabaiana, que muitos sobem pagando promessas, até chegar ao cruzeiro lá instalado em 1887 por um frei capuchinho. Todos os anos, o local sedia uma missa de Páscoa.

Lendas e costumes que, a partir de agora, devem obedecer a uma orientação soberana. A preservação ambiental.

* Mônica Pinto é jornalista em Curitiba e editora do portal AmbienteBrasil.

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