Reportagens

Papel de bobos

Ambientalistas gaúchos levam rasteira da indústria de papel e celulose, que negociou uma trégua para depois anunciar a chegada de multinacional no estado.

Renan Antunes de Oliveira ·
13 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

Os ambientalistas do Rio Grande do Sul vinham assistindo, meio desconfiados, à guerra fria entre as duas maiores empresas nacionais de celulose, Votorantim e Aracruz. Briga que parecia não ter sentido, já que a primeira tem participação acionária na segunda.

Atuando numa área de grande potencial poluidor, as indústrias de papel estão numa corrida de financiamento para novos plantios de eucaliptos, que abastecerão fábricas que ainda não existem, em competição pelo mercado futuro e sem a menor preocupação ambiental.

O problema da hora é que o governo ainda não definiu o zoneamento para licenciar o plantio das árvores exóticas necessárias à indústria, mas as empresas já compram terras nos pampas. Arrebanham pastagens e lavouras, criando uma sombra de dúvida quanto ao futuro da biodiversidade na região.

Enquanto a briga ficou restrita às duas irmãs, tudo estava em casa. Mas, no final de setembro, Aracruz e Votorantim se declararam surpreendidas pela entrada na briga da multinacional sueca Stora Enso. Se ela fosse um supermercado, as brasileiras seriam o armazém da esquina.

A chegada da gigante foi anunciada numa blitz de propaganda nos jornais locais. A Stora Enso já desembarcou em solo gaúcho comprando 100 mil hectares para plantio de sua floresta própria, duas vezes e meia mais terra do que as brasileiras adquiriram durante o último ano.

Não tanto pelo tamanho, mas pelo momento do anúncio, as ongs ficaram furiosas. Ocorre que uma semana antes da chegada da Stora Enso, houve uma rara reunião entre executivos da indústria de celulose e ongueiros gaúchos – foi um encontro secreto, no hotel Plaza, no dia 21 de setembro.

As ongs Fundação Gaia, Núcleo Amigos da Terra e Movimento Roessler, sob o guarda-chuva da Apedema, entidade que congrega ambientalistas no estado, foram convidadas pela Aracruz para um café da manhã. A boca-livre é um instrumento clássico para tentar fazer o pessoal do contra baixar a guarda.

Os executivos da empresa aproveitaram o regabofe para dar uma palestra demorada sobre os rumos da indústria. Mostraram-se dispostos a ouvir qualquer reclamação, solucionar qualquer pendenga, prometendo mundos e fundos na compensação de eventuais danos.

Mais: a Aracruz pintou o cenário da possível implantação de fábricas como não tão devastador para a biodiversidade como os críticos tem afirmado – até pela pequena escala possível para os negócios das empresas brasileiras. Numa frase: nada de ruim aconteceria com o Rio Grande.

Rasteira

A turma do contra saiu do hotel de coração amolecido por croissants e café com canela, ainda tentando digerir o novo momento de harmonia com indústrias tão comunicativas, depois de anos de silêncio.

Foi aí que veio a bomba da Stora Enso. Depois de anunciar sua compra de 100 mil hectares, já avisou que vai erguer uma fábrica de 1 bilhão de dólares, com potencial poluidor proporcional ao investimento.

As ongs se sentiram traídas, porque a Aracruz é parceira da Stora Enso na Bahia. Assim, aquela aproximação com as ongs beneficiaria as três indústrias, e qualquer uma de suas apresentações acionárias: Stora/Aracruz, Aracruz pura ou Aracruz/Votorantim.

A Núcleo Amigos da Terra (NAT) demorou 48 horas para divulgar uma nota “reafirmando repúdio aos plantios maciços de eucaliptos no Estado”, acabando com a trégua promovida pelo café da manhã.

Os executivos da Aracruz se defenderam alegando que não sabiam dos passos da parceira. A Votorantim se disse surpresa com o desembarque da Stora Enso no Rio Grande – seus executivos já tinham detectado compra de terras em áreas que eles tinham interesse, mas disseram acreditar que o movimento era da “concorrente” Aracruz. O pessoal da Aracruz, por sua vez, disse que achava que as compras eram coisa da Votorantim.

As empresas de celulose, vindas da Suécia ou de Marte, estão com uma proposta irresistível para os gaúchos: renda possível de R$ 3 mil por hectare, contra míseros 80 produzidos pelo gado no mesmo espaço. Cerca de 40 mil hectares de campos já tinham se transformaram em florestas no ano passado, o triplo da média anual de plantio dos últimos dez anos. Com a entrada da Stora Enso no jogo, a área reservada a eucaliptais cresce para 140 mil hectares.

O risco mais sério é que as florestas exóticas brotam antes mesmo da conclusão do zoneamento que está sendo feito pelo governo do estado para definição das regras de licenciamento. Estranhas ao ecossistema regional, as matas ameaçam animais que têm a dieta baseada na diversidade biológica, alguns já em risco de extinção: “A floresta plantada em áreas abertas é catastrófica, a fauna não resiste”, afirma o biólogo Glayson Bencke, da Fundação Zoobotânica.

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