Reportagens

Um dia a casa cai

A operação Curupira provocou uma faxina bem-vinda na estrutura do Ibama e da Fundação Estadual do Meio Ambiente do Mato Grosso. Agora é moralizá-las novamente.

Carolina Elia ·
3 de junho de 2005 · 19 anos atrás

Cerca de quinze dias antes do Governo Federal divulgar a taxa de desmatamento da Amazônia, uma equipe do Ministério do Meio Ambiente reuniu-se com o presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente do Mato Grosso (Fema), Moacir Pires, para discutir a responsabilidade do estado na derrubada da floresta. Já se sabia que o Mato Grosso seria responsável por quase 50% do desmate total na Amazônia (26.130km2) e o governo não estava disposto a investir os 3 milhões de reais reservados à Fema se a instituição não mostrasse competência para combater o desmatamento.

Naquela reunião, Moacir Pires argumentou que as maiores derrubadas aconteciam em áreas sob responsabilidade do Ibama, por isso sugeriu que a Fema ficasse encarregada de conceder todas as licenças de desmatamento no estado do Mato Grosso. Ele também pediu aos representantes do Ministério que o Ibama perdesse o direito de conceder as Autorizações para Transporte de Produtos Florestais (ATPFs), documento que legaliza a comercialização da madeira na Amazônia, e que essa função fosse repassada à Fema.

Um mês depois, uma operação conjunta da Polícia Federal com o Ministério Público, batizada de Curupira, provocou a prisão tanto de Moacir Pires quanto do gerente-executivo do Ibama no Mato Grosso, Hugo José Scheuer Werle. O diretor de Florestas do Ibama, Antônio Carlos Hummel, também foi parar em uma cela em Cuiabá. Todos acusados de envolvimento com comercialização ilegal de madeira no estado.

A operação Curupira foi deflagrada do dia 2 de junho e prendeu, em um único dia, 85 empresários e funcionários do Ibama e da Fema. Os crimes variam desde delitos risíveis, como o do reflorestador Luiz Vieiro Trevisan que foi preso por fazer “reposição virtual de árvores”, até formação de quadrilha e crime contra a administração pública – como foi o caso de Moacir Pires. Hugo José Sheuer Werle foi acusado de recebimento de propina para diversos fins e liberação de projeto ignorando parecer contrário da área técnica. Antônio Carlos Hummel teve prisão temporária decretada por suspeita de omissão em relação ao cumprimento de uma ordem judicial para suspender planos de manejo em Terras Indígenas.

Uma das principais atividades da quadrilha era a falsificação de ATPFs. O documento vale ouro nas estradas amazônicas por servir como um sinal verde para o transporte de toras. Funcionários do Ibama aceitavam suborno para emitir autorizações capazes de legalizar estoques de madeiras cortadas ilegalmente e para aliviar a fiscalização do produto. Já a Fema foi alvo de uma ação civil pública por autorizar desmatamentos acima do permitido pela Constituição Federal em áreas de transição entre cerrado e floresta amazônica. Baseada numa lei estadual, a Fundação permite fazendeiros derrubarem até 50% das suas reservas de mata. Mas no âmbito federal não existe área de transição: ou é floresta amazônica (onde só se pode desmatar 20%) ou cerrado (onde é necessário preservar 35% da propriedade). O Ministério Público concluiu que a Fema estava tratando regiões de características amazônicas como cerrado.

Fema e Ibama dividem a responsabilidade de licenciar desmates em áreas de reserva legal. A Fundação emite licenças para fazendas com mais de 300 hectares e o Ibama para propriedades menores. Em maio, quando foi divulgado o quanto se desmatou na Amazônia e no Mato Grosso entre 2003 e 2004, as duas instituições  tentaram se esquivar da responsabilidade. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, o índice de desmatamento aumentou nas áreas sob fiscalização da Fema e diminuiu nas que estão sob vigilância do Ibama.

“Não há transparência na autorização dos planos de manejo e desmatamento e na circulação das ATPFs. Tudo é feito em gabinete”, queixa-se André Lima, consultor jurídico da ong Instituto Socioambiental (ISA). “Nós não temos como monitorar a concessão de autorizações de desmatamento concedidas pelo governo do Mato Grosso. Isso poderia ser feito online, mas o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério Público Federal não têm acesso à senha”, diz Gilney Viana, secretário de Desenvolvimento Sustentável do Ministério.

Poucas horas depois do início da Operação Curupira, o Ibama do Mato Grosso sofreu intervenção federal. O gerente-executivo e os chefes de divisão da unidade foram exonerados, diretores provisórios ocuparam os cargos e o procurador federal Elielson Ayres de Souza assumiu o comando da instituição por 60 dias. A Fema passou por processo parecido. A prisão do presidente da Fundação, Moacir Pires, levou à suspensão do expediente por sete dias. A ordem foi dada por Marcos Machado, atual secretário de Saúde do Mato Grosso e escolhido pelo governador Blairo Maggi para ocupar o cargo que ficou vago da noite para o dia. Marcos não tem experiência com questões ambientais, mas é utilizado pela atual gestão como um curinga para resolver pepinos administrativos. Ele foi escolhido para comandar a pasta da Saúde exatamente para solucionar problemas de corrupção no setor.


 Assim que assumiu o cargo de presidente da Fema, suspendeu todos os processos de licenças para desmatamento até que cada caso seja analisado. Também anunciou a criação de uma equipe para reunir informações e documentos de interesse do Ministério Público Federal, cujo trabalho será acompanhado pelo promotor de Justiça Domingos Sávio de Barros Arruda. Marcos falou sobre o intuito de se formular uma nova lei para definir a política ambiental de Mato Grosso, estabelecendo critérios para a concessão de licenças. Em conversa com a ministra Marina Silva, o governador Maggi também prometeu mudar a política ambiental do estado. Os deputados federais Fernando Gabeira (PV-RJ) e José Sarney Filho (PV-MA) querem convocá-lo para uma audiência pública em Brasília para que ele explique a crise ambiental que marca sua gestão.

Pessoas que acompanham de perto a questão ambiental no Mato Grosso dizem que nos últimos meses aumentaram os boatos de corrupção dentro da Fema. Dizia-se que a instituição tinha virado um balcão de vendas durante a nova gestão. O índice de desmatamento no estado, isso é fato, triplicou nos últimos dois anos. Moacir Pires foi nomeado presidente da Fema no começo do governo de Blairo Maggi e, segundo a assessoria de comunicação do governador, assumiu o cargo por indicação política do PFL. Moacir nunca tinha atuado na área ambiental. Até então era empresário e deputado estadual pela bancada ruralista do partido.

Para limpar a imagem da Fema, seu novo presidente planeja transformá-la em Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Mas isso não quer dizer muito no Mato Grosso, onde o presidente da Fema já exerce o posto de secretário de Meio Ambiente. Seria basicamente uma troca de nomes que permitiria uma faxina nos cargos, muitos deles ocupados por pessoas de confiança de Moacir Pires.

“Quem sabe agora a gente vai conseguir trabalhar”, disse uma funcionária da Fema sobre as mudanças provocadas pela Operação Curupira. Quem está na outra ponta da rede de pessoas afetadas pela investigação, concorda. Wagner Kranbauer, presidente da União das Indústrias Florestais no Estado do Pará (Uniflor), afirmou que a operação é necessária pois elimina a concorrência desleal. Ele ressaltou, no entanto, a burocratização dos órgãos governamentais como a principal causa de fraudes. “Há quatro anos a gente pede a informatização dos órgãos responsáveis pelos licenciamentos, mas ao invés disso a gente tem cada vez mais burocracia”.

Esta também é a opinião de Justiniano Neto, diretor-executivo da Associação dos Exportadores de Madeira (Aimex). Ele espera que as prisões sirvam de aviso ao governo de que algo está errado na estrutura de gestão e que sejam um prenúncio de mudanças profundas nas instituições responsáveis. “Espero que esse tipo de ação não seja só para fazer manchete. É preciso punir, prender e eliminar as madeireiras ilegais”. Segundo Neto, as investigação têm que ir fundo nas ligações entre o Ibama e as empresas clandestinas.

O manejo sustentável também foi apontado pelos madeireiros como uma barreira. Leonardo Sobral, engenheiro florestal da Cikel, empresa de extração de madeira, afirmou que os documentos pedidos para aprovar um plano de manejo são mais numerosos do que os necessários para desmatar uma área. Paulo Roberto Seelend, presidente do Sindicato das Indústrias de Madeira do Médio Norte no Estado de Mato Grosso (Sindinorte), disse que apesar de os madeireiros serem os únicos responsabilizados pelo desmatamento, a agricultura e a pecuária também exercem papel importante na expansão das fronteiras que devoram a floresta.

* Colaboraram Andreia Fanzeres, Ana Antunes e Matheus Leitão.

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