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Muy lindo

Ranking deu ao Uruguai o terceiro lugar do mundo em desenvolvimento sustentável. Uma visita aos nossos vizinhos ajuda a explicar o surpreendente resultado.

Renan Antunes de Oliveira ·
4 de março de 2005 · 19 anos atrás

O Uruguai venceu o Brasil de novo, desta vez fora do Maracanã: nosso vizinho do tamanho do Rio Grande do Sul e com menos gente do que a cidade do Rio apareceu em primeiro lugar da América Latina e terceiro do mundo num ranking internacional de desenvolvimento sustentável.

O ranking chama-se ESI (sigla para Environmental Sustainability Index), é ainda experimental e usou uma fórmula até então inexistente. Foi feito por pesquisadores das universidades americanas de Yale e Columbia, pago pela Coca-Cola e apresentado em janeiro no Fórum Econômico Mundial, em Davos. O Brasil aparece em quinto lugar da América Latina e 11º no mundo.

O estudo, baseado em censos oficiais, tem cinco grandes linhas: a cooperação do país analisado com seus vizinhos; se o povo passa fome; a atitude da sociedade; o estado do meio ambiente no momento da análise e a pressão da população sobre a natureza.

Como rankings desse tipo sempre podem ter utilização política, os estudiosos se preocuparam em explicar direitinho como é que fizeram para criar a fórmula que dá notas para 146 países em variáveis de 21 aspectos físicos (da água ao ar) e das tais cinco linhas gerais. A fórmula mostra que um país só tem boas chances de desenvolvimento quando sua economia está em ordem, o povo está bem de vida o suficiente para não precisar derrubar floresta, a sociedade tem alguma consciência do que está fazendo e salta em defesa da natureza quando a vê ameaçada.

Se é assim, como se explica o Uruguai na cabeça? Ele está mal no quesito economia, o primeiro. E o presidente socialista Tabaré Vázquez, que acabou de tomar posse, quer copiar lá o Fome Zero, sinal de que há uma massa faminta. Quesito dois na pior.

Parece que o Uruguai conseguiu bom resultado porque está congelado num retrato irreal. Seu modelo de ocupação da terra é o mesmo da Argentina e do sul do Brasil, onde a mata nativa foi derrubada no início do século passado para o estabelecimento de fazendas de gado. Foi a baixa densidade populacional e a industrialização zero que deixaram o Uruguai relativamente limpo – e isso começa a explicar em parte como ele pôde fazer bonito na lista encabeçada pela Finlândia e Noruega, ficando um ponto acima da Suécia, todos países ultra-ricos.

Um brasileiro que bote o pé na estrada para ver o modelito uruguaio não nota nenhuma diferença para melhor na paisagem, mas o ar é mais limpo. É possível beber água em pequenos regatos de beira da estrada, coisa que no Brasil vai dar dor de barriga na certa, dependendo da zona.

Mais: um colar de 50 parques nacionais bem cuidados, beneficiados pelo pequeno número de usuários, garante vários pulmões. Nos cafundós de Rio Branco, na província de Rocha, nossos vizinhos fizeram “passarinhários”, pequenos observatórios para aves. Em alguns parques, colocaram torres. No silêncio das lavouras e matas, as pessoas sentam e ficam olhando a bicharada, programa monótono mas relaxante.

Uma banalidade burocrática: os técnicos do Dinama (equivalente ao nosso Ministério do Meio Ambiente) não se surpreenderam com o diagnóstico dos americanos. Eles já sabiam que seu país é um dos menos poluídos.

Mas o retrato pode mudar: o crescimento dos transgênicos, das lavouras de arroz “brasiguaias” e a instalação de duas grandes fábricas de celulose recém-contratadas pode ser o início da temida fase de industrialização e poluição, tornando o futuro desenvolvimento insustentável.

O perigo está na curva dos rios da bacia do Prata, na fronteira com o Brasil. O cultivo de arroz por e para brasileiros é a maior ameaça ao ecossistema. O inimigo da hora são os grandes produtores do Mercosul – leia-se os brasileiros – porque eles viraram os maiores investidores nas grandes lavouras, aproveitando o baixo preço da terra. Os locais já reclamam do incentivo que o governo lhes dá, mostrando um enorme potencial para conflitos como aqueles do passado entre brasileiros e paraguaios.

A ong Amigos de La Tierra não achou oportuna a divulgação do ranking, feita na mesma semana em que as empresas de celulose potencialmente poluidoras pediram (e ganharam) licença para operar no Uruguai. Seus ambientalistas identificaram agora, tardiamente, as razões pelas quais o governo aprovou em 1980 uma lei de reflorestamento. Eles acham que o objetivo de então era garantir matéria-prima para fábricas como as que agora se instalaram.

A ong reclama também que a monocultura florestal para energia trouxe problemas que o pessoal das universidades americanas não percebeu e que vão causar impacto negativo. Segundo ela, não foram realizados “estudios holísticos de impacto ambiental de la forestación con rigurosidad científica hasta la actualidad. Existen informes técnicos de los impactos socio-económicos y ambientales que están generando los monocultivos forestales a gran escala que revelan las consecuencias sobre los ecosistemas autóctonos, la biodiversidad, el régimen hidrológico así como el impacto en el sector agropecuario”. Nem precisa entender a língua para notar a insatisfação do pessoal.

Em fevereiro, por causa da seca que atinge o Sul, o país enfrentou uma onda de incêndios. Queimou um parque inteiro em Santa Tereza, para os lados de Punta del Este. O Exército teve que sair das casernas para dar uma de bombeiro em defesa da floresta.

O povo fala? Então aqui está a voz dos mochileiros argentinos Nicholas e Juan Luis, e das chilenas Ana e Evelyn, encontrados num domingo de fevereiro em um parque de Rocha: “Uruguai es muy lindo” – opinião deles, apesar do fogo, do Exército fora da caserna, das fábricas de celulose e dos arrozais brasileiros.

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