Reportagens

Um passo de cada vez

Estudo mostra que só agora o brasileiro começa a reconhecer e entender as questões ambientais, mas ainda não se identifica como responsável pelo problema.

Andreia Fanzeres ·
26 de maio de 2006 · 18 anos atrás

Responda rápido: o que o Brasil tem de melhor?

Pensou? Convenhamos, não é preciso muito tempo. Com exceção de eventuais referências a futebol, música popular e mulheres, dá pra pensar o nosso país sem as famosas praias, montanhas, cachoeiras e florestas? Aqui em O Eco, o jornalista Marcos Sá Corrêa costuma lembrar de uma pesquisa do historiador José Murilo de Carvalho, que na década passada revelou como o meio ambiente está enraizado entre as noções de cidadania mais fortes do brasileiro. “O verde das florestas foi apontado como o maior orgulho que as pessoas tinham do país, mesmo que o sujeito nunca tivesse tido contato com esse ambiente no lugar onde mora”, conta.

Enquanto essa terra paradisíaca permanece estagnada no imaginário popular, na vida real os atributos naturais estão sendo velozmente exauridos. No entanto, a pesquisa “O que o brasileiro pensa sobre biodiversidade?”, realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser), mostrou que, aos poucos, a percepção de que o meio ambiente vem sofrendo graves ameaças tem aumentado – ainda que essa consciência não esteja acompanhada por mudanças de comportamento. Os problemas ambientais são vistos como responsabilidade do outro, do vizinho, da prefeitura, do governo.

O levantamento foi feito pelo Instituto Vox Populi entre os dias 18 e 31 de março, com 2.200 homens e mulheres, de zonas rurais e urbanas de todas as regiões do país. A pesquisa é a quarta da série “O que o brasileiro pensa sobre o meio ambiente?”, lançada primeiramente em 1992, com edições em 1997 e 2001. Em entrevistas domiciliares que duravam cerca de uma hora, os entrevistados responderam a 78 perguntas que originaram 800 tabelas – muitas das quais focadas em temas sobre biodiversidade.

O entendimento do linguajar ambiental foi um dos pontos que mais surpreenderam a pesquisadora Samyra Crespo, à frente dos levantamentos desde 1992. Apesar de apenas 26% dos entrevistados se lembrarem de já terem ouvido falar em biodiversidade, 79% deles explicaram corretamente o termo. No mesmo modo, 62% dos entrevistados já escutaram a palavra transgênicos, 61% áreas protegidas e 67% efeito estufa.

Nada menos que 98% dos entrevistados consideraram a destruição das florestas algo, no mínimo, grave para o Brasil. E quando perguntados explicitamente sobre o principal problema ambiental do país, 65% citaram os desmatamentos e as queimadas – um avanço desde 1992, quando essa era a opinião de 46% da população. Em segundo lugar ficou a poluição de rios, lagos e mares, com 43%. Samyra Crespo destaca que essa consciência não aumentou apenas em números absolutos, mas de forma bem distribuída no país. “Sobre o desmatamento, a questão se mostrou mais evidente na região Norte, onde esse índice subiu para 86%.”, diz a pesquisadora.

Mudanças tímidas

Tal posição poderia significar mais do que o simples reconhecimento da ameaça se os brasileiros, além de enxergarem o problema, se vissem como co-responsáveis por ele. Para saber se os entrevistados se envolviam em questões que efetivamente estavam ao seu alcance, a pesquisa propôs a listagem dos principais problemas do bairro. Como primeiras respostas apareceram: lixo e saneamento. E a culpa recaiu sobre os governos. “A maioria das pessoas ainda nem se considera parte do meio ambiente. Imagina se ia se ver como responsável”, diz Samyra.

Apenas quando explicitamente a pesquisa exigia que as pessoas dissessem de que maneira podiam ajudar a solucionar os problemas ambientais, elas lembraram do que tem sido repetido ao longo dos últimos 14 anos de análises. Setenta e oito por cento delas disseram que vão contribuir fazendo coleta seletiva de lixo, 65% reduzindo o consumo de água e 51% diminuindo os gastos com energia. “Nesse ranking, a disposição de mudar certos hábitos só vira realidade quando dói no bolso”, avalia Samyra. “Falta ligar o desafio de formar um Brasil melhor com um ambiente melhor. Não é pensar só no desempenho da economia, na conta bancária”, opina a educadora ambiental Suzana Pádua, fundadora do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê) e também colunista de O Eco.

Falando nisso, ainda de acordo com a pesquisa, as poucas mudanças de comportamento não incluem doação em dinheiro para proteção da natureza. Tampouco incrementos no consumo de produtos considerados ambientalmente corretos. Mas se tivessem recursos e a intenção de doá-los para proteger algum ambiente natural brasileiro, os entrevistados escolheriam a Amazônia, com 38% da preferência. Em segundo lugar, a Mata Atlântica (18%), seguida pelo Pantanal (9%), Caatinga (5%), Cerrado e Manguezais (3%) e Campos Sulinos (0%).

Essa escolha pelo destino da doação tem mais a ver com que região tem atraído mais a atenção das pessoas do que efetivamente o grau de ameaça que o ambiente sofre. Por exemplo, estima-se que metade da área original da Amazônia, que ocupava originalmente cerca de 49% do território nacional, tenha sofrido alguma transformação. Enquanto isso, 80% do Cerrado já foram destruídos, a Mata Atlântica já perdeu 92% do que tinha e os Campos Sulinos tiveram mais de 99% de sua área original alterada. “Percebemos que o caso dos campos é ainda mais grave, pois de tão pouco que resta as pessoas até já se esqueceram deles”, alerta a engenheira florestal Verônica Theulen, da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza e também colunista de O Eco.

Educação e comunicação

A dificuldade em fazer a relação entre pressão sobre os recursos naturais e o envolvimento da população é, em parte, explicada por deficiências na educação básica e no tipo de informação veiculada nos meios de comunicação. “A mídia tem papel importantíssimo, pois poderia popularizar idéias que remetessem a uma maior valorização do meio ambiente”, diz Suzana. Samyra concorda. “Prevalece a visão catastrofista quando alguma questão ambiental aparece. As pessoas estão preocupadas, não têm idéia do que podem fazer para contribuir diante da magnitude dos problemas anunciados”, fala a coordenadora da pesquisa.

Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu, dá uma noção de como, no caso do consumo consciente, é possível fazer a sensibilização de questões ambientais, mesmo as mais abstratas. Ele explica o processo em quatro etapas. A primeira delas – e a única que aparentemente o Brasil está conseguindo superar – é reconhecer que o problema existe. Depois, que ele afeta as pessoas. “Muita gente acha que, em termos práticos, o desmatamento na Amazônia não interfere na vida de quem vive em São Paulo”, diz. O terceiro passo é perceber que contribuição cada pessoa pode dar, observar o impacto de uma mudança em seus hábitos de consumo. Por exemplo, no caso do desmatamento, ser mais criterioso na escolha da origem da madeira a ser comprada para uma obra em casa ou o lugar de onde vem a carne usada para alimentação. E, por fim, entender que para fazer a diferença é preciso mobilizar mais pessoas.

“Esse tipo de pesquisa é muito importante porque podemos parar e ver para onde a gente está andando, se estamos agindo certo em nossos trabalhos e reconhecer se o esforço está valendo a pena”, diz Suzana. Para ela, seria bom que não só o setor ambientalista, mas que o governo também pudesse usar a pesquisa para refletir sobre a efetividade de suas ações. “O Estado não valoriza nem a educação nem o meio ambiente. Não tem um governante que fale sobre biodiversidade como um valor”.
E é bom estarmos atentos ao que os parlamentares têm a dizer justamente sobre isso, biodiversidade. A pesquisa do Iser teve uma segunda etapa, desta vez qualitativa. Entrevistou gente dos governos, formadores de opinião, cientistas e outras lideranças convidadas a responder perguntas sobre meio ambiente. Até o fim de maio, o estudo será oficialmente apresentado.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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