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Guia ilustrado mapeia todas as serpentes registradas na Caatinga

“Serpentes da Caatinga: Guia ilustrado” é resultado de quatro anos de pesquisa da bióloga Thaís Guedes e reúne um total de 114 espécies de cobras do bioma

Carolina Lisboa ·
18 de outubro de 2017 · 7 anos atrás
A cobra verde (Erythrolamprus viridis). Foto: Ivan Sazima/Divulgação.
A cobra verde (Erythrolamprus viridis). Foto: Ivan Sazima/Divulgação.

Imagine catalogar e mapear todas as espécies de serpentes registradas para o Bioma Caatinga, que ocupa uma área de 850.000 km², e analisar 22 mil serpentes em coleções científicas e museus de história natural. Quatro pesquisadores resolveram realizar esta tarefa e o resultado, o livro “Serpentes da Caatinga: Guia ilustrado”, será lançado no dia 19 de outubro, às 18:30, no Auditório do Museu Biológico do Instituto Butantan, em São Paulo. A publicação é um importante passo para a compreensão, divulgação e conservação da Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro e o mais negligenciado quanto à conservação da sua biodiversidade.

O livro é resultado do trabalho de doutorado da pesquisadora Thaís Guedes, da UNIFESP, em parceria com os pesquisadores Otavio Marques, do Instituto Butantan; André Eterovic, da Universidade Federal do ABC; e Ivan Sazima, do Museu de Zoologia da UNICAMP, nomes bem conhecidos no campo da herpetologia, a ciência que estuda os répteis e anfíbios.

O objetivo da tese de doutorado foi catalogar e mapear todas as espécies de serpentes da Caatinga. Para isso, Thais viajou por quase todo o país. “Saí de São Paulo em janeiro e só voltei em novembro, coletando dados em todas as coleções de São Paulo até Belém pela costa e voltando por dentro do Brasil, por Brasília e Minas, por exemplo”, explicou ela.

Desafios

Mas nem só de ciência é feito um livro. Os pesquisadores também enfrentaram alguns percalços ao longo do caminho. Em 2010, por exemplo, um incêndio no Instituto Butantan destruiu o maior acervo de serpentes do país. Boa parte da coleção de serpentes, aranhas e escorpiões, cerca de 70 mil exemplares, foi perdida no acidente, o que quase prejudicou a coleta de dados. Também houve riscos, como o bote de uma jararaca Bothrops lutzi na barriga da Thais, durante uma sessão de fotos. Por sorte, o veneno não foi inoculado.

A Jararaca-da-seca (Bothrops erythromelas) é a unica espécie de jararaca endêmica da Caatinga. Foto: Thais Guedes.
A Jararaca-da-seca (Bothrops erythromelas) é a unica espécie de jararaca endêmica da Caatinga. Foto: Thais Guedes.

Felizmente, nenhum destes obstáculos foi capaz de abalar a paixão dos autores pelas serpentes e os esforços para sua conservação. “Nasci e me criei na Caatinga paraibana e as cobras sempre me fascinaram. Peguei minha primeira cobra ainda criança, aos 5 ou 6 anos de idade, e quase mato meus pais do coração. Enquanto meus amiguinhos pegavam pedras e paus para matar as serpentes, eu ficava lá protegendo elas até conseguirem fugir”, revelou Thaís Guedes. “Este livro é uma realização. Poder apresentar as cobras da minha região e ajudar a preservá-las”, acrescentou ela.

Os endemismos da Caatinga

Os estudos de Thais revelaram que os endemismos da Caatinga estão relacionados a regiões de solos arenosos, como as dunas quaternárias do Rio São Francisco e os brejos nordestinos, áreas de elevada altitude em meio a Caatinga e, de forma inédita, que existem 11 espécies endêmicas de serpentes cuja distribuição é totalmente coincidente com a caatinga semiárida de baixada (áreas de depressões, entre planaltos e serras), chamando a atenção para a importância em preservar também essa parte do bioma.

Estas novas descobertas desconstroem ideias que prevaleceram durante muito tempo de que a Caatinga é pobre em espécies e que não tem uma fauna própria. Muito pelo contrário. Só no primeiro semestre deste ano, por exemplo, duas novas espécies de serpentes endêmicas foram descritas na região. Estas informações também tornam mais preocupantes os fatos de que mais de 51% da Caatinga está alterada e que oito espécies de serpentes endêmicas da Caatinga já se encontram em alto grau de ameaça, constando na Lista Brasileira de Espécies Ameaçadas de Extinção publicada pelo ICMBio em 2014. E para piorar este cenário, menos de 2% da região está protegida por unidades de conservação que, na realidade, não protegem nem as espécies endêmicas e nem a história evolutiva das serpentes da Caatinga, segundo a tese de Thais.

Fisionomia da Caatinga explica endemismo. Foto: Thais Guedes.
Fisionomia da Caatinga explica endemismo. Foto: Thais Guedes.

O Livro

“Ao final do guia, há comentários sobre algumas das espécies e uma lista de todas as serpentes registradas para a Caatinga até o momento”.

O guia apresenta, por meio de 152 pranchas com fotografias coloridas, um total de 114 espécies de serpentes da Caatinga. Para cada serpente são ilustradas as variações ontogenéticas (diferenças relacionadas ao desenvolvimento) e polimorfismos (diversidade) no padrão de coloração. Também são fornecidas informações sobre morfologia (tamanho, massa e dentição), uso de hábitat (horário de atividade e substrato), hábitos alimentares (principais itens), modo reprodutivo (ovípara ou vivípara), táticas defensivas e se a mesma oferece risco de envenenamento grave ao ser humano. As espécies estão agrupadas por coloração, para facilitar o seu encontro pelo leitor. Ao final do guia, há comentários sobre algumas das espécies e uma lista de todas as serpentes registradas para a Caatinga até o momento.

A publicação é parte de uma coleção que também contempla outros biomas brasileiros, como a Mata Atlântica, e Cerrado e o Pantanal e foi desenvolvido entre 2016 e 2017, com informações de um estudo de 4 anos (2008 a 2012) também publicadas em duas revistas científicas internacionais (a Zootaxa e o Journal of Biogeography), em 2014.

“[…] O bioma Caatinga, outrora tido como um ambiente pobre em espécies, é colocado entre as regiões mais importantes para conservação da biodiversidade da Terra. A tese e os artigos decorrentes publicados em revistas científicas estão restritos ao meio acadêmico, mas o guia possibilita tornar essa informação disponível ao público em geral. A visão de Caatinga como ambiente árido, inóspito e pobre em biodiversidade ainda predomina e acredito que o guia poderá contribuir um pouco para revertemos essa visão”, explica o pesquisador Otavio Marques, que orientou o trabalho.

Este é o terceiro livro que trata das serpentes da Caatinga. O primeiro, “Répteis das Caatingas”, de autoria de Paulo Emílio Vanzolini (cientista e compositor das músicas “Ronda” e “Volta por Cima”) e colaboradores foi publicado em 1980 e registrava 25 espécies de serpentes para a região. O segundo é um capítulo do Miguel Rodrigues (USP) no livro “Ecologia e Conservação da Caatinga”, publicado em 2003 e que assinala 50 espécies de serpentes para o bioma. O que difere este terceiro livro dos anteriores é que o mapeamento detalhado mais que duplicou a lista de espécies conhecida para a Caatinga, que hoje conta com 114, das cerca de 350 registradas para todo o território nacional, e reconhece 24 dessas espécies como sendo endêmicas do bioma, ou seja, espécies que não existem em nenhum outro lugar do planeta.

Serviço

O lançamento do guia ocorrerá no dia 19/10/2017, às 18:30, no Auditório do Museu Biológico do Instituto Butantan (Av. Vital Brazil, 1500, Butantã, São Paulo-SP). Os interessados em adquirir o livro podem entrar em contato pelo site https://www.ponto-a.com/shop.

 

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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