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Artigo sugere soluções para controlar o desmatamento na Amazônia e no Cerrado

Publicação destaca as principais formas pelas quais madeireiros e produtores rurais subvertem acordos internacionais e legislação federal que protegem os biomas

Carolina Lisboa ·
8 de julho de 2019 · 5 anos atrás
Desmatamento acentuado na região de Matopiba. Imagem: reprodução.

A Amazônia e o Cerrado são, sem dúvida, alguns dos principais patrimônios dos brasileiros. Dadas as flutuações políticas e de mercado em que vivemos, garantir a eficácia dos acordos e legislações é crucial para sua conservação. Um artigo recentemente publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation, intitulado Deforestation control in the Brazilian Amazon: A conservation struggle being lost as agreements and regulations are subverted and bypassed (Controle do desmatamento na Amazônia brasileira: uma luta pela conservação sendo perdida à medida que acordos e regulamentações são subvertidos e contornados) de autoria de William Carvalho, pós-doutorando da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), e colaboradores, revela que desde 2012 a taxa de desmatamento da Amazônia vem aumentando, em parte devido a subversões de acordos internacionais e legislação federal por parte de plantadores de soja, pecuaristas e madeireiros. Na publicação são discutidas as causas e propostas recomendações claras e tangíveis sobre como essas táticas podem ser abordadas por meio do fortalecimento de agências ambientais, investimento em tecnologias de monitoramento e melhor integração de políticas agrárias e ambientais entre os diferentes níveis do governo (municipal, estadual e federal).

 O artigo destaca que, entre os anos de 2004 a 2012, as taxas brasileiras de desmatamento na Amazônia caíram drasticamente. Entre 2004 e 2007, a principal razão foi a taxa de câmbio do dólar norte-americano, que caiu mais da metade, tornando as exportações de soja e carne bovina menos lucrativas. De 2008 a 2012, o desmatamento continuou a declinar sob várias medidas aprimoradas de governança, incluindo uma mudança de política em 2008 que negou acesso ao financiamento altamente subsidiado de bancos públicos para agricultura e pecuária em propriedades com multas ambientais pendentes, sistemas aprimorados de monitoramento por satélite e lista negra para penalizar municípios com alto desmatamento ilegal. Acordos como a Moratória da Soja (criada em 2006), o Termo de Ajustamento de Conduta da carne (TAC da carne, assinado em 2009) e a legislação federal que foi implementada para proibir a comercialização de madeira de áreas recentemente desmatadas também contribuíram para a queda nas taxas de desmatamento. Contudo, alguns fatores tornaram estas ações menos eficazes, causando um aumento nas taxas de desmatamento a partir de 2012. Em entrevista para ((o))eco, Carvalho esclarece esta e outras questões abordadas na publicação. 

Leia a entrevista na íntegra: 

O Eco: As subversões dos acordos internacionais e legislação federal por parte dos produtores rurais e madeireiros são uma das principais causas do aumento nas taxas de desmatamento da Amazônia e Cerrado ocorridos a partir de 2012. Os instrumentos de fiscalização e controle do desmatamento são pouco eficazes ou tem havido um enfraquecimento dos mesmos? Por que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) ainda não foi efetivamente implementado?

“As subversões ocorrem desde que os acordos foram assinados e a legislação foi criada.”

William Carvalho: As subversões ocorrem desde que os acordos foram assinados e a legislação foi criada. O Brasil tem instrumentos para a fiscalização e o controle do desmatamento, inclusive em relação a estes acordos e para o cumprimento da legislação. Todavia, muitas vezes o governo é conivente, como no caso em que o MPF não puniu e/ou indicou uma punição para os matadouros que compraram gado produzido em área embargada (como discutido no texto). O que ocorre atualmente (principalmente desde 2012 com a mudança do código florestal) é o enfraquecimento proposital de nossos instrumentos de fiscalização. Assim como discutimos no texto, principalmente por pressão da bancada ruralista e de grandes empresários da indústria e do agronegócio, o Brasil tem mudado suas políticas ambientais com a desculpa de ser um entrave para o desenvolvimento econômico, assim como enfraquecido e sucateado seus órgãos fiscalizadores, como ICMBio e IBAMA. Isso tem se acentuado assustadoramente no novo governo. Assim, as subversões têm se potencializado, pois há uma perspectiva de não punição frente a atividades ilegais relacionadas ao meio ambiente. O mesmo parece ocorrer com o CAR, que foi instituído pelo novo código florestal. O código florestal anistiou desmatadores que tinham descumprido a legislação anterior, gerando uma perspectiva que o descumprimento de leis ambientais não é grave e pode ser anistiado posteriormente. A anistia de multas ambientais segue pelo mesmo caminho, um caminho muito antipedagógico…

São Félix do Xingu (PA) e Porto Velho (capital de RO) são, hoje, as maiores fronteiras de expansão do desmatamento, com a exploração madeireira ilegal e aumento da criação de gado. Qual a razão da falta de controle de desmatamento nessas regiões? Há interesse dos governos locais em mudar essa realidade?

Pássaros em revoada sobre área de lavoura no Matopiba. Foto: Thiago Foresti/Ipam.

Estas são áreas que atualmente estão no arco do desmatamento. O desmatamento mais recente está relacionado principalmente a abertura de novas áreas para pastagens. Na verdade, historicamente, quando uma área nativa é desmatada pela primeira vez, esta é ocupada pelo gado. Posteriormente, ocorre a substituição do pasto por plantios de grãos (principalmente soja). A falta de controle do desmatamento nestas regiões vem da falta de fiscalização e da falta de interesse político pela manutenção da floresta em pé, seja no âmbito municipal, estadual ou federal. Adicionado a isto, há uma grande propaganda pelo “desenvolvimento” a qualquer custo nestas regiões. O que muitas vezes acontece é que essa propaganda mostra apenas uma possibilidade de “desenvolvimento” (por exemplo, grandes plantios, monocultura, geralmente associados com degradação ambiental e concentração de renda) e não a possibilidade de uso sustentável de produtos da floresta, agricultura familiar em sistemas agroecológicos, além do turismo ecológico sustentável, que são alternativas que geralmente mantém maior qualidade de vida para as populações e ao mesmo tempo são melhores para o meio ambiente. Em resumo, o que ocorre nestas regiões é a repetição do que ocorreu em diferentes áreas ao longo da fronteira agrícola brasileira desde o Brasil colônia: desmatamento para que ocorra o desenvolvimento a qualquer custo.

 A falta de exigência do mercado internacional (em especial a China) em consumir ou não carne proveniente de áreas ilegalmente desmatadas é um dos principais problemas do TAC da carne, além da ausência de punição aos desmatadores ilegais. Como mudar essa realidade?

 A mudança desta realidade começará quando houver pressão, principalmente da sociedade civil, além de governamental, para que o mundo comece a consumir carne e outros produtos que sejam livres de desmatamento. O mundo pode exigir isto e os países que mais produzem grãos e carne, como o Brasil, terão que se adequar. Por exemplo, o Brasil detém largas áreas de pastagens degradadas e estas áreas poderiam ser recuperadas e utilizadas para o plantio de grãos. Além disso, o sistema de criação de gado no Brasil não é o mais eficiente, há muita subutilização das áreas atualmente destinadas a este tipo de produção. Uma solução a curto e médio prazo seria a verticalização desse sistema de produção, aumentando a produtividade por hectare, diminuindo assim o desmatamento de novas áreas. Ganha o produtor e ganha o meio ambiente. Em resumo, o país poderia aumentar e muito a produção de carne e grãos sem desmatar um hectare a mais.

O estado do Mato Grosso e a região do MATOPIBA (acrônimo dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) vem sendo dominados por plantações de soja. Em termos ambientais, qual a importância dessas regiões para o Brasil? Por que a Moratória da Soja não funciona para essas regiões?

 Estas áreas estão dentro do Cerrado, bioma que tem uma grande importância hídrica para o Brasil, pois funciona com uma grande caixa d’água, armazenando água que posteriormente vai abastecer partes da Amazônia e Mata Atlântica, e principalmente o Pantanal. Mesmo para os produtores locais, a manutenção deste habitat é de extrema importância, pois garante a manutenção dos serviços ecossistêmicos, imprescindíveis para a agricultura. A Moratória da Soja não funciona para o bioma Cerrado, pois é um acordo firmado para evitar a abertura de novas áreas para o plantio da soja dentro do bioma Amazônia. Assim, não havendo acordo para o Cerrado, novas áreas vão continuar sendo desmatadas para o plantio da soja, principalmente nestas duas diferentes regiões.

Em suma, o aumento do desmatamento da Amazônia e Cerrado está relacionado às deficiências na gestão dos territórios e, especialmente, à “falta de vontade política”. Qual seria o impacto dessas soluções propostas no artigo? Elas são viáveis política e economicamente?

Tanto a curto, quanto a médio e longo prazo, as diferentes soluções que foram propostas no artigo levariam a diminuição do desmatamento tanto na Amazônia quanto no Cerrado. Além disso, estas medidas evitariam a lavagem (dar o ar de legal a atividades ilegais) e o vazamento (o aumento de controle em um local causa intensificação de atividades danosas em outros locais) dentro dos diferentes acordos e na legislação. Todas as medidas sugeridas estão ao alcance de produtores e governantes. Por isso, nossa expressão: “falta de vontade política”. A viabilidade econômica é clara e a aplicação desses mecanismos pode ajudar o Brasil a alcançar as metas do Acordo de Paris e da Agenda 2030 (também conhecido como as Metas de Desenvolvimento Sustentável da ONU), e também a continuar recebendo recursos do exterior, principalmente da Alemanha e da Noruega, para a preservação da Amazônia (via Fundo Amazônia). Por outro lado, a viabilidade política que é o maior desafio. A bancada ruralista tem muita influência, principalmente nesse novo governo, que vê a questão ambiental como um entrave. Existe, portanto, a necessidade que a própria população exerça pressão sobre os governantes para garantir a preservação ambiental.

 

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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