Reportagens

Assassinos de Zé Cláudio são condenados a 40 anos de prisão

Dois pistoleiros foram condenados pela morte do casal. Mas, por falta de provas, Justiça absolveu acusado de ser o mandante do crime.

Fabíola Ortiz ·
5 de abril de 2013 · 11 anos atrás
José Cláudio e Maria, homenageados pelos manifestantes. Foto: Fabíola Ortiz.

Marabá, PA – Foram dois dias intensos no julgamento dos três réus acusados de assassinar a tiros o casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva, 54 anos, e sua esposa, Maria do Espírito Santo, de 53, no assentamento Praia Alta da Piranheira, em Nova Ipixuna, no Pará. O crime cometido com requintes de crueldade aconteceu no dia 24 de maio de 2011.

Após os tiros, a orelha de Zé Cláudio foi cortada: uma espécie de “prova” que os pistoleiros entregaram ao mandate do serviço cumprido.

O réu Lindonjonson Silva Rocha foi condenado a 42 anos e 8 meses de prisão por homicídio por motivo torpe e por impossibilitar as vítimas de defesa. Lindonjonson atuou junto ao réu Alberto Lopes do Nascimento, que obteve uma pena ainda maior, de 45 anos de reclusão.

“A culpabilidade é comprovada e patente por motivo torpe, as vítimas eram líderes comunitários e trabalhavam no extrativismo local. O autor do crime fez uso de recurso que impossibilitou a defesa de José Claudio e Maria, mortos em uma emboscada de caráter cruel que desprezou a vida humana. O motivo do crime foi a disputa pela posse da terra rural por motivo torpe e repugnante. As consequências dos crimes são graves e indeléveis e acarretou severos traumas a seus familiares”, leu o juiz Murilo Lemos Simão.

José Rodriguez Moreira, acusado de ser o mandante do crime, foi absolvido por falta de provas. “Não existem elementos concretos”, proferiu juiz. A acusação já anunciou que irá recorrer contra a absolvição.

A sentença foi lida por volta das 19h no Fórum de Marabá e, antes mesmo do final da leitura do veredicto, ativistas e trabalhadores rurais que aguardavam ansiosos a sentença gritavam por justiça.

Julgamento mobilizou a cidade

A cidade de Marabá, no sudeste do Pará, região que concentra o maior número de conflitos no campo, foi palco de um julgamento histórico que atraiu dezenas de movimentos sociais e organizações de direitos humanos.

O julgamento foi cercado de expectativa e vigília de trabalhadores rurais que se deslocaram de diversos assentamentos para acompanhar o julgamento de Zé Castanha, como era conhecido, e sua esposa. O tribunal do júri também foi acompanhado por diversas ONGs como o Movimento Humanos Direitos (MUhD), a Anistia Internacional e a Fundação Right Livelihood Award, conhecida como o “Prêmio Nobel Alternativo de Direitos Humanos”.

O casal assassinado defendia um projeto agroextrativista sustentável para o assentamento Praia Alta Piranheira. O assentamento havia sido criado pelo INCRA em 1997 para abrigar cerca de 400 famílias. Desde 2005, os dois denunciavam a ação de madeireiros, carvoeiros e posse ilegal da terra no assentamento de 22 mil hectares, dos quais 75% já haviam sido devastados.

Zé Cláudio virou líder do assentamento e seu trabalho em defesa das castanheiras e do assentamento começou a incomodar: ele sabia que estava marcado para morrer. “Sou ameaçado de morte. Hoje estou aqui falando com você, amanhã posso não estar”, disse certa vez ao jornalista Felipe Milanez.

De acordo com a sentença, a razão do crime teria sido a compra ilegal de um lote de 150 hectares no assentamento Praia Alta Piranheira, feita por José Rodrigues Moreira, apontado como mandante do crime. Em metade desta área viviam três famílias de sem-terra que, por causa do apoio de Zé Cláudio, não puderam ser expulsas. Rodrigues, então, teria decido mandar matar Zé Cláudio. Após o assassinato, as ameaças às três famílias teriam continuado e, sem proteção da polícia, decidiram sair dos lotes.

Sem precedentes

Mesmo sem a condenação do autor do crime, para alguns o julgamento foi emblemático no esforço de mais uma vez contestar a impunidade que reina na região. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), desde 1985, dos 1.645 casos de pessoas assassinadas, apenas 100 foram a julgamento, dos quais apenas 22 mandantes foram condenados.

A irmã de Zé Claudio, Claudelice dos Santos, de 30 anos, a caçula de uma família de 11 irmãos, teve que deixar seu lote no assentamento agroextrativista por medo de perseguições.

Antes do início do julgamento, ela admitiu a ((o)) eco que tinha uma grande expectativa para a condenação dos réus. “Isso vai decidir o meu retorno para casa. Eu sou sozinha e moro com minha mãe e minhas duas filhas. A gente não podia ficar no assentamento. Nossa casa é só de mulheres, e quem protegia a gente era o Zé Claudio”.

Há mais de 10 anos com sua terra de 17 alqueires, Claudelice relembra como era a vida em Praia Alta Piranheira. “A gente tinha vários projetos de manejo florestal comunitário, produção sustentável com óleo de andiroba e castanha. Tínhamos um grupo de mulheres e havia várias experiências sustentáveis. Depois da morte deles, tudo foi paralisado”, lamentou.

“Por conta do assassinato deles, tivemos que deixar a terra. Eu fui escoltada pela Força Nacional por três meses, mas depois que passou, caiu no esquecimento. Vivíamos numa terra linda com água, tinha um igarapé pertinho de casa. Agora a gente vive num lugar emprestado sem conforto nenhum. A gente tinha nossa horta e a força de trabalho era feminina e cortávamos até castanha”, destacou.

Claudelice deixou Nova Ipixuna há um ano e meio e vive em uma casa emprestada a cerca de 500 km de distância de seu assentamento.

“A gente provava que era totalmente possível que mulheres sozinhas morassem em uma terra assentada na Amazônia. Éramos totalmente independentes. Nossa ligação com a terra é muito forte. Nosso lote era todo de floresta e a gente nunca criou gado”, contou.

Claudelice, irmã de José Cláudio, aguarda o resultado do julgamento. Foto: Fabíola Ortiz.

Casal já sofria ameaças

A irmã do seringueiro contou ainda que um dia antes de seu assassinato os irmãos da família se reuniram para discutir sobre a segurança de José Claudio. “Estávamos muito preocupados, íamos falar para ele sair de lá. Pistoleiros rondavam de noite a casa deles, isso não era vida. A gente tinha se mobilizado e ele já estava com a expectativa que a qualquer momento iria acontecer alguma coisa”.

Mesmo com a condenação de dois dos réus, Claudelice afirma que não se sentirá segura em voltar ao assentamento. “A gente já espera uma retaliação, isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde. Eu não posso fugir, ele foi forte até o final e a gente também tem que ser. Não vamos sair daqui de jeito nenhum. A gente nasceu e se criou aqui, vai ser aqui que a gente vai ficar até o final”, afirmou.

Exploração sustentável sem derrubar a mata

Presente no tribunal do júri em Marabá, o desembargador e ouvidor agrário nacional Gercino Jose da Silva Filho defendeu a necessidade de mudar a mentalidade dos assentados. “De um modo geral, na Amazônia, a exploração extrativista é a melhor maneira, uma exploração que não agride a natureza e que dá uma boa renda para o assentado. É preciso que seja bem esclarecido e os próprios assentados estão conscientes que esta é a melhor maneira de exploração sustentável e rende mais que a exploração tradicional”, reafirmou.

No entanto, não basta garantir terra e assentar trabalhadores rurais, é preciso dotar de infraestrutura os assentamentos. “Agora a grande prioridade é a construção de estradas, casas, escolas, habitação, posto médico e dar assistência técnica. Isso agora é prioridade, vai acontecer e vai ser um divisor de água nos assentamentos tanto nos tradicionais quanto nos de desenvolvimento sustentável”, ressaltou.

Ao ser perguntado sobre a contribuição de José Claudio e Maria do Espírito Santo, o ouvidor agrário reconheceu que o casal de extrativistas deixa um “legado de respeito ao meio ambiente, assentamento com respeito à natureza e com uma boa exploração econômica. Ou seja, um assentamento com cidadania”.

Os depoimentos de testemunhas demonstra que a atuação do casal contrariava alguns assentados. “Nem todos concordavam com as suas ideias de exploração sustentável sem derrubar a mata. Alguns queriam derrubar a mata e fazer carvão e destruir o meio ambiente”, criticou.

O ouvidor agrário admitiu que o INCRA reconhece que há vários assentamentos que carecem de infraestrutura e, por sua vez, declarou que existe uma determinação nacional da direção do órgão, do ministério do Desenvolvimento Agrário MDA, assim como da Presidência da República que os assentamentos recebam os serviços públicos adequados.

“Nos assentamentos que têm infraestrutura não há venda de lotes. É um processo que não é rápido, mas irá evitar a extração ilegal de madeira e diminuir o número de conflitos agrários para que a paz reine no assentamento”, afirmou.

 

  • Fabíola Ortiz

    Jornalista e historiadora. Nascida no Rio, cobre temas de desenvolvimento sustentável. Radicada na Alemanha.

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