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Uma festa junina bem diferente

O fotógrafo e ciclista paulistano Guto Arouca decidiu curtir a sua festa junina de forma bem diferente: pedalar, durante 15 dias, de Campina Grande (PB) a Caruarú (PE).

Felipe Lobo ·
16 de junho de 2011 · 13 anos atrás

O paulistano Guto Arouca tem uma missão para lá de complicada na vida: aproximar os seus conterrâneos, acostumados aos prédios e ao trânsito, da natureza. Fotógrafo documental por profissão e ciclista por paixão, este sociólogo começou suas aventuras pelo Brasil com as caminhadas. Enquanto as primeiras duravam três, cinco, até dez dias, as últimas já não funcionavam caso fossem menores do que longas travessias, como andar a pé por toda a costa do Nordeste brasileiro.

A bicicleta veio depois, mais ou menos na mesma época em que se encantou pela espeleologia ao ser chamado para fazer cliques em uma caverna. Não satisfeito em ver aquelas paisagens sozinho, criou uma agência de caminhada e yoga com a esposa. Em grupos de no máximo 15 pessoas, entravam nas unidades de conservação do estado, com ênfase para o Parque Estadual da Serra do Mar, e praticavam meditação com contemplação.

Mas é nas viagens que se sente realizado. Uma das principais aconteceu há cerca de três anos e coincide com a atual época do ano. Mês festivo, com festas juninas espalhadas ao redor do país, Arouca decidiu curtir de uma forma bem particular. Pegou a bike e pedalou, durante 15 dias, de Campina Grande (PB) a Caruarú (PE). Lá, viu as celebrações nordestinas, dos maiores eventos àqueles bem pequenos e típicos. O resultado desta trip você confere abaixo, na galeria de fotos, e também no relato do próprio autor.

Texto de Guto Arouca:

“Já se passaram muitos anos desde que descobri o prazer de viajar de bicicleta. Atualmente acho que não existe melhor forma para se cruzar grandes distâncias, pela proximidade de contato com as pessoas, culturas e natureza que ela oferece.

Comecei com pequenas travessias, bicicleta sem marcha, sem alforges, levando mochila nas costas. Se sofri? Adorei!!

Passei a viagens mais ousadas, travessia do litoral sul de São Paulo, Transmantiqueira, Serra da Canastra, Serra Geral, Pantanal Mato-grossense, sempre buscando o mais distante, o fora de estrada, as estradinhas vicinais de pouco trânsito… quanto mais terra e mais distante dos grandes centros, melhor!

No Pantanal diziam que eu certamente iria virar comida de onça, mas sinceramente, o temor, se bate, é deste imprevisível bicho-homem.

Numa passagem no pantanal, avistei de longe um brilho estranho, uma massa escura refletindo a luz do sol, lá longe, na estradinha. Segui em frente, e, no meu caminho, um grupo enorme de jacarés perfilava-se à minha frente, tomando seu sol e ocupando toda a estrada.

Por um momento parei em dúvida, minhas pernas estariam fácil ao alcance de uma abocanhada! Segui devagar, e então começou o show: na medida em que eu avançava, os jacarés se jogavam dos dois lados da pista, mergulhando nas águas, num movimento frenético e sincronizado. Posso ter passado algum risco, mas que valeu o espetáculo, isto valeu.

Nestas pedaladas tenho visto a pressão que nosso meio ambiente tem sofrido, em todas as formas de exploração desenfreada, ocupações irregulares, e principalmente uma tremenda falta de cultura ambiental de nós, povo brasileiro.

Certa vez, pedalando na Serra Geral, já perto dos cânions do Itaimbezinho e Fortaleza, cheguei, já de madrugada, numa vila que tinha um cheiro pesado, horrível mesmo no ar….o nome do lugar é “Ouro verde”, primeira fábrica do Brasil de celulose, fundada nos anos de Getúlio Vargas.

Pois foi ali, naquele paraíso de cânions e florestas de araucárias que o nome Ouro Verde se fez valer. Exploraram toda a mata de araucária, transformando a borda do planalto num imenso platô desértico, e ainda hoje a fábrica segue em funcionamento.

Pedalar pelo Cerrado, então, dá dó! Um dos biomas mais afetados e desvalorizados do Brasil, o Cerrado está virando uma imensa e monótona área de monocultura. Penso, quando passo por estas imensas áreas de soja, o custo ecológico de tudo isto, o quanto de espécies que sucumbiram a esta produção desenfreada. Agora mesmo assistimos, atônitos, o Congresso Nacional aprovar um Código Florestal promovido pela bancada ruralista. O que será deste país megadiverso? Vamos explorar nossos recursos naturais até a última gota? Penso, penso e pedalo… nem tudo está perdido!

Uma das minhas viagem de bike mais marcantes foi no Nordeste do Brasil, num projeto muito legal que reuniu duas de minhas paixões, bike e fotografia documental. Passei as festas juninas numa travessia entre Campina Grande, na Paraíba e Caruarú, em Pernambuco, pedalando e fotografando as festas nas cidades, vilarejos, enfim, onde eu recebia uma dica de festa junina interessante eu ia atrás.

Acontece que lá a festa junina é a festa popular mais importante do ano, mais ainda que o Natal, então chega uma hora que tinha que tirar no cara e coroa qual o destino seguir.

O que me impressionou foi o contraste das festas juninas nas capitais com o interior. Caruarú e Campina Grande disputam o título de maior festa junina do mundo, e tudo lá é em excesso e descaracterizado. Em pleno São João, trios elétricos saem às ruas tocando seus axés para uma multidão de pessoas; Carnaval ou São João? Mas é só sair dali, para um bairro mais afastado, uma zona rural, para encontrar o São João festivo, autêntico, a pamonha fresquinha, forró pé de serra e os grupos de bacamarteiros, estrondando seus bacamartes numa alegoria sem igual.”

Foto: Guto Arouca

Saiba Mais:

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  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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