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Entrevista com José Rafael Ribeiro, coordenador da Sociedade Angrense de Proteção Ecológica

Rafael, para começar, o que você acha de Angra 3? Rafael Ribeiro: Eu acho um equívoco que já fazem desde a década de 70. É um programa que eu...

Felipe Lobo ·
28 de março de 2008 · 16 anos atrás

Rafael, para começar, o que você acha de Angra 3?

Rafael Ribeiro: Eu acho um equívoco que já fazem desde a década de 70. É um programa que eu considero mais da órbita militar do que da geração de energia. Falo isso porque o investimento previsto para as obras de estrutura, de sete bilhões de reais, nunca foi cumprido nas edições anteriores. Tende a ser maior. Além disso, o valor da energia que eles alegam é construído. Trata-se de um investimento muito alto, com custo de manutenção elevado, e que gera um passivo ambiental que historicamente não tem solução.

Qual o principal problema dos rejeitos radioativos? Ainda não existe o lugar adequado para guardá-los em definitivo?

Ribeiro: Até hoje, no mundo todo, não há solução para a questão do lixo radioativo. No caso brasileiro, isso é ainda mais grave porque além de não ter solução também não tem medidas eficazes para se estabelecer o acondicionamento e a produção. Hoje, a opção do governo brasileiro de retomar o programa energético nuclear está mais próximo da perspectiva do âmbito militar, que foi onde surgiu o Programa Nuclear Brasileiro (PNB).

Para além da questão de geração de energia, há outros problemas a serem considerados?

Ribeiro: Você vê, por exemplo, que o Brasil incentiva a história do submarino nuclear. Na própria América Latina há o Hugo Chávez fazendo referência sobre a necessidade do Irã e dos países latinos dominarem a bomba atômica. Não podemos deixar de olhar por esse lado.

O alto investimento que será feito poderia ser direcionado para outras opções?

Ribeiro: Claro. O investimento que será feito – ou seria, se a usina não for aprovada – deveria ser canalizado para um investimento consistente na área de produção de energias renováveis. Ironicamente, a Alemanha, que vendeu essa tecnologia para o Brasil há mais de vinte anos (e por isso já a considero obsoleta) hoje investe pesadamente em recursos e tecnologias de energia solar e eólica. Daqui a pouco, vamos importar esse conhecimento deles. É lamentável como a discussão é feita de forma enviesada, focada mais nos eventuais empregos, que na verdade é geração de desemprego. Infelizmente, a perspectiva é de uma grande transferência de mão-de-obra com baixa qualificação para a região, o que vai acentuar os graves problemas ambientais da Baía de Ilha Grande. Outro tipo de investimento, seja em fazendas marinhas ou no turismo sustentável, seria muito melhor.

Quais os outros impactos negativos da energia nuclear?

Ribeiro: Do ponto de vista ambiental, os principais problemas estão nesta história do lixo nuclear, já que são nove toneladas sem perspectivas de solução definitiva. Além disso, o próprio plano de emergência é uma balela. Você veja que eles reduziram a área de influência direta da usina de 15 para apenas cinco quilômetros. Com isso, excluíram as duas áreas mais populosas de Angra ( que, curiosamente, foram estimuladas e cresceram a partir das outras usinas), que são o Frade e Mambucaba. Também não há sistemas de saúde e educação adequados. São esses os maiores danos. Mas há outros impactos tão grandes ou maiores. O mosaico das unidades de conservação (UC) da Baía de Ilha Grande, que envolve mais de dez UC”s, tirou uma manifestação contrária à construção de Angra 3. O Parque Nacional da Serra da Bocaina chega nas bordas da usina, área esta que já está sofrendo ocupação desordenada. Não vemos nem mesmo discutidos nas audiências públicas os mecanismos efetivos para que essas unidades se fortaleçam com medidas mitigadoras destes impactos.

E o que você acha desta audiência pública, que acontece depois de uma decisão judicial anular os encontros do ano passado:

Ribeiro: O comportamento do Ibama é lamentável. A audiência pública que acontece hoje ocorre em função das ações que nós movemos. Depois da audiência do Rio de Janeiro, em novembro do ano passado, o Ibama anunciou que era a última audiência. Ou seja, ele não tinha intenção de fazer outras. Esses encontros não discutem os problemas sobre os quais estamos conversando. Era a sociedade brasileira quem deveria definir se quer ou não a continuação do Programa Nuclear porque a produção de energia é nacional e os impactos extrapolam a nossa geração. Deveria ser uma posição política, tirada nacionalmente através do Congresso ou de um plebiscito. Passada essa fase, caso a sociedade brasileira topasse encarar os riscos inerentes ao programa, deveriam haver condicionantes sérias tratando dos problemas que a gente já levantou: lixo nuclear, revisão do plano de emergência, ver formas de salvaguardar as unidades de conservação dentro de uma estratégia de conservação e redução dos impactos sócio-ambientais e outras questões inerentes a uma obra que trará, no pico, mais de nove mil trabalhadores para a região. Esta fase ainda não foi esgotada, mas uma decisão unilateral do governo diz que sim. Seria importante discutir condicionantes e comprovar a realização das mesmas, porque o histórico do Programa Nuclear é de não cumprir compromissos. Depois, veríamos as medidas compensadoras e mitigatórias para as áreas impactadas.

E quais são as melhores alternativas à usina nuclear?

Ribeiro: A primeira e mais evidente é a conservação de energia já produzida. O Brasil desperdiça muita energia produzida em redes de transmissão e hidrelétricas assoreadas. Poderíamos fazer um amplo programa de conservação de energia que superaria em muito o que será gerado por uma nova usina nuclear. E também seria bom contar com o investimento maciço em pesquisa e produção de energia renovável, já que há uma curva populacional ascendente. Essa é a perspectiva do futuro. Angra 3 é uma tecnologia da década de 70, que já está aí há anos. O Programa Nacional de Incentivo à Energia Eólica, por exemplo, já alcançou resultados significativos e está muito longe de um investimento desse porte. Mas é claro que não podemos esquecer que as maiores interessadas nos sete bilhões de reais são as empreiteiras. Circularam notícias de que está sendo renovado um contrato da Andrade Gutierrez (um dos maiores grupos privados do mundo, com atuação nos setores de Engenharia e Construção, Telecomunicações, Energia e Concessões Públicas) da década de 70, e isso nos permite ver os imensos interesses que estão por trás da opção nuclear.

Hoje, na audiência, vemos muitas faixas e camisas em favor de Angra 3. A população é a favor?

Ribeiro: A maioria da população não é a favor, isso que você está vendo é um espetáculo contratado. Se você observar, as faixas são de diferentes localidades mas foram feitas todas no mesmo lugar. Como nós somos da região, sabemos que a maior parte das pessoas aqui presentes são ligadas ao sistema nuclear. E há ainda os moradores de uma área com baixa incidência de educação. É irônico, é triste ver a população mais afetada pelos impactos sócio-ambientais virem fazer esse papel. Se você fizer uma enquete na cidade vai descobrir que a usina nuclear não é bem vista. O que nos preocupa mais, e é real, são essas alianças nos meios políticos locais. Hoje, praticamente, não há nenhum partido que se posicione contra. Os políticos, de modo geral, se mostram a favor do projeto em função de uma política de benefícios estabelecidos pela empresa.

Vocês acreditam que os acidentes radioativos podem acontecer?

Ribeiro: Nós não desejamos que aconteça um acidente porque temos plena certeza de que não estamos preparados para enfrentá-lo. Agora, pequenos acidentes acontecem no dia-a-dia. Há trabalhadores temporários expostos à radiação nas paradas das usinas. Recentemente, pesquisas na Alemanha indicaram casos de câncer em crianças que viviam próximas a usinas nucleares e é da própria natureza você trabalhar com a possibilidade de risco. Infelizmente, a usina nuclear vende a segurança total.

O que você acha da afirmação de que não há qualquer emissão de gases estufa na geração de energia elétrica pela usina nuclear?

Ribeiro: É uma balela. Há um estudo da Alemanha que indica que, se você olhar a cadeia nuclear como um todo, você iguala ou supera a produção e impacto de gases que contribuem para o efeito estufa. Mas essa é uma discussão mal focada. Se a gente quiser enfrentar seriamente o aquecimento global, será preciso repensar modelos para diminuir a emissão de gases, desde as indústrias, uso de carros e desmatamento. O percentual de energia produzida por essas usinas, caso sejam construídas, é irrisório e não seria esse o caminho para o Brasil contribuir na questão das mudanças climáticas.
Mas é claro que se o empreendedor levasse os problemas a sério, não iria construir uma usina no nível do mar, sendo que há previsões de que ele vai se elevar nos próximos anos. Será o primeiro cemitário nuclear submerso.

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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