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Ser “bio” pode ser altamente lucrativo

Empresários de uma vinícola francesa que adotou técnicas orgânicas viram o negócio prosperar e seus vinhos ganharem notas máximas.

15 de abril de 2014 · 10 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

No Chateau Pontet-Canet, para ser "bio" e não agredir o solo, carroças puxadas a cavalo substituíram os tratores. Foto: divulgação
No Chateau Pontet-Canet, para ser "bio" e não agredir o solo, carroças puxadas a cavalo substituíram os tratores. Foto: divulgação

Eu e minha mania de só dar boa notícia. Está ficando difícil, confesso, pois cada vez temos mais desafios a enfrentar e eles vêm de todas as partes. Por isso mesmo resolvi divulgar algo que vale a pena. O assunto não é de meu domínio, pois não sou conhecedora de vinhos. Por isso, os enólogos e enófilos que me perdoem se usar termos de forma imprecisa. Mas, o que quero mostrar é que é possível ser “bio correto” e ainda lucrar.

Visitei recentemente uma vinícola na região de Pouillac, a menos de uma hora de distância de Bordeaux na França. O “terroir” Chateau Pontet-Canet existe há séculos e galgou qualidade com o passar dos tempos, até receber a certificação de “Grand Cru Classé”, anseio máximo de qualquer produtor de vinhos.

Este Chateau foi comprado pelo Guy Tesseron e seus filhos Alfred e Gérard, que contrataram um diretor técnico em 1989, Jean Michel Comme por conta de seus conhecimentos sobre produção orgânica. Algum deles, ou todos, são visionários, pois resolveram inovar e se tornar modelo de produção sustentável. Transformaram a plantação no que chamam de biodinâmica, ou orgânica, ao abolirem agrotóxicos e aditivos químicos. Controlam o solo com elementos naturais, o que trouxe benefícios às uvas muito além do que esperavam. Experimentaram, a princípio, em 14 hectares em 2004 e 2005. O resultado foi tão positivo que estenderam a prática a toda a propriedade em 2006.

A biodinâmica é inspirada nos ensinamentos de Rudolph Steiner, que no início dos anos de 1900 já se preocupava com a perda da diversidade biológica e com a qualidade ambiental. Sua concepção é de que todos os elementos fazem parte do planeta, que por sua vez compõe o universo. Assim, tudo precisa ser bem mantido, cuidado e tratado como parte do todo. Os fazendeiros que aderem a esses princípios respeitam as estações e os ciclos da natureza, e prestam especial atenção às fases da lua para plantarem, podarem e colherem. Segundo as informações do próprio site do Chateau, os maiores vendedores de vinho da Inglaterra já aderiram a esse critério do momento certo para cada processo, inclusive para se provar o vinho e vendê-lo pelo seu melhor preço.

É importante notar, os franceses já têm uma certificação que chamam de “bio” e, por lá, cada vez mais se propaga a ideia de consumir o que é natural e sem agrotóxicos. Os mercados estão repletos de produtos com rótulos “bio” e a procura parece aumentar exponencialmente.

As sobras na colheita das uvas no Chateau Pontet-Caneé são usadas para compostagem, o que melhora o solo. O que antes era jogado fora, agora se torna matéria orgânica.

Xô trator, de volta às carroças

“Ao utilizar máquinas para arar a terra, os proprietários e os técnicos perceberam que esta prática compactava o solo e, assim, prejudicava a penetração da água da chuva”

Ao utilizar máquinas para arar a terra, os proprietários e os técnicos perceberam que esta prática compactava o solo e, assim, prejudicava a penetração da água da chuva, a qual acabava não irrigando direito as raízes. Tiveram, então, a ideia de usar cavalos e foram bem sucedidos em muitas etapas, mas não em todas. Viajaram, então, aos Estados Unidos para aprender como os Amish (grupo religioso que mantém tradições centenárias) empregam os cavalos para todo o processo do plantio à colheita. A partir daí, a equipe do Chateau desenhou carroças capazes de desenvolver as tarefas necessárias, e assim aboliram os tratores, que prejudicavam o solo e as raízes de suas valiosas uvas.

O que chama a atenção? Primeiro, a vontade de empresários bem sucedidos ousarem novos caminhos que contribuem para o ambiente, o planeta e, também, mas poderia não ter sido assim, para as suas contas. Segundo, e talvez mais importante, é divulgar casos de empreendimentos que pensam em longo prazo. Isso, infelizmente, não é comum nos governos, que têm preocupações limitadas aos curtos períodos de mandatos, e mesmo no setor empresarial onde o lucro guia a maioria das decisões. Por isso, um caso como o do Chateau Pontet-Canet merece ser divulgado, pois demonstra que é possível grande sucesso em ganhar dinheiro com a adoção de práticas de sustentabilidade.

Boas práticas são ou podem ser lucrativas. E por muito tempo, pois garantem a produção por períodos continuados! Ao que tudo indica, esses senhores do Chateau Pontet-Canet nunca foram tão bem sucedidos como agora. O Pontet-Canet tirou nota 100 nos anos de 2009 e 2010 pela qualidade do vinho que produziu. Prova que vale a pena ser “bio”.

 

 

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