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Educação Ambiental em destaque

Congresso de educação ambiental reúne especialistas em discussões que esqueceram de relacionar ações sociais com outras voltadas à conservação da natureza.

28 de abril de 2006 · 18 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

O V Congresso Ibero-Americano de Educação Ambiental reuniu mais de 5 mil pessoas de 22 países em Joinville, Santa Catarina. Representantes de governos, universidades, ongs e agências bilaterais participaram, juntamente com jovens estudantes ávidos a aprender com profissionais mais experientes de todos os países ibero-americanos. A troca de experiências foi uma das mais importantes contribuições do encontro, assim como o planejamento de se formar redes que irão continuar a compartilhar informações e idéias.

A abertura do congresso contou com uma fala inspiradora da ministra Marina Silva, que lembrou a um auditório repleto que meio ambiente é um ideal que atinge todas as áreas do saber e do existir. Se as pessoas se dividem em religiões ou partidos políticos, devem buscar princípios éticos que agregam. Todos concordam, por exemplo, com a idéia da paz e da não-violência, da não derrubada das florestas nativas ou, ainda, de se viver em harmonia com os outros e com a natureza.

Esses são valores que devem pautar o planejamento, pois são capazes de integrar os diferentes pontos de vista. A ministra, sem dúvidas, tem razão. É pena que os outros ministérios nem sempre comunguem desses princípios, por frequentemente priorizarem interesses individuais que não favorecem a coletividade. A coerência e a integridade da ministra Marina Silva são qualidades que merecem ser reconhecidas. Quem sabe seu compromisso com a ética acaba contagiando outros governantes que estão a cargo de nosso país?

Riqueza das colônias

Outras palestras merecem ser mencionadas. O professor Carlos Walter Porto discursou sobre o processo de colonização que domina o pensamento até hoje. Apontou para a o fato dos países em desenvolvimento raramente terem suas culturas respeitadas. Línguas predominantes como o inglês, o alemão e o francês são as que disseminam os conhecimentos considerados de qualidade. No entanto, lembra que até as grandes navegações, a riqueza, inclusive do saber, encontrava-se no oriente. Para lá iam os interessados em estudos avançados de medicina, matemática, física e outros campos.

Era nessa direção que os europeus se “orientavam” para buscar sabedoria ou mesmo produtos que se tornaram sonhos de consumo, como as famosas especiarias durante o período renascentista, que acabaram incentivando a própria expansão mercantilista. A Europa só passou a ser o continente próspero que é hoje a partir das riquezas que foram retiradas das colônias. O milho, a batata e outros produtos alimentícios têm sua origem nos países colônias, mas hoje fazem parte do cotidiano das nações desenvolvidas.

A atitude prepotente ignorou as culturas encontradas, que foram agredidas, mas não destruídas. Prova disso é a diversidade cultural encontrada na América Latina ou nos países africanos. A maioria se deixou abater pela falta de tecnologias capazes de enfrentar às trazidas pelos europeus. Mas é importante perceber que a riqueza cultural ainda existe e deve ser a fonte de inspiração para uma reconstrução de valores que incluam essa diversidade “esquecida”.

Um dado interessante trazido pelo professor Porto é que atualmente 53% da população mundial vivem no meio rural, com exceção dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. A falta de qualidade de vida fora das áreas urbanas faz com que a população dos países menos privilegiados busque oportunidades nas cidades, as inflando com pessoas que raramente são absorvidas pelo mercado de trabalho, que cada vez mais exige melhor nível educacional do que o disponibilizado a essas sociedades. Daí o surgimento de favelas e outros guetos marginalizados.

Uso dos termos

Uma discussão que vem sendo cultivada há alguns anos voltou a se fazer presente da agenda do evento. Trata-se do termo educação para o desenvolvimento sustentável, no lugar de educação ambiental. A sra. Beatriz Macedo do Chile, representante da Unesco, defendeu a nova terminologia, pois argumentou que a abordagem pode ser mais bem compreendida quando inclui preocupações de equidade social e a educação para a paz. Os objetivos são semelhantes, mas enfatizou a importância da participação, do protagonismo, e da responsabilidade social.

Edgar Gaudiano, um expoente internacional na área da educação ambiental e representante do México, lembrou que o termo pode ser uma forma de aceitação do que é determinado pelo primeiro mundo, sendo importante que se mantenha um pensamento crítico em relação aos processos de dominação vigentes. Em uma pesquisa que realizou antes do congresso, verificou que o Brasil aceita o termo sem se ater às dimensões políticas que podem estar por trás das decisões que afetam o mundo. Enfatizou que um simples termo é capaz de trazer significados mais profundos dos que se percebem à primeira vista.

Outro termo que merece cuidado é sustentabilidade. Para Jean Pierre Leroy, que coordena o Projeto Brasil Sustentável da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), o vocábulo “sustentabilidade” tem sido usado de maneira diversa e, por isso, precisa ser redefinido com base na ética, na economia, no mercado, na área social e de direitos humanos.

A sustentabilidade não afeta apenas a biodiversidade que está se perdendo, mas representa uma gama de amplos interesses e simbologias. Alertou para o atual modelo de desenvolvimento que tem trazido mais iniqüidades sociais, deteriorando a vida de populações e culturas mais vulneráveis. Um ponto interessante foi propor que a educação ambiental seja direcionada àqueles que detêm o poder, assim com os produtores e os formadores de opinião. Este seria, segundo Leroy, um caminho para que despertem para sua responsabilidade com a continuidade da vida no planeta.

Integração ministerial

Um aspecto relevante do congresso foi o movimento de revisão do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, lançado na Rio-92. Foram apresentados os princípios do documento original e sugerida a criação de um Conselho Internacional para se avaliar o que precisa ser atualizado. Mesmo com tantos anos de existência, o documento expressa em sua essência os princípios básicos para uma sociedade mais justa e ecologicamente sustentável. Como os demais documentos da Rio-92, visa um mundo melhor e, por isso, merece empenho de governos, empresas e organizações da sociedade civil para se colocar em prática aquilo que foi proposto.

No Brasil, alguns esforços podem ser observados nesse sentido. Rachel Trajber e Marcos Sorrentino, representantes do Ministério da Educação e do Meio Ambiente para o campo da Educação Ambiental, vêm trabalhando de forma integrada. Esse fato em si já seria um avanço, pois historicamente esses ministérios vêm atuando separadamente, muitas vezes justapondo esforços e tomando decisões nem sempre em sintonia no tocante à educação ambiental. Por fazerem parte de um comitê assessor do órgão gestor da Política Nacional de Educação Ambiental, que inclui representantes de diversas organizações da sociedade civil, têm podido elaborar propostas que refletem reais necessidades e iniciativas que tenham o potencial de ser implementadas.

O V Congresso Ibero-Americanos de Educação Ambiental reuniu pensadores do mais alto calibre. Experiências práticas e estudos de casos não foram priorizados como parte das plenárias. No entanto, muitas apresentações orais e em painéis mostraram que tem muita coisa acontecendo de concreto na área da educação ambiental, dignas de admiração. Quem sabe em uma próxima oportunidade algumas experiências práticas sejam incluídas nas palestras proferidas em plenária, como forma de mostrar que idéias complexas e ideais transformadores podem e devem ser colocadas em prática. O mundo das idéias é fundamental como fonte de inspiração e reflexão para guiar a ação. Mas, a prática, com seus erros e acertos, é fundamental para que as lições aprendidas e os processos vivenciados ajudem a inspirar e encorajar mais e mais profissionais da área a ousarem materializar seus ideais e utopias.

Vale ressaltar, ainda, que as plenárias, muitas das quais brilhantes, prevaleceu uma lógica antropocêntrica. Foram poucas as menções à biodiversidade e à necessidade de se integrar conservação às iniciativas educacionais. Uma lástima, pois muitos países, assim como o Brasil, abrigam uma enorme diversidade biológica que merece urgente atenção e cuidado. As escolhas e as prioridades demonstram que ainda há muito a se percorrer para se chegar a um equilíbrio de fato sócio-ambiental que beneficie a vida em geral do nosso planeta.

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