Colunas

Marketing do fim do mundo

Pregando a proximidade do caos, Greenpeace se propõe a salvar o mundo. Pode não ajudar muito, mas pelo menos arrecada fundos e mantém a ONG longe da extinção.

5 de novembro de 2004 · 19 anos atrás

Ao contrário da maioria de suas primas ambientalistas, mais recatadas, o Greenpeace parece fazer da oposição um modo de vida. É provável que isso tenha a ver com as suas origens de militância radical nos anos 70, quando apareceram abordando navios carregados com lixo tóxico e metendo dedo na cara de autoridades para defender a natureza. Foram desbravadores e merecem respeito. Viraram marca top e pop.

Só que o tempo passou e o radicalismo inicial parece ter virado um instrumento de marketing usado para arrecadar fundos. Aparentemente, é uma estratégia que vai dando certo, por mais contraditória que possa parecer. O Greenpeace aposta hoje na militância por procuração. Do tipo contribua que eu milito por você. Pode não ser o melhor caminho para salvar o mundo, mas ajuda a manter pelo menos a ONG longe da extinção. Para convencer a nação a participar sem sair de casa (solidariedade de sofá), o texto oficial do site apela e diz o seguinte:

“Queremos você ao nosso lado salvando a Amazônia, protegendo nossos rios e mares, o ar e a biodiversidade do nosso país. Somos uma organização sem fins lucrativos, independente, que se mantém somente graças ao apoio de nossos sócios, sem aceitar contribuições de governos, empresas ou partidos políticos. Por isso a sua contribuição é essencial para a continuidade do nosso trabalho. Estamos trabalhando no Brasil há mais de 10 anos para garantir a preservação do meio ambiente. Filiando-se você está contribuindo diretamente para o desenvolvimento das nossas campanhas de proteção ao meio ambiente. Complete o formulário abaixo e fique sócio do Greenpeace agora mesmo. A contribuição mensal é a melhor maneira de ajudar nosso trabalho, pois significa economia de custos administrativos para o Greenpeace, que pode disponibilizar mais recursos às suas campanhas de preservação. Se você não puder ajudar desta maneira, clique aqui para fazer sua contribuição semestral ou anual”.

Em resumo, basta você dar o dinheiro. O resto, o Greenpeace faz. Dá até uma espécie de “receita de bolo” da vida ecologicamente correta, caso o militante de cadeira decida pelo menos participar um pouco mais ativamente (não muito) da luta em favor da natureza. O contribuinte não precisa se esforçar tanto. Ideologicamente, tem que ser a favor da preservação da Amazônia, contra a energia nuclear e absolutamente contra os transgênicos – uma oposição que hoje parece definir o bom ambientalista tão bem quanto o sanduíche natural, há 20 anos, servia como prova de que seu consumidor era ambientalmente correto.

Os Greenpeacers devem viver baseados em princípios, mesmo que em nome da arrecadação de fundos eles já aceitem ser um tantinho corrompidos. Como membro do Greenpeace você recebe a sua carteirinha e o adesivo especial de sócio, o Diário de Bordo (boletim informativo trimestral), o relatório anual onde são detalhadas todas as atividades da organização e e-mails periódicos de acordo com a sua solicitação. Você contribui com a “salvação” e escolhe o quanto quer investir mensalmente (o valor mínimo é de R$ 12). Doações acima de R$ 15 recebem brindes.

Como num partido político rico em palavras de ordem mas pobre em participação popular, o doador do Greenpeace não tem muito como dizer onde o seu dinheiro deve ser gasto. Pode, entretanto, saber como é que a organização anda usando suas doações. Isto se você deu dinheiro até 2002, último relatório anual publicado no site da organização. Quem deu dinheiro de 2003 para cá permanece sem ter a mais vaga idéia de onde ele foi gasto. Suspeita-se, entretanto, que ele vai garantir a sobrevida do Greenpeace quando a vida na Terra chegar à beira da extinção. Essa parece ser uma crença da organização, baseada numa velha profecia feita, segundo ela, por uma índia, e que está reproduzida em suas páginas eletrônicas.

“Um dia, a Terra vai adoecer. Os pássaros cairão do céu, os mares vão escurecer e os peixes aparecerão mortos na correnteza dos rios. Quando esse dia chegar, os índios perderão o seu espírito. Mas vão recuperá-lo para ensinar ao homem branco a reverência pela sagrada terra. Aí, então, todas as raças vão se unir sob o símbolo do arco-íris para terminar com a destruição. Será o tempo dos Guerreiros do Arco-Íris”.

Se a profecia tem alguma base na realidade não importa. Vale é seu tom de fervor evangélico. O objetivo é fazer as pessoas acreditarem. Quem adere, pelo que a frase recomenda, precisa expiar seus pecados e assumir um estilo de vida do bem, que qualifique o indivíduo a entrar no Éden do meio ambiente. Não dá trabalho nenhum. Basta freqüentar o Espaço Greenpeace. Lá você encontrará de tudo para aliviar a sua consciência de poluidor.

Trata-se do endereço do ecologicamente perfeito. São mais de 200 itens à venda. Materiais de papelaria, travesseiros e bonecos recheados com ervas medicinais e pintados com corantes naturais, bonés, chapelões e camisetas fabricados com tecido 100% algodão, velas, cerâmicas, CDs de música e com barulhinhos tipo mar e vento, bijuteria artesanal, livros, café, açúcar, geléias e outros produtos orgânicos.

Atualmente há somente três lojas no Brasil (a matriz em São Paulo e duas filiais, uma em Salvador e outra recém-inaugurada no Rio de Janeiro) mas, devido ao sucesso da iniciativa, iniciou-se um processo de franquia. Quem diria! O Greenpeace Brasil resolveu pegar carona na onda das lojinhas Mundo Verde espalhadas pelo Brasil! Descobriram que biscoito de aveia (com farinha integral) dá dinheiro. Os produtos não garantem a sobrevivência do planeta. Mas enchem a barriga dos que vivem as custas da salvação do planeta.

Leia também

Análises
24 de abril de 2024

Chamar carvão de sustentável é má-fé absurda

A defesa do carvão como uma alternativa sustentável embaralha o debate público e desvia investimentos de soluções eficazes e provadas

Colunas
24 de abril de 2024

O comprometimento do jornalismo ambiental brasileiro

A intensificação da crise climática e a valorização da subjetividade no campo jornalístico ressaltam o posicionamento na cobertura ambiental

Reportagens
23 de abril de 2024

COP3 de Escazú: Tratado socioambiental da América Latina é obra em construção

No aniversário de três anos do Acordo de Escazú, especialistas analisam status de sua implementação e desafios para proteger ativistas do meio ambiente

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.