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Avanço no Clima

Houve várias notícias boas sobre a política e a diplomacia do clima nas últimas semanas. São sinais de mudança. Mas nada mudou ainda e há pouco tempo para agir.

30 de junho de 2006 · 18 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Um fio de esperança apareceu na luta contra as emissões de gases estufa. Estados Unidos e Europa estão fechando um acordo sobre o clima. Isso parecia impossível até outro dia mesmo. Essas duas principais forças mundiais e maiores emissores de gases estufa sempre se desentenderam sobre o clima. Os Estados Unidos se recusaram a assinar o Protocolo de Kyoto. Principalmente no governo Bush, sempre negaram que os gases estufa estivessem causando o aquecimento global.

Agora, parece que, finalmente, encontraram um terreno comum. A resolução que encerrou a reunião de cúpula, em Viena, mostra concordância entre os dois lados para agir com mais determinação e urgência para reduzir as emissões dos gases que causam o aquecimento global. O acordo embute o compromisso de expandir o investimento em fontes menos poluidoras de combustível fóssil e renovável. Pressão dos EUA: Bush tem dito que não é preciso regular as emissões. Seu plano seria reduzi-las investindo em novas tecnologias. UE e EUA se dispuseram, também, a aumentar o uso de energia renovável e diminuir a quantidade de gases estufa na atmosfera.

O comunicado menciona ainda que os dois trabalharão de forma mais cooperativa para enfrentar o desafio sério e de longo prazo da mudança climática, perda de biodiversidade e poluição do ar. Pretendem criar mecanismos de cooperação para diversificar as fontes de energia, garantir a infra-estrutura energética e promover políticas que assegurem a competição, a transparência, o respeito pelos contratos, o comércio, trânsito e acesso da energia, sem discriminação. Não há metas específicas, como no caso do Protocolo de Kyoto, mas o compromisso de rever anualmente os resultados dessa cooperação contra o efeito estufa.

O presidente Bush, até aqui o maior opositor do Protocolo de Kyoto estava em Viena para a sessão da reunião de cúpula que aprovou o comunicado conjunto. É um grande acontecimento diplomático, que reflete uma importante mudança no eixo dos interesses econômicos e políticos principalmente nos Estados Unidos.

Pressão made in USA

É uma boa notícia para o mundo todo, embora entre o discurso diplomático e a ação concreta haja enorme diferença, de tempo e de conteúdo. Mas não foi por coincidência que Europa e Estados Unidos se sentiram compelidos a discutir os temas da energia e do clima. A pressão política aumenta dentro e fora dos EUA. O consenso científico sobre mudança climática está consolidado. O investimento das últimas décadas em pesquisa climática, que é de longa maturação, começa a produzir resultados em maior quantidade, maior precisão e mais credibilidade.

A Suprema Corte dos Estados Unidos, por exemplo, aceitou a consulta de mais de uma dúzia de estados que indagam se o Governo Federal é ou não obrigado a regular as emissões de gás carbônico por veículos automotores, como mandaria o Clean Air Act.

Nos Estados Unidos a federação é para valer. Não é como aqui. Embora o governo federal, responsável pela política externa, tenha se recusado a assinar o Protocolo de Kyoto, mais de 30 dos 50 estados da federação adotaram limites de emissão iguais ou superiores aos determinados pelo Protocolo.

Agora estão reclamando que a inação federal prejudica a aplicação das leis estaduais. A Agência de Proteção Ambiental, EPA, sob comando de Bush, diz que vai defender sua posição de que o gás carbônico dos veículos não é um dos agentes poluentes cobertos pela lei do ar puro.

Os analistas, que conhecem como funciona a Suprema Corte, acham que o fato de ter aceitado a consulta é um sinal de que pode resolver o conflito entre a União e os Estados a favor dos estados. Os especialistas em poluição do ar estão otimistas. Se a sentença for favorável aos estados, obrigará o governo federal a regular as emissões dos veículos em todo o país, fortalecendo suas ações de combate ao efeito estufa.

A conversão de Wall Street

Trinta mega-investidores institucionais dos Estados Unidos, com ativos no valor de um trilhão de dólares, escreveram carta ao presidente da SEC, a agência que regula o mercado de ações nos Estados Unidos, dizendo que a mudança climática representa um risco financeiro relevante para muitas empresas em suas carteiras de ações. Pedem que esses riscos sejam incluídos na divulgação de rotina do desempenho das empresas. Esses fundos têm um patrimônio que ultrapassa 1 trilhão de dólares. Entre eles, estão os dois maiores fundos de pensões do país, CalPERS e CalSTRS, que juntos administram ativos de mais de 400 milhões de dólares.

A carta informa que algumas empresas têm relatado o risco climático voluntariamente a seus investidores. Mas a maioria se recusa. Entre elas algumas das campeãs mundiais de emissão de gases estufa. Os investidores reclamam o direito de saber se as companhias em que investem têm comportamento prudente no campo ambiental. A preocupação é que essas empresas sofram sanções e prejuízos por causa do boicote dos consumidores ou da ação das agências fiscalizadoras. Querem avaliar, de um lado, o risco regulatório a que as empresas se submetem por não adotarem procedimentos ambientalmente corretos. Seu resultado financeiro poderia ser afetado por multas e sanções, além de perderem credibilidade e clientes. Querem, também, determinar se essas empresas correm o risco de passar a pagar compensações – ou comprar bônus de carbono – por causa de suas emissões, o que poderia afetar suar margens de lucro.

Alguns dos maiores fundos de pensão dos Estados Unidos assinam a carta, pedindo à SEC que mande as empresas abrirem todos os riscos, inclusive o ambiental. Querem, também, que a agência defina critérios para medir e contabilizar esses riscos.

Há alguns meses, um grupo de autoridades evangélicas conservadoras havia enviado carta ao presidente Bush pedindo ação imediata e eficaz contra a mudança climática. Essa atitude gerou controvérsia entre os evangélicos dos EUA, mas no final ficou claro que a maioria, inclusive nos setores protestantes mais conservadores, apoiava a iniciativa.

Algumas semanas depois, um grupo de mega-empresas de energia pediu, também, em carta, ao Congresso do EUA, que adotasse medidas legislativas e de políticas públicas contra o aquecimento global e a favor da energia limpa. As grandes seguradoras do país recalcularam os prêmios de seguros para as regiões mais sujeitas aos efeitos da mudança climática, como as áreas de litoral afetadas por furacões. Incorporaram o risco climático e sua matriz de risco. Esta é uma das razões porque até agora não avançou a recuperação econômica da região atingida pelo Katrina, no ano passado.

O Alerta Científico

O destaque ambiental em todos os jornais do mundo, na penúltima semana de junho, foi um relatório da Academia de Ciências dos Estados Unidos, dizendo que a mudança do clima é um fato, que a ação humana é uma de suas principais causas e que é urgente a adoção de medidas consistentes para reduzir o efeito estufa. Por que teve tanto destaque? Porque foi comissionada pelo Congresso dos Estados Unidos. Esse consenso científico estimulado pelo Congresso derruba seis anos de esforço do presidente Bush, que financiou todos os pesquisadores que se propusessem a desmentir a hipótese de mudança climática, aquecimento global ou efeito estufa causado pela ação humana.

Nos Estados Unidos, as comissões do Congresso são poderosas e constituem um fórum privilegiado para o debate de temas que devem estar no orçamento da União ou ser objeto de políticas públicas. Diferentemente do Brasil, lá os parlamentares, quando consultam os especialistas e verificam que há consenso entre eles, adotam suas recomendações como parâmetros para decidir sobre rubricas orçamentárias, leis e políticas públicas.

O clima tem estado em discussão já há muito tempo no Congresso estadunidense. Com a divulgação do relatório científico comissionado pelo Congresso, fortalece-se o consenso político e bi-partidário em torno da necessidade de adotar medidas concretas a respeito. Essa, Bush está perdendo. No médio prazo, ele não tem como vencer. Agora, já começa a dar sinais de que cederá.

Na California, o governador Schwarzenegger, sentiu a pressão dos eleitores e adotou medidas de controle ambiental ainda mais severas. Alguns órgãos de imprensa já o chamam de “green governor”, o governador verde. Daqui a pouco será confundido com o Hulk.

A função mais importante do parlamento é, mesmo, debater os grandes temas, para ter informação sobre as prioridades do orçamento e das políticas públicas. Para isso tem que recorrer aos especialistas, aos cientistas, aos estudiosos.

Na mesma semana da cúpula Europa – USA em Viena, houve também reunião de cúpula dos países do G-8, os mais ricos, da qual também participaram Brasil, China e Índia. Durante o encontro, as academias de ciências desses países lançaram um alerta grave. Os mais importantes cientistas do mundo disseram que a mudança do clima é um perigo claro e crescente. Pediram que seus países reconheçam a existência de risco real e presente de aquecimento global e adotem imediatamente as medidas para evitá-lo. Todo mundo sabe o que deve ser feito, é essencial que se comece a agir já. Esse foi o recado central dos cientistas.

Eles pediram que seus países busquem o aumento da oferta de energia de forma que não cause danos irreparáveis ao meio ambiente, nem aumente a emissão de gases estufa, que contribuem para o aquecimento do planeta. Registram preocupação porque, no ano passado, na mesma reunião de cúpula do G-8, esses países haviam declarado que a prioridade seria o combate ao efeito estufa. Este ano, mudaram a prioridade para segurança do suprimento de energia. Essa é a expressão que Bush usou todo o tempo nessa viagem à Europa. Os cientistas disseram que prioridades de longo prazo não podem ser mudadas de um ano para outro. Disseram mais, que a prioridade de suprimento de energia deve incluir a prioridade de combate ao efeito estufa.

O que está acontecendo é muito preocupante. O clima está mudando. As conseqüências desse aquecimento são terríveis: secas, enchentes, furacões, queda de produção de alimentos, aumento das pandemias. Um estudo publicado no último número da revista Science, diz que o descongelamento do gelo até agora permanente produzirá a emissão de bilhões de toneladas de gases estufa, agravando ainda mais o aquecimento. É que as matérias fósseis conservadas nesse gelo, ao se decomporem, vão liberar esses gases estufa.

Muda a correlação de forças

O fato é que os interesses associados aos riscos trazidos pela mudança climática estão se tornando menos difusos e mais concretos. Há muito a pressão saiu dos setores ambientalistas do establishment científico e do movimento ecológico. Já conta com aliados no mercado financeiro, no mundo corporativo e entre mega-empresas globalizadas. Hoje, o consenso científico sobre a mudança climática já não é mais discutível.

Essas pressões chegam, inexoravelmente, ao sistema político e provocam ações e reações. E acabam chegando ao mundo diplomático, que sempre distila a conta-gotas as pressões políticas e econômicas. Ninguém é ingênuo de imaginar que estamos no limiar de uma revolução. Mas que está havendo avanço, está. Que há sinais de mais mudança no ar, há. E não é só mudança climática.

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