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A Voz das Ruas e o Meio Ambiente

As pesquisas de opinião sobre meio ambiente trazem boas notícias e vários alertas. Muita gente acha a natureza importante. Poucos confiam nos ambientalistas.

9 de maio de 2005 · 19 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Os brasileiros estão começando a descobrir, muito devagarzinho, o valor do meio ambiente para a vida de todos. Já conseguem saber o que é mais importante, em relação ao uso de recursos que muitos ainda consideram inesgotáveis, como as matas e as águas.

E, por isso, começam a suspeitar que andamos tratando muito mal nosso ambiente. Pesquisa do IBOPE para a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (RENCTAS), divulgada há poucos dias atrás, revelou que 71% dos entrevistados acham que o Brasil é um país que não respeita o meio ambiente. Os mais velhos, os residentes na região Nordeste e em pequenos municípios, têm opinião mais otimista. A diferença por idade significa que a consciência ambiental está avançando com a mudança de gerações. No Nordeste, o menor esclarecimento ambiental está correlacionado ao menor índice educacional da região. Nas pequenas cidades, há menos problemas ambientais do que nas grandes, sobretudo fora da vizinhança das regiões metropolitanas.

Pesquisa realizada pelo ISER (Instituto de Estudos da Religião) para o Ministério do Meio Ambiente, mostrou que tem aumentado a capacidade dos brasileiros de identificar problemas ambientais. Em 1992, 40% dos entrevistados não eram capazes se lembrar de algum problema ambiental ou achavam que não os tínhamos. Em 2002, esse percentual havia caído para 25%. Significa dizer que Uma queda relativamente modesta, de 37% em dez anos, sobre um assunto que, ainda hoje, não está no foco de atenção da maioria. De qualquer maneira, esses 15 pontos percentuais a mais da população que passaram a ser capazes de identificar um problema ambiental a olho nu, provavelmente resultaram de uma mudança no status da questão ambiental no processo de comunicação social brasileiro.

A opinião pública brasileira não identifica a água como recurso para gerar energia. Pesquisa encomendada pela WWF ao Ibope, no final do ano passado, perguntados sobre as funções e importância da água para o planeta, 70% mencionaram espontaneamente as necessidades vitais humanas, como beber e cozinhar alimentos, 19% mencionaram higiene pessoal – tomar banho, lavar roupa, escovar os dentes, etc. a – e 18% se lembraram das necessidades vitais dos animais e plantas. Apenas 2% reconheceram a importância da água para geração de energia elétrica. Como a pergunta permitia múltiplas respostas, essas respostas devem ser interpretadas como um indicador de importância do item, pois não somam 100%. Logo, a maioria absoluta das pessoas, quando perguntada, de cara, acha que a água é importante para suas necessidades vitais. Em um longínquo segundo lugar, vem a higiene e, em terceiro, as necessidades de animais e plantas.

Certamente esse avanço gradual da opinião pública sobre meio ambiente não dependeu apenas da exposição de seus temas na mídia, mas também do aumento de organizações civis atuando na ecologia, da entrada de organizações profissionais no tema ambiental, do maior número de empresas adotando estratégias de marketing sócio-ambiental, do surgimento de candidatos e partidos “verdes”. Todo esse movimento de maior interesse e mobilização pela questão ambiental, que é positivo, denota uma evolução negativa: ele surge da deterioração das condições ambientais do país, do aumento dos problemas ambientais e da elevação da taxa de “desconforto ambiental”, por causa da poluição e de seu efeito na saúde das pessoas, da perda de paisagens naturais e por aí vai. Além disso, nesse processo de formação de uma opinião pública ambientalmente bem informada contém muitas contradições. Primeiro, contrariedades ligadas ao próprio fato de que se trata de uma opinião em transição. Se, de um lado, aumenta a consciência do problema ambiental, por outro, ainda subsistem mitos e preconceitos que impedem que ela se transforme em conhecimento, capaz de gerar pressões e ações por mudanças em nossas práticas e políticas ambientais. Segundo, o tratamento ainda incipiente e inadequado, pela mídia, da questão ecológica, e os problemas de imagem e comunicação das organizações sociais que atuam nesse campo, alimentam desconfianças em relação à militância ambiental e às “reais” intenções, principalmente das organizações internacionais.

Mas, a opinião pública ainda está habituada a ver o Brasil como um país verde. Vi na televisão, de passagem, esta semana, um sujeito dizendo que “se fala muito de desmatamento da Amazônia, mas que quando se olha, só desmatamos 20% do total”. E dizia essa tolice, com ares de sábio e o entrevistador concordava, como também tivesse conhecimento sobre a matéria. Nenhum dos dois sabe qual o percentual de desmatamento, hoje, nem tomou conhecimento da pesquisa do Vox Populi para a SOS Mata Atlântica, no final de 2001, sobre a orientação que deveria ter o novo código florestal. A proporção de pessoas dizendo que a área desmatada deveria ser menor que os 20% atuais, aumentou de 49% para 58%, entre maio de 2000 e setembro de 2001. A concordância com a manutenção dos 20% caiu de 45% para 37%.

Mas o brasileiro continua vendo o meio ambiente basicamente como “a natureza”, ou seja, água, árvores e animais. Todas as pesquisas que tocam nesse ponto mostram essa mesma visão “naturística” do ambiente. E uma visão restrita da natureza, que exclui elementos que as pessoas estão acostumadas a associar com a “cidade”. Acho que é pelo fato de a maioria ver as praias como parte do “urbano” que, na pesquisa do ISER, por exemplo, os mares só tenham sido considerados parte do meio ambiente por 49%. Não há percepção do meio ambiente urbano, como parte, digamos, da ecologia, na opinião pública brasileira. Essa visão naturalista do meio ambiente é parte da concepção algo mítica que o Brasil faz de si mesmo, como um país verde. Meio ambiente é a natureza, que existe para ser desfrutada, como parte, quase certamente, do momento de ócio e lazer das pessoas. Pesquisa do Instituto Akatu, que busca traçar o perfil do consumidor consciente brasileiro, descobriu que a vasta maioria, 85% tem como principal interesse “desfrutar a natureza”. Mais que assistir televisão, 72%, ou praticar esporte, 54%. Desses que têm dizem querer desfrutar a natureza, 90% afirmam que esse interesse tem impacto significativo em suas decisões de consumo.

Outra pesquisa do Akatu, só com os jovens, mostra que seu maior interesse está ligado à educação e à carreira, como não poderia deixar de ser, num mundo competitivo como o nosso. Mas a segunda maior área de interesse também é desfrutar a natureza: para 49% interessa muito. Entre os jovens, esse interesse no lazer associado à natureza é maior do que na Austrália, 43%, nos EUA, 42% e na França, por exemplo. Só a índia tem um percentual de “muito interesse” maior que entre os jovens brasileiros, 54%. Uma indicação forte do potencial para o ecoturismo no país.

A pesquisa do ISER mostrou, também, que parcela significativa dos entrevistados ainda vê nossos recursos naturais como uma vantagem em relação aos outros países.

Nas respostas espontâneas – isto é, não estimuladas por um cartão contendo múltiplas respostas para o entrevistado escolher – 54% encontram vantagens relativas a nosso meio ambiente quando comparam o Brasil a outros países. O quadro mostra que aumentou de 13% para 15% o percentual daqueles que consideram “muito verde” uma vantagem que ainda temos e de 10% para 13%, os que acreditam que a Amazônia ou a Floresta Amazônica é nossa principal vantagem comparativa. Nesse período, desmatamos 93 mil km2 dela, o equivalente ao território de Portugal. O desmatamento anual saltou de 13,2 mil km2 para 25,5 mil km2.

Examinando esse conjunto de dados, fica claro que o alerta aos ambientalistas de dois especialistas em estratégias de comunicação Michael Schellenberger e Ted Nordhaus , no texto “A Morte do Ambientalismo: A Política do Aquecimento Global em um Mundo Pós-ambiental”, que está causando muita polêmica no EUA, é particularmente válido para o ambientalismo brasileiro. Muitas das críticas que fazem ao ambientalismo de seu país valem para nós. A despolitização da questão ambiental produz uma agenda fracionada e segmentada e o que entra nela, porque é considerado “ambiental”, e o que não entra é definido arbitrariamente. Estratégias erradas de comunicação ou falta de estratégias. Para perder a pecha de excêntricos a agitadores, os ambientalistas se tornaram tecnicistas, voltados para políticas públicas focadas e perderam a visão de conjunto e das conexões sistêmicas das questões ambientais com os “outros temas”. Não conseguem conquistar aliados mais fortes. O que eles estão dizendo é que o ambientalismo perdeu o charme, a utopia e a capacidade de conquistar adeptos e, sem eles, não ganhará a opinião pública e perderá espaço para os contra-ambientalistas.

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