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Freio na Besta

Utilizando os mais fundamentais princípios do federalismo, o Judiciário parece ser a única coisa capaz de refrear a política anti-ambiental de Bush Jr.

28 de março de 2006 · 18 anos atrás

Em mais uma evidente demonstração de que os Estados Unidos não se resumem a George W. Bush e seu séqüito, a Corte de Apelações do Distrito de Columbia derrubou, esta semana, em uma decisão da qual só cabe recurso para a Suprema Corte, uma tentativa do governo de flexibilizar o Clean Air Act.

Se o assunto parece um pouco repetitivo, é porque é. Não é a primeira vez que a presente Administração tenta implementar medidas de “afrouxamento” da legislação ambiental dos EUA e sai perdendo, seja para o Judiciário, seja para os Estados, seja para a sociedade em geral.

Desta vez, a vítima pretendida era o Clean Air Act, código que desde 1970 regula as emissões de poluentes no ar. E a reação veio do tribunal que julga algumas das mais importantes e abrangentes causas ambientais do país, justamente por se localizar no distrito da capital federal.

Andando para trás

Segundo um histórico do caso da página do Earthjustice, quando o Clean Air Act foi promulgado, em 1970, as emissões de poluentes industriais na atmosfera eram gigantescas. A nova lei exigia que todas as novas unidades industriais implantadas fossem equipadas com o que houvesse de mais moderno e eficiente em termos de equipamentos e mecanismos de controle de poluição. As unidades já existentes, no entanto, em sua maioria, não foram obrigadas a fazer quaisquer modificações, com base na premissa de que elas seriam substituídas, em breve, por novas unidades, que teriam que cumprir as exigências.

Isso, no entanto, não aconteceu. Os empresários perceberam que era muito mais barato manter as antigas unidades funcionando. Com isso, cerca de 18 mil dessas fábricas e usinas funcionam até hoje, emitindo poluentes em uma taxa muito superior às suas concorrentes mais novas. As unidades antigas, pelo Clean Air Act, só seriam obrigadas a empregar as novas tecnologias se passassem por algum processo de modificação que, por acaso, aumentasse as suas emissões. É o que a lei chama de New Source Review Program, ou NSR.

As indústrias, desde sempre, brigaram contra essa disposição da lei, seja contestando-a na justiça, seja simplesmente se negando a obedecê-la. Há não muito tempo a EPA (Environmental Protection Agency) estimava que aproximadamente 80% das indústrias do país descumpriam a lei, razão pela qual a agência, durante a última parte da administração Clinton, começou a ajuizar um grande número de ações judiciais contra grandes corporações que andavam fora da linha. O progresso alcançado pela EPA foi considerável.

Somente com os processos nos quais se fizeram acordos até hoje, as reduções atingidas chegam aos milhões de toneladas anuais. Isso sem contar com o grande número de indústrias que, com medo de enfrentarem processos judiciais, passaram a cumprir a lei.

Isso foi na década de 1990. Em 2003, já sob a administração Bush, a EPA decidiu editar o NSR de uma forma que, segundo afirmam ambientalistas — e, ainda bem, a Corte de Apelações do Distrito de Columbia — irá desacelerar, ou até reverter essa tendência.

Segundo a nova redação do NSR, as indústrias e usinas só precisariam instalar equipamentos mais modernos se executarem em suas plantas reformas cujo custo supere 20% do valor total da unidade. Caso contrário, elas poderiam instalar equipamentos equivalentes em termos funcionais aos que sempre utilizaram. Mesmo que a modificação aumente indefinidamente as suas emissões. Na prática, isso quer dizer que qualquer indústria dos Estados Unidos poderia realizar obras que aumentassem, indefinidamente, suas emissões de poluentes na atmosfera, desde que o custo dessa obra não seja muito alto. Não é algo muito difícil de fazer, mas é quase impossível de se aceitar.

O caso

Desde a sua concepção, o NSR foi combatido judicialmente pelos setores industrial e energético dos EUA, que queriam a sua revisão. Até que, finalmente, em agosto de 2003, conseguiram. Em resposta, desde que as alterações no seu texto original foram anunciadas, associações ambientalistas e estados norte-americanos ajuizaram um grande número de processos judiciais para tentar restaurar a integridade do Clean Air Act.

Em dezembro de 2003, em vista dessas ações, a Corte de Apelações concedeu uma liminar para suspender a eficácia do novo texto da lei. Sem essa decisão, o novo texto teria entrado em vigor naquele mesmo ano em 17 estados americanos, onde as indústrias poderiam se aproveitar imediatamente da liberação concedida, e nos demais estados pouco depois.

Em junho passado, em uma nova decisão, a corte manteve as alterações no texto quase na sua integralidade, atacando apenas a parte que havia eximido milhares de usinas elétricas e outros grandes poluidores de manterem registros das suas emissões. Com isso, dizia a decisão, seria impossível fiscalizar o descumprimento de outras normas do Clean Air Act.

Com a decisão do último dia 17, que considerou a argumentação da EPA baseada em argumentos sem pé nem cabeça, cerca de 800 usinas termelétricas e mais de 17 mil unidades industriais terão que acatar o texto original do NSR.

“Se o novo texto entrasse em vigor, uma lei que pretende limitar o aumento da poluição do ar permitiria que plantas industriais, que hoje operam abaixo dos limites legais de emissões, aumentassem significativamente a poluição sem qualquer controle governamental”, afirma a decisão, segundo reportagem do Los Angeles Times do dia 18 de março. Segundo a matéria, a corte entendeu que a abertura criada pela Administração contradiz os propósitos fundamentais do Clean Air Act.

A decisão foi unânime, apesar de a Administração alegar que a alteração no texto incentivaria o crescimento da produção industrial e baixaria o custo da energia no país.

Checks and balances

Dessa última decisão da Corte de Apelações ainda cabe recurso para a Suprema Corte dos EUA. Se ela for mantida, estará configurada uma das mais basilares premissas do federalismo, baseada na filosofia de Montesquieu: a de que os três Poderes do estado federalista — Executivo, Legislativo e Judiciário — devem ser separados e independentes, para que se controlem e fiscalizem mutuamente.

Chamado de “checks and balances”, esse sistema encontra-se consagrado na Constituição dos EUA — assim como na brasileira. Nesse caso específico, o Judiciário controla um ato do Executivo, sobre uma norma emanada pelo Legislativo norte-americano. Em poucas épocas da história norte-americana essa idéia veio tanto a calhar.

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