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Lama na Suprema Corte

Futuro das áreas alagadas dos EUA será decidido pela Suprema Corte. Atualmente, cabe ao governo federal fiscalizá-las. A tarefa pode ficar com os estados.

3 de março de 2006 · 18 anos atrás

Mais uma causa ambiental de peso chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos. Desta vez, os seus juízes decidirão se o governo federal tem legitimidade, sob o Clean Water Act – o código de águas dos EUA –, de regulamentar e fiscalizar o uso dos corpos d’água do país sem aparente ligação direta com grandes rios ou lagos. Caso a Suprema Corte decida que tais atividades não pertencem ao governo federal, a atribuição recairá sobre os estados, que já disseram – 37 dos 50 estados se manifestaram nesse sentido – que não a querem. A decisão, portanto, é de grande importância.

Com os burros n’água

Dois casos, que estão se tornando célebres, serviram de canal para que a questão chegasse à mais alta corte do país.

No primeiro deles, o governo federal dos EUA processa um sujeito chamado John A. Rapanos, que destruiu 22 hectares de áreas alagadas no estado americano de Michigan, entre 1988 e 1997, para construir um shopping center. Durante essa década, ele ignorou diversas ordens, federais e estaduais, mandando que ele parasse as obras e buscasse obter as licenças necesárias. Por ter aterrado as áreas pantanosas ilegalmente ele foi condenado, em 1995, a pagar uma multa de US$ 185 mil. Ele ainda pode ser preso pelo crime ambiental. Também durante a sua longa batalha contra o governo, Rapano pagou por um outdoor que insinuava que os órgãos reguladores dos EUA eram nazistas e foi acusado de extorção em um caso de demarcação de terras. Para aqueles que o apóiam, ele é apenas um sujeito obstinado, defendendo a sua propriedade.

O outro caso que levou a questão à Suprema Corte é bastante parecido. O casal June e Keith Carabell foi impedido de construir um condomínio de 112 apartamentos em uma área de aproximadamente 8 hectares de terreno pantanoso. O casal afirma que se o governo quiser impedir a construção no local terá que indenizá-los, já que a área foi comprada, em 1969, como uma espécie de plano de aposentadoria. Keith afirma, contudo, que a área é cercada por construções e que não se comunica com qualquer corpo d’água significativo e, por isso, não mereceria a proteção da lei específica.

Os advogados de Macomb County – localidade onde se encontra a área dos Carabell e que ajuizou a ação contra o casal – discordam. Segundo eles, seria impossível assegurar a proteção das águas do Lago Saint Claire – um grande lago próximo à propriedade – sem controlar áreas como a dos Carabell, de onde vem parte das suas águas.

A discussão nasce justamente no Clean Water Act, que determina que cabe aos estados regulamentar e fiscalizar os corpos d’água de pequeno porte e de influência local, deixando para as agências a fiscalização o controle dos grandes lagos e rios e dos corpos d’água que cubram o território de mais de um estado. Com isso, instaurou-se uma queda de braço que tem, de um lado, os investidores e proprietários de terras e, do outro, o governo federal.

As armas de cada um

Os primeiros alegam, apoiados por uma massa de organizações não-governamentais de defesa dos direitos de propriedade, que os agentes federais não têm competência legal para embargar as suas obras, já que as águas encontradas em seus terrenos não possuem qualquer ligação com grandes lagos ou rios. Nesse caso, alegam, a competência para regulamentar e fiscalizar o uso dessas águas seria dos estados e não do governo federal, conforme estabelecido no Clean Water Act, e a interferência dos agentes federais seria ilegal e ilegítima, extrapolando a interpretação que o Congresso pretendia dar à lei quando a criou.

No outro canto do ringue, o governo federal, juntamente com uma outra massa de organizações ambientalistas, alegam que tais águas, mesmo que não possuam aparente ligação direta com os grandes corpos d’água, são fundamentais para a sua saúde. As áreas alagadas – wetlands, como são chamadas por lá – não apenas servem para regular o clima como são os principais filtros de purificação das águas que penetram no solo para formar o lençol freático, retendo poluentes e resíduos. Além disso, são o habitat natural de diversas espécies vegetais e animais. O U.S. Fish & Wildlife Service estima que cerca de 43% das 1.262 espécies ameaçadas do país dependem dessas áreas para viver ou procirar. Diante desse quadro, os agentes federais afirmam que controlar os grandes corpos d’água sem controlar essas pequenas áreas seria enxugar gelo, já que cerca de metade dos rios e áreas alagadas do país ficariam imediatamente sem proteção, até que os estados criassem e implementassem seus próprios mecanismos de controle. As áreas alagadas dos EUA, hoje, são menos da metade das existentes no início do século XVII.

Fortalecendo o argumento do governo, nada menos do que 37 dos 50 estados dos EUA, através dos seus Procuradores-Gerais, manifestaram a sua preferência pela manutenção do atual sistema de controle pelos órgãos federais. Segundo eles, a fragmentação do controle só causaria problemas. Se o sistema mudar, um estado que fique rio abaixo de outro que não exerça corretamente suas funções de controle, será prejudicado pela incompetência alheia, recebendo poluentes sem poder fazer nada a respeito. Há quem diga, ainda, que as conseqüências do Furacão Katrina só foram tão trágicas porque as áreas alagadas do Estado da Loiusianna, o mais atingido pela enchente, estão sendo aterradas e poluídas com detritos provenientes de outros estados, diminuindo drasticamente a sua capacidade de absorver a água da chuva.

A briga promete. No último dia 21 de fevereiro, em uma audiência na Suprema Corte em que ambas as partes e seus assistentes puderam apresentar seus argumentos finais, a bola ficou bastante dividida, com juízes se manifestando em favor de ambas as partes. Uma decisão deve sair em breve.

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