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CMN e Amazônia

A resolução do Conselho Monetário Nacional sobre crédito na Amazônia não é a panacéia contra a devastação. Mas tratar questões ambientais como questões econômicas já é um avanço.

31 de março de 2008 · 16 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Encontra-se no site do Banco Central do Brasil a Resolução nº 3.545, de 28 de fevereiro de 2008 do Conselho Monetário Nacional (CMN), Resolução esta que tem sido festejada pelos “ambientalistas” como um “avanço”. Pessoalmente, acho a resolução importante, mas não lhe atribuo um papel de panacéia universal contra a devastação da Amazônia que muitos têm atribuído ao documento. Uma busca pela entrada “meio ambiente” indica 39 ocorrências no site do Bacen, o que indica que o tema não é novo por lá. A Circular nº 736 de 04 de outubro de 1982, portanto há 26 anos, na parte destinada ao crédito industrial e programas especiais dispunha que: “A liberação da última parcela do crédito, nos financiamentos de destilaria, somente poderá ser efetivada contra a apresentação, pelo mutuário, de comprovante emitido pelo órgão estadual de controle do meio ambiente atestando a conclusão da implantação do projeto de tratamento de efluentes.“

Do mesmo modo a circular nº 1.268, de 23 de dezembro de 1987 tem em suas disposições sobre crédito rural o seguinte: “o assessoramento técnico a nível de carteira e o técnico incumbido de elaborar o plano ou projeto devem verificar a adequação do empreendimento às exigências de defesa do meio ambiente.”

O mesmo se diga em relação à Circular nº 1.351 de 29 de agosto de 1988 que dispunha sobre crédito agroindustrial que: “1 – O agente financeiro deve observar a legislação específica sobre controle da poluição do meio ambiente na concessão de financiamento a: a) projetos com atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetivas ou potencialmente poluidoras; b) empreendimentos capazes de causar degradação ambiental. 2 – O agente financeiro deve exigir do mutuário o compromisso expresso de: a) observar a legislação específica sobre controle da poluição do meio ambiente…”

Talvez a resolução mais “ousada” sobre meio ambiente foi aquela que tenha instituído plano de conversão da dívida externa para fins ambientais (Resolução nº 1.840, de 16 de julho de 1991, tal resolução “não pegou”. E agora não tem mais sentido, pois como fomos informados pela Voz do Brasil, a dívida externa “está zerada” e o FMI não manda mais aqui. Okagesamade.

Evidentemente que seria enfadonho e despropositado fazer uma relação de todas as circulares e resoluções do Conselho Monetário Nacional que determinam que as instituições de crédito façam observar a legislação de proteção ao meio ambiente. Em dever de justiça para com o Conselho Monetário Nacional, há que se registrar que, tão logo a Lei nº 6.938/81 entrou em vigor, o CMN já se manifestava sobre questões de controle ambiental, dentro das condições específicas de concessão de crédito.

A Resolução nº 3.545, portanto, não é “uma novidade”, quando muito, será um “aperfeiçoamento” de normas já presentes em nosso ordenamento jurídico. O curioso é que a Resolução é específica para o “Bioma Amazônia”, quando na verdade a lei que trata de restrições a financiamentos (6.938/81) é dirigida para todos os “biomas”. Será que a turma do marketing se enganou? O que se contém na Resolução? Em poucas palavras, nada mais do que a “lembrança” de que a lei deve ser cumprida. “g) observância das recomendações e restrições do zoneamento agro-ecológico e do Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE.”

A Resolução tem como destinatários as instituições oficiais de crédito ou os bancos privados que sejam agentes financeiros de créditos públicos. A Resolução deverá ser observada “obrigatoriamente a partir de 1º de julho de 2008, e facultativamente a partir de 1º de maio de 2008” para a concessão de crédito rural ao amparo de recursos de qualquer fonte para atividades agropecuárias nos municípios que integram o Bioma Amazônia, ressalvado o contido nos itens 14 a 16 do MCR 2-1. A norma estabeleceu os seguintes condicionamentos para a concessão dos créditos: (a) apresentação, pelos interessados, de: 1 – Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR vigente; 2 – declaração de que inexistem embargos vigentes de uso econômico de áreas desmatadas ilegalmente no imóvel; e 3 – licença, certificado, certidão ou documento similar comprobatório de regularidade ambiental, vigente, do imóvel onde será implantado o projeto a ser financiado, expedido pelo órgão estadual responsável. Caso tais documentos não existam, poderá ser apresentado um “atestado de recebimento da documentação exigível para fins de regularização ambiental do imóvel, emitido pelo órgão estadual responsável, ressalvado que, nos Estados onde não for disponibilizado em meio eletrônico, o atestado deverá ter validade de 12 (doze)meses.”

Uma grande novidade que, no entanto deve ser vista com muito cuidado, é a quase que transferência para o agente financeiro de um papel de fiscalização que, francamente, não é da atribuição de tais instituições: “verificação, pelo agente financeiro, da veracidade e da vigência dos documentos referidos na alínea anterior, mediante conferência por meio eletrônico junto ao órgão emissor, dispensando-se a verificação pelo agente financeiro quando se tratar de atestado não disponibilizado em meio eletrônico”.

O item c, também, é bastante polêmico, pois impõe uma punição ao mutuário em caso de “embargo do uso econômico de áreas desmatadas ilegalmente no imóvel, posteriormente à contratação da operação, nos termos do § 11 do art.2º do Decreto nº 3.179, de 21 de setembro de 1999.” Ora, o embargo não significa que a atividade seja ilegal, ele significa que ela foi embargada, nada mais. Quantos embargos ilegais existem? Em tal hipótese poderá haver a suspensão da “liberação de parcelas até a regularização ambiental do imóvel e, caso não seja efetivada a regularização no prazo de 12 (doze) meses a contar da data da autuação, o contrato será considerado vencido antecipadamente pelo agente financeiro”.

A medida é severa, vamos aguardar os resultados e as futuras contestações para sabermos qual o posicionamento do Poder Judiciário sobre o tema. Vale observar que a norma se aplica a proprietários, parceiros, meeiros e arrendatários.

A Resolução está destinada apenas aos grandes proprietários, sendo excluídos expressamente a turma do Pronaf ou de produtores rurais que disponham, a qualquer título, de área não superior a 4 (quatro) módulos fiscais que deverá providenciar declaração atestando a existência física de reserva legal e área de preservação permanente, conforme previsto no Código Florestal, e a inexistência de embargos vigentes de uso econômico de áreas desmatadas ilegalmente no imóvel.

Existem ainda outras derrogações que, no contexto, são irrelevantes.

A iniciativa, em linhas gerais, é boa e, certamente, é um prenuncio de outras medidas que, cada vez mais, vincularão instituições financeiras e meio ambiente. Aguardemos o que virá pela frente. Apesar dos pesares, começar a tratar de questões ambientais como questões econômicas é “um avanço”, pois enquanto continuarmos com a cantilena e a lenga-lenga de choros e declarações piegas, pouco de efetivo faremos para a proteção do meio ambiente.

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